sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A Inevitável Lista

Dezembro é o mês das listas – os melhores filmes, os melhores livros, os discos do ano… Junto-me agora ao rebanho e coloco no blog os meus 10 filmes de 2008. Faço esta lista anualmente mas é a primeira vez que a publico. Quero, antes de mais, avisar que estes são os meus 10 filmes e não necessariamente escolhidos entre aqueles que estrearam em Portugal. Na verdade, penso que 2 deles ainda não foram exibidos (corrijam-me se estiver enganada) mas fazem parte da minha lista porque os vi no cinema. Aqui vai, sem nenhuma ordem em particular.

There Will Be Blood, de PT Anderson
La Graine et le Mulet, de Abdel Kechiche
No Country For Old Men, de Joel e Ethan Coen
4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, de Cristian Mungiu
Coeurs, de Alain Resnais
In Bruges, de Martin McDonagh
Waltz With Bashir, de Ari Folman
Hunger, de Steve McQueen
Entre Les Murs (A Turma), de Laurent Cantet
Happy-Go-Lucky, de Mike Leigh

Queria deixar menções honrosas a O Voo do Balão Vermelho (que esteve quase a entrar na lista, considerem-no o número 11), a Persepolis (merecia o Óscar de melhor animação), a I’m Not There (que não está na lista porque não é o filme que poderia ter sido, apesar de ter gostado muito dele) e a WALL-E (que é muito bom mas, para mim, não é o melhor que a Pixar tem para oferecer). Dois deles poderiam ter ocupado o lugar de Waltz With Bashir e Happy-Go-Lucky (os que ainda não estrearam em Portugal), mas sou eu que faço a lista e dou as ordens.
Quanto à origem dos filmes, há um claro pendor europeu, com sete filmes originários do nosso continente: três britânicos (In Bruges, Hunger e Happy-Go-Lucky), três franceses (A Turma, Coeurs e La Graine et le Mulet) e um romeno (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias). Para além dos europeus, há dois filmes norte-americanos (There Will be Blood e No Country for Old Men) e um israelita (Waltz With Bashir). Dez filmes, três continentes – parece-me justo.
Maria Braun

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Winter Wonderland - Ano Dois


Judy Garland em Meet Me in St. Louis


Feliz Natal a todos!

Maria Braun

domingo, 14 de dezembro de 2008

Regresso à escola com os Blur

Blur, To The End
Esta semana, uma das notícias que têm monopolizado a atenção dos jornais britânicos é a do regresso dos Blur. Desculpem-me enquanto salto no sofá como um frenético Tom Cruise. A sério. É como se me tivessem tirado 10 anos de cima e me fizessem voltar a tempos melhores.
Naquela altura tinha um horror absoluto a tudo o que fosse etiquetado de “teenager” ou “comercial” ou, pior ainda, “para raparigas” – desde revistas que tentam provar que as jovens são idiotas até aos filmes românticos da época (Ugh! Titanic! Meg Ryan! Ugh!). Não só era uma irritante indie kid como era insuportavelmente pseudo-intelectual (nem sequer faltava o Sartre). Para minha sorte, uma das minhas amigas comprava esse género de revistas (lembram-se da Smash Hits?) e oferecia-me, meio às escondidas, as entrevistas e posters dos Blur, que eram religiosamente guardados na gaveta. Com a condição de todas as fotografias individuais do Alex James ficarem para ela, claro. Foi o mais próximo que estive da fanzice mais patética, algo que nunca foi o meu género – a outra excepção eram os Pulp. Mas, a verdade é que, uma década depois, continuo a ouvir regularmente aqueles álbuns. Continuam tão frescos e originais agora como na década de 90.
Escolhi este vídeo em particular porque é uma homenagem a um dos mais fascinantes filmes que já vi – filme também descoberto naquela altura – L’Année Dernière à Marienbad, de Alain Resnais. Para além, claro, de ser uma das faixas de um dos melhores discos dos anos 90.
Maria Braun

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Repetições e Variações


Mark Rothko, Red on Maroon, 1959

Maria Braun

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ainda Brel


Jacques Brel, Bruxelles


Mais uma canção de Brel nos 30 anos da sua morte.


Maria Braun

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

É verdade, um ano de vida (porque também tenho de dizer alguma coisa, não é?)

Queria apenas acrescentar que não tenho responsabilidade pelos azulejos do hall e que não fiquei com a sobremesa. Era um semi-frio de manga, não era?
Quanto ao jantar, aqui fica a receita:
Cannelonis à Sally
Refogue a cebola e o alho em azeite abundante. Quando estiver louro, acrescente tomate fresco ou de lata. Tempere a gosto e deixe cozer. Passe o molho pela varinha mágica. Volta ao lume a engrossar. No fim, acrescenta-se coentros picados.
Entretanto, coza os espinafres. Reserve. Desfaça dois queijinhos frescos e tempere com sal e pimenta. Recheie os cannelonis com os espinafres e o queijo fresco.
Distribua os cannelonis num pirex previamente untado com azeite. Deite por cima o molho de tomate até os cobrir. Polvilhe com queijo ralado. Vai ao forno a gratinar.
Bom apetite!
Sally Bowles

Um ano de vida

O nosso blog faz hoje um ano. Um ano e nada mudou. Raio de existência!
Sim, K. levaste vinho. Se não tivesses levado, talvez este blog não existisse. Assim, foi criada uma plataforma para as nossas pequenas fugas à realidade. Aqui não se discute nada importante. Ainda bem! A realidade é sobrevalorizada.
Será que vamos aguentar mais um ano?
Maria Braun
PS: A sobremesa foi contigo K.

Um ano de purgatório (ao contrário do limbo, não temos previsão de trespasse).

Sei onde estava há um ano atrás. Estava na minha casa. A esta hora já devia ter ido ao supermercado, já teria almoçado e já teria ido ao café (talvez arrastado). Também já devia ter comprado o vinho (acho que levei vinho, já não me lembro) e, por estas contas, já devia estar mais ou menos preparado para ir para casa da Sally, ainda que faltasse bastante tempo. Portanto, sim, devia estar em casa. Mais tarde apanhei o autocarro e cheguei mais ou menos ao mesmo tempo que a Maria. Gostámos muito da casa da Sally, mas não pudemos ficar calados no que diz respeito aos azulejos do hall de entrada. Por entre o jantar ( que faria cerzir a face de qualquer anfitriã), a sobremesa da Maria, leituras de passagens de Umberto Eco e de um romance de um magnânimo Silva, surgiu este blog. Parabéns!
K.

P.S - Maria, não tenho nada que bata o teu clip do office. Hmmm, fui eu que fiquei com o que restou da sobremesa?

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Se não consegues vencê-los...




Os Monty Python decidiram criar o seu canal oficial no YouTube. A partir de agora são eles que colocam os seus próprios clips no site.


Maria Braun

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Literatura de metro

Não sou uma leitora de metro. Sempre achei que ler no metro tinha um quê de frustrante – no momento em que começamos a entrar no livro, em que a leitura se torna mais fluida depois daquelas primeiras linhas em que tentamos recordar o que tínhamos lido no dia anterior, somos interrompidos pelo abrir das portas, emergimos da leitura para voltar a respirar o quotidiano, rendidos às obrigações da vida (in)útil.
Por outro lado, é sempre com curiosidade que tento vislumbrar o que os meus companheiros involuntários de viagem estão a ler. Posso até tentar um levantamento estatístico. Diria que quase 80% dos leitores de metro se rendem à leitura de periódicos e, nesta categoria, os grandes vencedores são os diários gratuitos. Ao português nunca custou sacrificar a cabeça à carteira. Seguem-se os jornais desportivos (sobretudo à segunda-feira) e os grandes clássicos da “imprensa cor-de-rosa”: a Maria, pelo seu formato maneirinho, faz grande sucesso entre a tripulação metropolitana. Dos restantes 20%, uma boa parte dedica-se à “literatura light”, enquadrando-se nesta categoria não apenas os apelidados “romances femininos” mas também os cada vez mais omnipresentes romances históricos para idiotas com predilecção por teorias de conspiração envolvendo o Vaticano, a Maçonaria, os templários e o José Cid. Restam os livros técnicos e científicos, lidos nervosamente por aqueles a quem não basta a jornada diária de trabalho. Podemos ainda generalizar uma última categoria com a designação de “outros”, a qual engloba aquilo que é a “literatura-literatura”.
Não, não pretendo tirar conclusões sobre o estado da cultura do povo português através desta amostra. A minha intenção é outra: definir o que é um bom livro de metro. Sim, porque eu sou da opinião de que se deveria tentar uma nova categorização da literatura, tendo em conta não a sua forma, ou conteúdo, ou fim mas sim o espaço de leitura. Aliás, se eu tivesse uma livraria iria dividi-la em secções baseadas no princípio “livros para ler em...”. Nas estantes, suceder-se-iam categorias como: sofá, cama, praia, jardim, cozinha, casa-de-banho...
Então, o que é um bom livro para ler no metro? Adianto aqui alguns princípios básicos:
1. Não ser muito pesado – para o bem da coluna do leitor que terá de transportá-lo durante todo o dia.
2. Não ser muito suspeito – há sempre alguém a espreitar por cima do nosso ombro, por isso, evite Henry Miller (sim, isto também é para ti, K.).
3. Não ter parágrafos muito longos – não se esqueça que poderá ser obrigado a sair, deixando um parágrafo a meio (Lobo Antunes não é uma boa literatura de metro).
4. Não ser muito polémico – arrisca-se a uma “conversa de metro” indesejável.
5. Cuidado com a capa – mantenha as aparências!
De resto, algumas dicas para os leitores de metro. Primeiro, não se esqueça que um livro numa língua estrangeira dá sempre um ar cosmopolita e erudito. Para os leitores-macho, aconselho poesia pois faz sempre sucesso entre as viajantes-fêmea. Porém, atenção ao autor, pois poderá atrair outro género de viajantes.
Por mim, vou continuar a não levar nenhum livro para ler no metro. Espreitar por cima dos ombros alheios é sempre mais divertido.
Sally Bowles

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Faca e alguidar ou os novos tipos de família



O clip que coloco com este texto é de um dos mais marcantes filmes britânicos dos inícios dos anos 60, A Taste of Honey, de Tony Richardson. É parte do realismo “kitchen sink” que marcou o cinema britânico dessa década, saído do British Free Cinema, a “nova vaga” desse país. Eu sou parcial porque adoro estes filmes. Porque este movimento nos deu A Kind of Loving, Saturday Night and Sunday Morning, This Sporting Life, Billy Liar, The Caretaker, The Loneliness of the Long Distance Runner, etc., etc… Deu-nos Albert Finney, Alan Bates, Tom Courtenay.
Na sua origem está a vaga documental de finais dos anos 50, preocupada em apresentar uma visão mais realista da working class, até aí praticamente ausente do cinema que se fazia no Reino Unido. Também deveu muito à geração dos “angry young men”, dramaturgos que agitaram as águas do teatro inglês nos finais dessa mesma década de 50, levando a working class para os palcos londrinos. Richardson, aliás, realizou a versão cinematográfica de Look Back in Anger de John Osborne, tendo também adaptado Alan Sillitoe (The Loneliness of the Long Distance Runner). A autora do argumento de A Taste of Honey, Shelagh Delaney, vem dessa mesma geração. Outros também fizeram a transição para o cinema – Pinter (que apesar de ter preocupações algo diferentes, partilhava com os outros “angry young men” locais e o interesse pela working class), por exemplo, é o autor do argumento de The Caretaker e é conhecido pelas colaborações com Losey nos anos 60, mais notavelmente com The Servant.
A Taste of Honey contém muitas das preocupações e temáticas que continuariam a ser exploradas nestes filmes: o estigma originado pela classe social e a quase impossibilidade de fugir a essa existência, a precariedade do emprego e a falta de meios económicos, a desestruturação familiar, a gravidez fora do casamento, a ausência de um lar estável, o alcoolismo e a ausência de parceiros permanentes, a discriminação racial, a perseguição e criminalização da homossexualidade … Em A Taste of Honey, Jo fica grávida após uma fugaz relação com um marinheiro negro que, apesar de gostar muito dela, tem de partir, sem saber em que situação a deixou. Jo não tem apoio familiar porque não tem família: não sabe quem é o seu pai e a mãe nunca se responsabilizou verdadeiramente por ela, passando o tempo nos pubs, fugindo de casas que alugava e para as quais não tinha o dinheiro da renda. É na figura do seu melhor amigo, um jovem homossexual, expulso do quarto onde vivia devido à sua orientação sexual, que Jo vai encontrar o seu apoio. Eles vão formar uma família improvisada mas bem mais unida que muitas famílias tradicionais. Uma família que, se conseguir sobreviver após o nascimento da criança, será constituída por uma jovem mãe solteira, um “pai” homossexual e uma criança mestiça. Infelizmente, nem tudo vai terminar da melhor forma, graças à mãe de Jo.
Rita Tushingham e Murray Melvin ganharam os prémios de melhor actriz e de melhor actor em Cannes, com as suas tocantes interpretações de Jo e Geoff. Alguém teve o bom gosto de colocar no YouTube um momento intensíssimo do filme, um momento em que as dúvidas assombram a nossa Jo e em que ela acaba por quebrar.
Maria Braun

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Confusepedia

B

[...]

Bolsa: Saca pequena fechada por meio de cordões. Carteira. Subsídio. Algo que sobe, desce e, de vez em quando, cai. Habitat natural de uma espécie de hominídeo, único nos seus altos níveis de adrenalina. Trata-se do local onde estes últimos se reúnem, em largos conjuntos, para orgias financeiras de desfecho incerto: no pós-coito, as reacções variam entre o "Amo-te, BES!" e o "Nhac! Como fui capaz de comprar aquilo!".

[...]

Bush, George W.: Bípede acéfalo.

[...]

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Freelove on the Freelove Freeway




Este clip do Office britânico serve como argumento numa pequena diferença de opiniões entre o K e eu. Ele é grande fã da versão americana do Office, enquanto eu sou fiel à versão original e a David Brent. Mas, confesso, tenho alguns preconceitos em relação a comédias televisivas americanas, sejam elas originais ou versões de outras. Há excepções, claro, como Seinfeld ou os Simpson, entre outros.
Este é um dos momentos mais famosos da série, quando David Brent interrompe uma sessão de formação para tocar algumas músicas de sua autoria, terminando com a hilariante Freelove on the Freelove Freeway. Então K? Consegue o Office americano superar um momento como este?

Maria Braun

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Visões de Dylan

Todd Haynes. Quem já leu outras entradas deste blog sabe como eu gosto dos seus filmes. Tenho, por isso, que assinalar o lançamento de I’m Not There em DVD. Depois de cinco anos de espera por um filme de Haynes e de outros tantos de muita expectativa em relação a I’m Not There, o desejo de ver e gostar deste filme era muito forte. Haynes produziu mais um dos seus puzzles, um dos seus filmes que, não sendo biopics, o são. Porque este filme, mesmo fugindo a todos os clichés das biografias musicais como Ray ou Walk the Line, não é, por isso, menos biografia. Escondido por detrás dos jogos de Haynes está o trajecto pessoal de um músico – as suas influências, as suas tomadas de posição artísticas, as crises de identidade, os problemas pessoais e familiares – como em qualquer outro biopic. É fácil descobrir pedaços de Dylan por detrás de cada uma daquelas facetas – no entanto, o que marca a diferença em relação a outros biopics é a necessidade de já se conhecer as histórias em redor do biografado para se conseguir compreender uma parte importante do filme.
Haynes mantém essa sua complexidade de referências que fez dele um dos nomes mais interessantes de um cinema pós-moderno americano, com a bagagem de citações pop, a construção de algo novo a partir de retalhos do passado. I’m Not There é um típico Haynes e, sobretudo o segmento sobre Jack Rollins, faz-nos recordar Velvet Goldmine, numa certa continuidade estilística. Haynes é um mestre na manipulação da imagem cinematográfica, é de uma inventividade visual única, criando imagens de grande beleza. Só que, aqui, por vezes, Haynes perde-se nessa imagem, sem conseguir que o seu filme seja aquela lufada de ar fresco que foram os seus esforços anteriores. Os segmentos estão desnivelados, nem todos são conseguidos. Jack Rollins não resulta particularmente bem (apesar do notável esforço de Bale) e cria essa sensação de déjà vu em relação à obra anterior de Haynes; Billy the Kid é um alien no meio de tudo isto – e uma incógnita para quem não conheça as Basement Tapes de Dylan nem Pat Garrett & Billy The Kid de Peckinpah – e Heath Ledger consegue destoar completamente do resto do filme. No entanto, pode-se argumentar que este segmento nos remete para um Dylan privado, que nos é desconhecido porque é o Dylan que se mantém longe dos olhos do público e que, portanto, a estranheza e o distanciamento que causa é uma consequência natural e uma prova de que o filme está a resultar. Para além do mais, é impossível não gostar de Ledger e Charlotte Gainsbourg.
Com efeito, uma das mais-valias do filme é a qualidade das interpretações. E são elas que ancoram dois dos meus segmentos preferidos: o de Jude Quinn e o de Woody Guthrie. O primeiro, visualmente, é puro cinema europeu dos anos 60 – sobretudo Fellini com pitadas de Antonioni – e é onde se nota a preferência de Haynes pelo Dylan eléctrico, considerando-o o mais inovador e musicalmente relevante de todos. Apesar de, no meu caso pessoal, ter chegado a Dylan através da sua fase folk e ainda hoje nutrir uma particular preferência pelos primeiros discos, penso que este segmento é um dos mais fortes do filme. A parte Guthrie beneficia sobretudo de uma excelente interpretação, de grande maturidade, para além de captar com grande perfeição visual e, sobretudo, cromática, aquele mundo dos blues, o sul da América, das plantações, dos conflitos raciais.
Nota positiva para este filme que, como sempre, não desaponta enquanto imagem, mas que demonstra algumas fragilidades narrativas e que nem sempre é bem sucedido na integração dos vários segmentos, eles próprios de sucesso variável. No entanto, espero que o intervalo entre este e o próximo filme de Haynes seja bem mais curto, porque acho que não conseguirei aguentar outros cinco anos sem um dos seus filmes.
Maria Braun

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O (verdadeiro) Socialismo ainda vive?


Billy Bragg, There is Power in a Union


Resolvi juntar-me ao debate que une os outros membros deste blog há já algum tempo. Esta é dedicada à Sally, ao K., a mim própria e a todos os fãs de um dos últimos socialistas britânicos (se excluirmos Ken Loach) de seu nome Billy Bragg.


Maria Braun (do seu desterro)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

As citações e a vida

Um quadro de cortiça é sempre uma coisa de louvar. São bocadinhos da pessoa. O facto da Sally ter uma citação de Rousseau no seu quadro revela um pouco da sua ingenuidade. Cara amiga, é óbvio que ele não tem razão. E o motivo é porque ele é um idealista e quem vive na esfera da idealidade pouco sabe do aqui e agora. Por isso é que ele escreveu um livro sobre a educação e, depois, batia avulsamente no filho. Pensemos no assunto e, nomeadamente, se vale a pena manter essa frase no quadro de cortiça.
K. Douglas

domingo, 28 de setembro de 2008

Os frutos e a terra

"Estais perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra de ninguém."
Há já muito tempo que tenho esta citação de Rousseau afixada no meu quadro de cortiça. Todos os dias, sento-me à secretária e olho para ela.
Oh, amigo Rousseau! Guarda essas ideias dentro da cabeleira! Nunca foi assim, nem no teu século, nem no meu. A terra é sempre de alguém e os frutos de alguns.
Sally Bowles

sábado, 27 de setembro de 2008

Paul




Tinha 83 anos. Este está a ser um péssimo ano para o cinema.


M. Braun

and Jacques Le Goff!

Echo and The Bunnymen, The Killing Moon

Oh, aqui está um vídeo para ti, Maria.

K. Douglas

Blame Braudel!



Sally da minha vida! A verdade caminha irremediavelmente para nós. E o pior é que nós já a conhecemos, uns melhor que outros, é certo. Ela apareceu nas nossas vidas quando tínhamos dezoito anos e o futuro era um espaço ocupado com muitos devaneios. Voltou a aparecer com força aos vinte anos, com levantamentos, com quadro estatísticos, com cruzamento de informação, com seriação de fontes, etc. Aos vinte e um anos, a nossa ingenuidade levou a estacada final: ela explica tudo! E que descoberta radiante! Estava em nosso poder algo muito mais avassalador que um aceleradorzito de partículas. Ela e as categorias apanham-nos por completo e dizem tudo de nós - não escapa nada. Ela é o destino: a longa duração.

K. Douglas

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Então e eu?

Ninguém me dedica um vídeo? Sinto-me excluída...

M. Braun

Oh, doce capitalismo!



Just for you, K.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Um pouco de terra


"Sobre o monte nu
um calvário.
Água clara
e olivais centenários.
Pelas vielas
homens embuçados,
e nas torres
cata-ventos girando.
Eternamente
girando."
Estava a ver as fotografias das férias e lembrei-me de Llorca...
Sally Bowles

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Sally, cheer up!

Just for you!

K.Douglas

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Olvido

Ontem, não me conseguia lembrar, por nada, do nome da Júlia Pinheiro. Perguntei: "Como se chama aquela tipa de voz estridente que apresenta aquele programa à tarde para donas de casa?" (Pareceria mais inteligente se referisse A Noite da Má Língua, eu sei!). Muito saudável, olarila! Só me falta começar a fazer exercício físico e deixar os fritos e os doces...
Sally Bowles

sábado, 20 de setembro de 2008

Como organizar a sua existência ou o sem sentido.

Organizar a vida é uma grande carga de trabalhos. Como pode conciliar a voz insuportável do primeiro-ministro (estamos num nível estonteante) e uma possível intuição de vazio, quase a roçar o dito de Sileno, é um problema seu. Bem, sempre pode levar o Persona muito a sério e enclausurar-se a si próprio. É melhor não – olhe a mensalidade ao banco. Lamento se as notícias do canal quatro não dizem nada sobre a sua vida ou o deixam desarmado sem saber como afrontar as coisas. Por mais que possa custar, Sócrates faz parte de si (não faça essa cara, pense um pouco, não precisa de estudar fenomenologia). E logo a quebra nos índices de confiança de consumo, os ordenados, a inflação, numa palavra: a necessidade económica que, dizem os entendidos, nos cega. Ora, um pão é só um pão. E o sistema é tão eficaz que cria condições para nós consumirmos confortavelmente. Use o seu cartão de descontos no supermercado. É bom, não é? Pois. Se não, adira ao cartão de crédito citibank: não paga nunca a anuidade, não tem consumo obrigatório mínimo, a taxa de juro é de 1.81 % sobre o capital em dívida e ainda ganha uma noite para duas pessoas num dos hotéis Vila Galé ou uma máquina de café. Continue a respirar sem se dar conta e se, por acaso, estiver a chegar aos trinta afaste o possível pensamento de que já viu muito, de que a infância é já um amontoado de sentidos ténues. Se lhe disseram que tinha que estudar muito para ter uma vida boa (entenda-se dinheiro, poder de compra, sofás) e isso é precisamente o que não tem, então, se calhar, deve tomar uma decisão. Não há nenhum segredo: em primeiro lugar mande Sileno à fava e para o ano reduza o poder a Sócrates (se não for de esquerda, talvez a alternativa seja hmmm – voto em branco). Depois ocupe-se consigo, se souber o que é que quer.
K. Douglas

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Miss Carabina 2008 à conquista da América

The modern conservative is engaged in one of man's oldest exercises in moral philosophy; that is, the search for a superior moral justification for selfishness. JK Galbraith

A América está à beira de eleger para a Casa Branca uma dupla tão perigosa como a que actualmente ocupa o poder. E eu que pensava que não se conseguiria pior que Bush/Cheney… A escolha de Sarah Palin é absolutamente assustadora. Tudo em Sarah Palin é assustador. Mas o que a torna perigosa e, visto de fora, uma péssima escolha, é o que a torna tão apelativa dentro da América. Palin é ultra-conservadora, fanática religiosa (e criacionista), apoiante do lobby das armas, profundamente nacionalista, com um forte pendor bélico e retrógrada em questões sociais (é contra a liberdade de escolha das mulheres no que diz respeito ao aborto, por exemplo). E é uma mulher profundamente ignorante. Já afirmou que apoiaria uma guerra contra a Rússia e uma intervenção unilateral no Paquistão. A sua moralidade política não está acima de escrutínios, dadas as investigações que lhe estão a ser feitas por abuso de poder. Quem quer uma mulher assim como vice-presidente, sobretudo quando o potencial presidente é um homem na casa dos 70 anos? Pelos visto, muitos americanos. É por essas mesmas razões que é tão popular na América profunda, fechada e reaccionária. A antiga candidata a Miss Alaska, mãe de uma família alargada, que tem uma predilecção particular pela caça, é tudo o que esse povinho gosta. O ser ignorante nem é um problema – veja-se George W. Bush. Até já teve direito a ser transformada em boneca estilo GI Joe para poder ser comprada para as criancinhas desses horríveis rednecks.
Mas há um outro problema aqui que merece ser tratado – e que me interessa particularmente por razões óbvias. O spin feito pelos republicanos para apresentarem Palin como uma feminista, o cínico apelo ao eleitorado feminino depois de verem o fenómeno Hillary Clinton, é preocupante. Em primeiro lugar porque insulta a inteligência das mulheres. Eles devem supor que as mulheres são tão superficiais que votarão nela apenas por ser mulher e que ignoram a ideologia política que a sustenta – isso é algo demasiado complexo para as suas cabecinhas. Só alguém que pensa assim poderá supor que o eleitorado de Hillary Clinton vai agora votar em Sarah Palin apenas com base no género. Nenhuma apoiante de Clinton se pode rever em Palin. Ou pelo menos, era o que eu pensava. Mas parece que Palin se está a tornar popular entre as mulheres caucasianas na América.
O Partido Republicano, responsável por imensos ataques misóginos a Clinton, está a tentar apropriar-se do movimento feminista. Algo que Palin nunca poderá ser porque nunca representou os interesses das mulheres. Os republicanos nunca se preocuparam com as mulheres – e estão agora a usá-las como instrumento político para seu próprio proveito, com a perfeita noção que nunca irão fazer nada para promover a igualdade. Palin é a encarnação perfeita dos três K do partido nazi. Ao tentar identificá-la com os movimentos que promovem a igualdade das mulheres, está a esvaziar-se esses mesmos movimentos, a subverter o seu papel e os seus princípios e a tentar lançá-lo numa crise de identidade. Anuncia-se uma regressão neste campo.
Sempre, desde o início, fui apoiante de Obama, apesar de nunca ter acreditado que ele fosse ganhar as eleições. Agora ainda estou menos convicta disso. A perversa escolha de Palin foi uma boa estratégia, tresandando a Karl Rove por tudo o que é sítio. A máquina republicana volta a fazer das suas. Se, à partida, McCain, mais liberal, não parecia tão mau quanto Bush, agora torna-se num pesadelo. O que diz muito sobre a América é o facto de, enquanto muitos europeus que poderiam apoiar McCain já não o fazem por causa de Sarah Palin, há muitos americanos que não votariam McCain e que agora votam por causa de Sarah Palin. Este é o mais deprimente e assustador retrato que pode haver de uma nação. Se votarem na “hockey mum” todo o mundo sofrerá com isso. Depois queixem-se de que a América está isolada…
Um conselho: vejam a fantástica cobertura que Jon Stewart tem estado a fazer da escolha Palin e a sua brilhante desconstrução do discurso republicano. Dá-nos muito que pensar.
Maria Braun

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Devias conhecer a minha irmã

Almost Famous, Cameron Crowe, 2000.

Em geral não gosto dos filmes de Cameron Crowe. Contudo há um que, como diz a Maria, é uma verdadeira gema: Almost Famous. Um dos meus momentos preferidos do filme é quando o rapaz (não me lembro do nome dele) abre a mala que a irmã lhe deixou debaixo da cama. O que está lá dentro é uma pequena e fabulosa colecção de vinis. Pet Sounds faz as honras da casa – é o primeiro disco. Pode haver uma certa comoção do espectador ou pelo menos de alguns espectadores ao assistir a esta cena. O filmar do simples passar dos discos tem mais sentimento que Vanilla Sky inteiro (horrivel, horrivel). Escrevi simples? My mistake. Não é um simples passar de discos. A câmara demora-se nas capas e consegue transmitir uma contemplação e até mesmo uma certa devoção pelos objectos. É por isso uma verdadeira experiência da aura das coisas. Veja-se o carinho com que toca na capa de Blue de Joni Mitchell.
K. Douglas

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Outros tempos

Há alguns dias, dei por mim a olhar para uma gravura do século XIX. Um homem na praia olha para a outra margem do rio, onde está uma pequena localidade que a legenda diz ser a minha terra natal. Ele tem os braços cruzados e uma canastra ao lado. Será um pescador? Creio que sim. A localidade vê-se ao fundo, reflectida nas águas calmas do rio, onde dois homens remam curvados. Dois edifícios confirmam a legenda. Reconheço-os pelos contornos mais do que pelos detalhes. Muito mudou...
E aquela luz... não, aquela não é a luz da minha terra. É plácida e rosada, como a de um pôr-do-sol outonal. É bela mas não a reconheço. São outros os tons que acompanham as minhas memórias.
O homem olha para uma cidade que não se move, sem pontes, distante de tudo e de todos. Não é esta a cidade para que hoje olho. Talvez saiba qual a perspectiva daquele homem, do outro lado do rio, perto da foz. Mas nunca olhei a cidade assim. Plácida e rosada, enquadrada com a serra ao fundo. Hoje a cidade tem pontes e está próxima. Demasiado próxima de tudo e de todos.
Sally Bowles

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Odeio Setembro

Detesto, Mr. Douglas.
Sally Bowles

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Por falar nisso

No último post mencionei o “neo-expressionista” Batman Regressa, filme visto por todos como um herdeiro directo do expressionismo alemão. Se uma imagem vale por mil palavras, então veja-se um dos exemplos máximos dessa corrente cinematográfica, Metropolis de Lang, e compare-se com a Gotham City de Batman Regressa. Expressionismo a cores?






Maria Braun

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Batman regressa. Outra vez.

É Verão e, como sempre, há muito poucos filmes interessantes no cinema. Por um sentimento de lealdade que já explicarei, encontrei-me, há cerca de uma semana, numa sala de Lisboa a ver o novo Batman. Não vou apresentar aqui de forma pormenorizada as minhas opiniões sobre o filme. Prefiro deixar umas notas muito soltas sobre o que penso acerca dos filmes de Nolan, sobretudo em contraste com os de Burton. Em primeiro lugar, tenho de confessar que Batman é o único herói de comic books que me leva ao cinema. Filmes de super-heróis não são exactamente my cup of tea. Mas os filmes de Tim Burton são parte da infância. Imaginem ver o Joker de Nicholson aos 6 ou 7 anos de idade… Na altura não sabia porque gostava daqueles filmes – seria Batman ou Burton? Alguns anos depois obtive a minha resposta – era o mundo muito peculiar de Burton, que continuei a acompanhar. Batman Returns é, para mim, o melhor filme deste personagem e cada vez mais duvido que algum outro consiga superá-lo. No entanto, graças a Burton, continuo a deslocar-me ao cinema para ver Batman, algo que não faço com nenhum outro do género.
Depois do festival kitsch de Schumacher, que nem merece ser mencionado, Christopher Nolan parecia uma bênção para esta série. Mas, apesar das boas críticas, não consegui gostar do primeiro filme de Nolan. A razão é a mais estúpida de todas e uma que, geralmente, nunca considero uma crítica válida quando se fala de filmes: o filme é muito, muito aborrecido. Leva-se demasiado a sério. Eu sei que se tinha chegado a um ponto intolerável de auto-paródia com Schumacher, mas estamos a falar de comics! Nolan quer uma visão mais “realista”. Realismo é a última palavra que me ocorre quando quero descrever as histórias de um bilionário que se veste de morcego e anda a voar pelas ruas da sua cidade a combater criminosos ainda mais excêntricos que ele, que incluem um pinguim e uma mulher-gato… Se vou ver um filme do Batman, não estou à espera de “realismo”. O mais irónico nisto tudo é que, com todas estas conversas de Nolan, com toda a violência dos seus filmes, nenhum deles conseguiu ainda ser tão sombrio, tão negro e ameaçador como o expressionista Batman Returns. Para mim, o aspecto mais positivo de Batman Begins foi o Espantalho de Cillian Murphy. Foi um crime desaproveitar daquela maneira um vilão tão perfeito, tão interessante no seu aspecto frágil, delicado, andrógino, que aparentemente nada tem de ameaçador – até fixar alguém nos olhos, gelando-nos, a nós espectadores, até à medula. Murphy consegue transmitir magistralmente a loucura do seu personagem, sempre de uma forma controlada, nunca caindo no overacting que raramente é evitado por outros actores. Genial.
Os críticos dizem que The Dark Knight é o filme do Joker. De facto, o vilão é, de novo, o que o filme tem de melhor. É pena o resto não estar ao mesmo nível. Mas queria deixar aqui uma pequena objecção. Nos sites americanos de cinema já há muito se aposta na nomeação de Heath Ledger para o Óscar de Melhor Actor Secundário. Louva-se intensamente esta interpretação e diz-se que é muito melhor que a de Nicholson. De novo, percebo de onde vem o hype, mas não consigo estar de acordo. Tem-se desvalorizado a interpretação de Jack Nicholson no filme de Burton, dizendo que é camp (o que é verdade), que não é assustadora, que Heath Ledger é melhor porque dá o lado mais sádico da personagem. Desculpem, mas Nicholson era sádico e assustador – acho que viram um filme diferente daquele que eu vi. Para além do mais, ambos têm uma vasta colecção de tiques (ver o que se disse acima sobre overacting) … Simplesmente, Ledger adequa-se mais à visão austera de Nolan, enquanto Nicholson fazia um clown mais cartoonesco e exagerado, exactamente à medida de Burton. Percebo que os puristas das bandas desenhadas critiquem Nicholson, mas quem vê o personagem de um ponto de vista exclusivamente cinematográfico, à partida compreende porque é que eles são diferentes e como isso resulta em filmes bastante distintos.
Um outro aspecto positivo de The Dark Knight: a troca de Katie Holmes pela magnífica Maggie Gyllenhaal, que há muito vejo como uma das melhores jovens actrizes americanas de hoje. É um papel sem grande interesse, mas Gyllenhaal nunca desilude, fazendo o melhor que pode com ele. Quanto a Bale, desde o primeiro filme que tenho a sensação que, não sendo o Batman mais interessante, é o melhor Bruce Wayne que já tivemos. Pena é que um actor como Bale esteja a perder tempo com filmes anódinos (ainda não acredito que ele aceitou entrar no novo Terminator) em vez de honrar a sua anterior filmografia, expandindo-a com filmes originais.
O filme pode ser menos aborrecido que o anterior, mas é mediano, cansativo, demasiado longo, com um argumento desinteressante e enredos secundários a mais. Ah, e já disse que o filme é politicamente repugnante e que deve ter feito muito felizes alguns republicanos reaccionários? Mas, é preciso admiti-lo, não sou a pessoa ideal para comentar filmes deste género… Fico-me por aqui.
Maria Braun

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Odeio Agosto

Detesto.

domingo, 27 de julho de 2008

Um Cahiers mais jovem


O Cahiers a dedicar a capa e várias páginas de entrevista a um actor de 25 anos? Uma excepção que confirma a regra ou uma tentativa de rejuvenescimento? Seja como for, vale a pena. Bem interessante...
Maria Braun

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Filmes de Verão

Drácula de Coppola é mediano. Vamos lá desfazer um mito da pré-adolescência. Tirando um ou outro momento, o filme é uma concentração de kitsch gótico com vestidos longos e largos a esvoaçarem por jardins e escadarias. Sim, vermelhos. Em certas cenas podemos perceber onde certas bandas totally lame, como os Within Temptation e afins, se inspiraram para os seus videos. A melhor coisa do filme é Hopkins, cuja interpretação me parece bastante irónica, ao ponto de parecer caricaturizar a sua personagem. Espero não ter ofendido nenhuma família portuguesa.
K. Douglas

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Bloqueio

Estão 30 e alguns graus lá fora e não consigo escrever uma frase coerente. Por isso, faço minhas as palavras de Álvaro de Campos:

"Há mais de meia hora
Que estou sentado à secretaria
Com o unico intuito
De olhar para ella.

(Estes versos estão fora do meu ritmo.
Eu tambem estou fora do meu ritmo).

Tinteiro (grande) à frente.
Canetas com aparos menos à frente.
Mais para cá papel muito limpo.
Ao lado esquerdo um volume da Encyclopedia Britanica,
Ao lado direito -
Ah! ao lado direito! -
A faca de papel com que ontem
Não tive paciência para abrir completamente
O livro que me interessa e não lerei.

Quem pudesse hypnotizar tudo isto!"

É verdade, todos os caminhos levam a Pessoa. Pessoa serve para tudo, cabe em todas as gavetas! Até num dia quente de Verão...
Sally Bowles

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Ícone do nosso tempo?


Ou a promessa do fim de 8 anos de pesadelo?

Maria Braun

domingo, 29 de junho de 2008

Saudades dos 90s


The Divine Comedy, Becoming More Like Alfie


Acabei de ter um momento nostálgico.


Maria Braun

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Santo Antoninho do meu coração

Se, por acaso, escorregar na calçada da bica, não tenha o telemóvel na mão. Provavelmente, conseguirá endireitar-se e não rebolar até lá abaixo (isto num dia de semana). Já o seu telemóvel tem uma grande probabilidade de cair ao chão, desmontar-se em três e começar a deslizar calçada abaixo. Então, quando já se endireitou, vê a tampa da bateria perto de si, os seus amigos a correrem devagar - Olha, olha! Apanha! - e, por fim, o palhaço cai para dentro do carril. De olhos bem abertos, percebe que ele desapareceu e não diz nada. Aproxima-se, alguém diz: Calma, o carril é pouco fundo. Porém, chega ao sítio e percebe que ele está lá em baixo, a uma distância de 40 cm ou de 50cm. Então diz: "Fiquei sem telemóvel", ainda sem acreditar. Alguém ilumina a frincha do carril com um telemóvel e lá está ele. Bem, não o podemos recuperar. A sua vontade é sair dali. Assim é. Mas pode ser que, quando chegado ao largo de Santo Antoninho, um amigo seu decida voltar para trás, a fim de recuperar o seu telemóvel. Num bar, pede-se algo com cabos e, de vassoura e de pá em punho, chega-se ao lugar do acidente. Começam os suspiros, os ohhhhh, os quase!!! esganiçados, as ideias, as tácticas e o pobre do palhaço aos trambolhões lá em baixo. Os minutos passam até que, num golpe de sorte, após inúmeras tentativas, até já com o apoio de uma moradora à janela, volta a pôr a mão no telemóvel. Perdeu a bateria, é certo, mas recuperou o essencial.
K. Douglas

domingo, 22 de junho de 2008

This is Douglas to major Bowles

Sally, Sally... ando a preparar o jantar de terça-feira e a ouvir Chico Buarque - Vida. Se quiserem pensar numa prenda... fica aqui uma sugestão sem vergonha. Eu faria romromromrom.

K.Douglas.

K. Douglas, where are you?

Estou com saudades do K. Douglas, vocês não? Sempre perspicaz nas suas observações, sempre incisivo nas suas críticas... K. Douglas, onde é que tu estás? Regressa, o Confuse a cat precisa de ti! Espero que não tenhas fugido com a rapariga gira da Relógio d'Água. Ou se calhar... talvez até não fosse má ideia, não é verdade K.? De qualquer forma, mesmo que estejas nas Bahamas, volta a brindar-nos com os teus textos. Confunde-nos! Miau...Miau...
Sally Bowles

Acasos

No Outono de 2004 vi, no London Film Festival, um curto mas impressionante filme japonês. A escolha do filme não correspondeu a nenhum critério específico. Era domingo, queríamos ir ao festival e, bem vistas as coisas, Waterloo ficava a dois passos do apartamento. Vimos quais as películas a projectar nesse dia e escolhemos a que nos pareceu mais interessante. Lição desta história? Por vezes, os filmes de que mais gostamos são fruto do acaso, são surpresas. Normalmente, quando vou ao cinema, os filmes são escolhidos a dedo. Mas, neste caso, não sabia absolutamente nada. Não conhecia o realizador nem os actores. Não sabia qual o tema. Resultado? O filme não me deixou durante dias e dias.
Nunca estreou em Portugal nem existe por cá em DVD. Chama-se Tony Takitani e é uma história sobre solidão. E roupas. É sombrio e onírico ao mesmo tempo. Não gosto, normalmente, de contar as histórias dos filmes, com medo de os estragar a quem ainda não os viu, mas vou abrir uma excepção neste caso. Prometo não contar o fim… Tony Takitani viveu sempre só – criança solitária, adulto solitário, dedica-se ao desenho mas, mesmo enquanto estudante, não se relaciona com o humano, não veicula nem compreende as emoções. Torna-se um mestre no desenho de máquinas, bem sucedido e muito bem pago. Um dia, por fim, casa-se. Mas há uma sombra a pairar sobre este casamento. A sua mulher tem o vício de comprar roupas caras. Enquanto solteira, quase todo o seu salário servia para encher o guarda-roupa. Agora, que passou a ficar em casa, o marido ficou com os encargos financeiros. O vício da mulher aflige Tony, não tanto pelo dinheiro, mas pelo medo que sente, pela primeira vez, de ficar sozinho. A solidão era normal para ele quando não conhecia outra realidade. Agora que sabe o que é ter uma verdadeira família, Tony percebe como a sua existência fora solitária e não quer voltar ao ponto de partida. A sua mulher, por outro lado, apesar de perceber que afecta o marido com as suas compras compulsivas, não consegue evitá-las. Ela tem o seu próprio vazio e precisa, a todo o custo, de preenchê-lo. Se querem saber como tudo acaba, têm de ver o filme.
Este filme mistura muitas influências, de Yasujiro Ozu a Vertigo de Hitchcock. Apesar disso, é verdadeiramente original e único, um perfeito alien. Hoje sinto-me muito contente por, naquele domingo, termos escolhido um desconhecido filme japonês, só pela vontade de ir ao cinema.
Maria Braun

quarta-feira, 18 de junho de 2008

(In)Culturas

Depois de uma longa ausência, resolvi voltar ao activo, talvez porque a chegada do calor desperta aquela sensação de tédio e de longas tardes de ócio, mesmo quando há muito trabalho pela frente. Entre crises económicas e Europeu de futebol, os jornais continuam mais preocupados com faits divers e vendettas pessoais do que com uma análise séria do que se passa no país. As três personagens centrais no nosso panorama político são as menos inspiradoras que se possa imaginar e levam-nos a perguntar onde se encontra o nosso Obama. Há uma absoluta falta de ideias e não parece que isso vá mudar, se olharmos bem para as novas gerações do panorama político. Uma situação saudável, portanto.
Falemos de um dos problemas: a educação. Penso que Sally, no texto anterior, tocou com o dedo na ferida. Há uma desvalorização contínua e socialmente aceite de uma educação de nível superior em Portugal. Conjugam-se más políticas educativas e um mercado de emprego limitador e de vistas curtas.
Primeiro problema: falta de interesse. Quando entraram os fundos europeus em Portugal, em épocas de cavaquismo, fez-se o mais criminoso desperdício de dinheiro possível. A Irlanda, por exemplo, investiu na formação dos seus cidadãos. Hoje, atribuem o seu rápido desenvolvimento a uma escolha acertada em altura de fazer investimentos. Portugal – ou melhor, Cavaco – gastou tudo em betão. Não se apostou na população. Não se apostou numa formação que hoje faria toda a diferença. Não se tentou mudar as estruturas que permitiriam um verdadeiro desenvolvimento. Não, antes desvaloriza-se qualquer interesse que se possa ter numa formação sólida, achando que a Universidade só serve para formar “gestores” (que raio de curso é Gestão, afinal?) ou informáticos. Por isso é que, neste país, “intelectual” é uma palavra feia. Ser-se inteligente, culto, educado, é insultar o português médio.
Esse é outro dos problemas: a visão distorcida do papel da educação. Ouvi, há tempos, uma discussão sobre “se vale a pena apostar num curso universitário”, sobre “empregabilidade”, sobre a escolha do curso certo, isto é, aquele que é útil porque dá emprego. Estas conversas deprimem-me imensamente. Para já, pensa-se que a Universidade é um centro de emprego. Pois bem, não é. Nem deve ser. A Universidade é um centro de saber e deveria ter como objectivo “formar”, no sentido mais lato que a palavra possa ter. Um licenciado teria, num mundo ideal, um sólido grau cultural e a capacidade de raciocínio independente, dados por uma boa formação. É óbvio que não é assim, infelizmente. Todos os que passaram pela universidade pública nos últimos anos o sabem. Aposta-se na mediania, na mercantilização do “canudo”. No poder dizer “o meu filho é dôtor”, mesmo que seja licenciado por uma privada de vão de escada.
As conversas utilitárias não ajudam. Se o objectivo é apenas um emprego, porque não ir para o ensino profissional? É para isso que ele serve. Também é óptimo – e muito importante – que se aposte em áreas científicas. Mas é só isso que interessa? E o resto? Como as outras áreas não são relevantes, são secundarizadas, mesmo a um nível de formação básica. Mesmo que se queira incentivar os portugueses a estudar áreas científicas a um nível universitário, não podem ser descuradas as outras áreas nas escolas básicas e secundárias. Já sabemos que a cultura não é importante para os políticos actuais, mas que cidadãos é que estamos a formar nas nossas escolas, se não houver uma aposta no ensino da Filosofia, da Literatura, das Línguas Clássicas, de outras línguas estrangeiras que não apenas o inglês? Em França, por exemplo, os alunos do ensino obrigatório estudam não só literatura francesa, mas também obras fundamentais de outras literaturas – os textos homéricos, por exemplo. Em Portugal, retiraram Camões do 9º ano porque, claro, os alunos portugueses são estúpidos e só conseguem aprender a sua língua com textos “jornalísticos”, aliás todos muito bem escritos, como sabemos.
Vejo amigos e conhecidos germânicos e comparo currículos. Para além de todos eles – a amostra é pequena, eu sei, mas mesmo assim significativa – terem formação musical, todos estudaram também Latim na escola. No ensino português só pode estudar Latim quem vai para Humanidades no secundário. No meu caso, por exemplo, como não escolhi Humanidades, estudei Latim por iniciativa própria quando fui para a Universidade. Escusado será dizer que me fez não só reaprender como também perceber muito melhor a estrutura gramatical portuguesa.
Consequência? A maioria dos alunos que chega às universidades tem capacidade de memorização mas não a maleabilidade de um pensamento crítico que só alguém com uma certa bagagem cultural consegue ter. Perdeu-se qualquer tipo de noção romântica da importância do desenvolvimento intelectual. Eles são a consequência de anos de más políticas de ensino, conjugadas com a má formação estrutural da sociedade portuguesa.
Outro problema: as limitações no mercado de trabalho que não são contrariadas pelo discurso do governo. Há aquele hábito terrível de culpabilizar o aluno por escolher o curso errado. Pergunto-me, então, porque é que em países como o Reino Unido ou a Alemanha há uma alta absorção de licenciados em, digamos, Ciências Sociais, inclusivamente por grandes empresas, e em Portugal esses licenciados são vistos como um empecilho? Sally falou de História – em Inglaterra é um curso valorizado. Vistas curtas dos nossos empregadores, sem dúvida, que não percebem o valor que pode ter o empregar licenciados com uma grande variedade de formações, para além da visão global que alguém de Ciências Sociais tem e que um “gestor” nunca poderá ter. Pior ainda – pessoas ligadas ao governo validam esta posição, ajudando a perpetuar o problema.
Portugal sempre teve um baixo nível educacional que nem a escolaridade obrigatória consegue combater. É estrutural. Uma mudança radical que vá às raízes da questão é uma das chaves na luta contra alguns dos maiores problemas que Portugal enfrenta. Eu sei que não estou a dizer nada de novo, mas se não se faz absolutamente nada para melhorar a situação, se não se tenta alterar verdadeiramente as estruturas, então não será um gasto desnecessário de espaço o continuar a bater nesta tecla.
Maria Braun

terça-feira, 10 de junho de 2008

Essa terrível doença social...




Pensei que vinha a propósito, dado o tema do último post.


Maria Braun

sábado, 31 de maio de 2008

Como gostaria de ser contabilista?

Antes de tudo, peço as máximas desculpas pela minha ausência. Para felicidade dos ávidos leitores deste blogue (e, neste momento, acabei de entrar numa dimensão paralela!), regressei mas não em força. É verdade, acabei de acordar e estou exausta do número de ontem à noite. Por isso, vou limitar-me a tentar transcrever algo que uma amiga minha me contou.
“Nunca gostei que me fizessem perguntas pessoais. Porém, há uma que me petrifica, que gela o meu sangue até à aorta: Qual é a sua profissão?
A verdade é que, há uns anos atrás, tive a infeliz ideia de ser pouco prática nas minhas escolhas para o futuro e de cometer um suicídio profissional. Quando estava a preencher o boletim de candidatura à universidade, a minha esferográfica ganhou vida própria e, ao invés de escrever «Gestão» ou «Economia», gatafunhou «História». Durante quatro anos, tive o prazer (ou talvez não!) de conviver diariamente com figuras e acontecimentos que inspirariam um David Linch. Depois (oh, demência!), aprofundei a crise profissional e dediquei-me à investigação. Passo os meus dias a percorrer os ambientes insalubres das bibliotecas e arquivos de Lisboa.
Explicar isto a um leigo é sempre uma tarefa árdua, um décimo terceiro trabalho de Hércules. Vou agora reproduzir um diálogo-tipo a partir do momento em que sou questionada sobre a minha vida profissional. Acreditem, é sempre uma boa maneira de tornar longa uma conversa. Chamemos Lola Montez ao interlocutor-tipo. Aqui vai.
«Lola Montez (LM) – Então, o que é que você faz?
Eu – Sou investigadora?
LM – Da PJ?»
Este é um dos raros momentos na minha vida em que me sinto intimidante.
«Eu – Não. Licenciei-me em História e faço investigação nesta área.
LM – Que interessante! Sabe uma coisa,...»
Neste momento, a conversa pode tomar dois rumos distintos:
Hipótese A: «... eu também gosto muito de História»
Hipótese B: «... eu nunca gostei lá muito de História»
Ora bem, no caso da hipótese A, LM irá dizer que também gostaria de ter tirado o curso de História mas que não o fez (sensata criatura!). Decerto que escolherá uma época de eleição. Existe uma probabilidade de 86,4% dessa época ser «os Descobrimentos». «Ah! Como eu gosto dos Descobrimentos! Naquela época éramos grandes, tínhamos metade do mundo!». O sempre presente saudosismo (com um quê de mentalidade de Estado Novo) pelos tempos do Tratado de Tordesilhas! Então, LM debitará uma série desconexa de conhecimentos que adquiriu durante a frequência do ensino escolar. Fá-lo-á orgulhosamente, mostrando que, afinal, até sabe quase tanto como um miúdo de dez anos.
«Eu – Pois...»
No caso da hipótese B, a situação complica-se e tende a se alongar por mais umas horas. LM tentará justificar a sua falta de gosto pelo conhecimento histórico, o que deixaria qualquer Heródoto de cabelos em pé. Há uma figura omnipresente, a do «mau professor». O «mau professor» é aquele que obrigava os alunos a saberem todas as datas, dinastias, naus da armada de Vasco da Gama, freiras de D. João V, etc., etc.... O «mau professor» até fazia uso da palmatória do caso do aluno não saber quantos centímetros media Napoleão. Frequentemente, ao «mau professor» contrapõe-se o «bom professor», aquele que tentou recuperar o gosto pela História, que se esforçou por mostrar que «aquilo é mais compreender do que decorar». Porém, nem o «bom professor» salvou aquela alma.
«Eu – Pois...»
A situação complica-se quando LM é curioso e quer saber «Então, o que é que você investiga?». Neste momento, aconselho a simplicidade, ser o mais generalista possível, se for preciso, ocultar um pouco. Nunca tente ser demasiado específico, salvo se quiser lançar o incómodo no interlocutor. Porém, uma resposta como o «Aporias do número na representação egípcia de Deus como abertura hermenêutica» pode ser óptima para ouvir um suspiro de falsa compreensão «Ah...» e acabar logo com a conversa. Por outro lado, existe também a hipótese de LM querer que «troque isso por miúdos». Conclusão: é bom ter sempre à mão um relatório do projecto de trabalho em Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5.
E durante toda esta conversa, eu penso: «Porque é que não sou contabilista?». É verdade meus caros, é preciso muito descaramento para se dizer a um contabilista: «Que interessante!», ou «Eu também gostava muito de ser contabilista?», ou mesmo um «Amo o POC com todas as minhas forças!». A conversa acaba logo no «Sou contabilista». É tudo tão fácil e simples... Estou farta de ser um animal exótico!”
Enfim, isto foi o que essa minha amiga me contou. Coitada, até é uma boa rapariga! Por mim, vou voltar para o meu gin e para o meu Kurt Weill. Auf Wiedersein!
Sally Bowles

quinta-feira, 29 de maio de 2008

l´amour parmi les livres

Há uns anos atrás, a Relógio d' água tinha numa das suas bancas na feira do livro uma rapariga muito gira. Sublinhe-se o gira ou então digamos, numa assentada, incrível. Ingénuo, perguntei-me se este ano, por algum acaso, estaria lá. Não, não está. É pena. Era mesmo gira, era mesmo parecida com a Kirsten Dunst.

K. Douglas

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Abril





Maria Braun

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Antecipações






Maria Braun

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Primeira canção com Lágrimas

Eu canto para ti um mês de giestas
Um mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema

Porque tu me disseste quem em dera em Lisboa
Quem me dera me Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Porque tu me disseste quem em dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol Lisboa com lágrimas
Lisboa a tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera...

Manuel Alegre


Esta canção é, talvez, a segunda melhor canção de amizade de sempre - logo a seguir a I See a Darkness de Bonnie Prince Billy. Festejemos Abril!

K. Douglas

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Aquele Maio (3)


Maria Braun

terça-feira, 1 de abril de 2008

Saudosismos light e leitores de algibeira

Quando ando de transportes públicos tenho o exasperante (para os outros, não para mim) hábito de bisbilhotar aquilo que os meus companheiros de viagem andam a ler. É educativo. Nunca apanhei ninguém a ler Bukowski e, se apanhasse, não fugiria da pessoa em causa, muito pelo contrário (veja-se http://www.realimaginado.blogspot.com/). Já se fosse Henry Miller… Também, por aquilo que tenho visto, acho que não corro esse risco. Os leitores de curta distância parecem estar mais interessados nos malfadados jornais gratuitos. Bem vistas as coisas, não se gasta nada com eles, ajudam a passar o tempo e não exigem grande empenho intelectual, o que é óptimo para combater o tédio. No entanto, falando apenas sobre livros, os transportes públicos podem servir como um óptimo inquérito aos hábitos de leitura nacionais.
Em primeiro lugar, porque é que há tanta gente adulta a ler livros infantis? Ou será que aos 30 ou 40 anos ainda se consegue digerir literatura maniqueísta sobre magos e outros que tais? Pelo menos já não é só Rebelos Pintos e Browns de bolso. Isso já está démodé. De há uns tempos para cá parece haver uma nova obsessão – Salazar. Pelos vistos, aquela vergonha que foi os “Grandes Portugueses” ajudou a lançar a moda ditador-light. É uma boa forma de ganhar dinheiro: escrever um livro sensacionalista e pseudo-biográfico sobre uma figura que parece exercer um inexplicável fascínio sobre os portugueses. É que se fosse Hitler ou Mussolini ainda percebia. Eram figuras coloridas. Agora o triste e parco Salazar… Ainda está bem viva aquela deprimente paixão dos nossos compatriotas pelo paizinho intransigente, Salvador da Pátria, modesto e simples, que aplica a sua autoridade com mão de ferro. Veja-se quem está no palácio de Belém…
Mas é sobretudo triste chegar a uma livraria e ver banalidades sobre a vida de Salazar misturadas com livros de culinária, de auto-ajuda e os últimos best-sellers. Décadas de ditadura colocadas ao lado de receitas para o wok… Para quem quer analisar de forma séria os anos do regime autoritário em Portugal, tudo isto deve causar um absoluto desânimo. Mas enfim, Salazar sempre vai estando presente nas viagens para os subúrbios, entre o trânsito de Lisboa, entre meros curiosos e aqueles que acham que o que é necessário é outro como ele. Naqueles tempos, dizem, imagens como as da aluna do Porto não aconteceriam – e outros populismos que tais… Consequência do vácuo ideológico em que estamos mergulhados ou de uma pura e simples ignorância?
E, assim, lá vou eu, entre um ingénuo leitor do Correio da Manhã e um leitor de ocasião de um gratuito, entre sensacionalismos e saudosismos autoritários, carregando o meu DeLillo, afundada num incurável pessimismo. Porque isto não é apenas deprimente: é, no fundo, verdadeiramente perigoso.
Maria Braun

quinta-feira, 27 de março de 2008

Tudo o que não deve saber

Há dias, desfolhei um livro com um título tão amplo quanto Cultura. Tudo o que precisa saber, ou qualquer coisa assim. É uma síntese de “o essencial a saber para não parecer parvo de todo” ou de “o conhecimento necessário para uma conversa de café minimamente inteligente”, embora temas como Física Quântica e Dialéctica Hegeliana não sejam propriamente os assuntos de eleição entre uma bica e um pastel de nata. Enfim, trata-se de uma espécie de “cultura essencial em 600 páginas”, possivelmente para figurar nas mesinhas de cabeceira de socialites que, não conhecendo nem “a Quântica” nem “a Hegeliana”, querem sempre ficar bem nos salões (gosto do termo salões, muito coquete!). Porém, o livro tem um capítulo que considero deveras interessante, se não pelo conteúdo, pelo menos como proposta de reflexão. Neste, é elencada uma série de conhecimentos desnecessários, ou melhor, que podem causar série embaraço caso manifestados. Um “tudo o que não deve saber” que se resume a algumas breves achegas lógicas sobre o que nunca deve ser conhecido e, sobretudo, comunicado como o último episódio da novela da noite ou os pormenores das relações extra-maritais da nobreza europeia.
Ora bem, tal conduziu-me a um exercício de auto-análise e o resultado foi uma breve lista do que eu sei e nunca, nunca mesmo, deveria saber . Sim, breve porque há coisas que é melhor não revelar, mesmo quando nos fazemos passar por uma artista de cabaret na Alemanha dos anos 30. Cinco coisas que, com embaraço, confesso:
Sei uma boa parte (uma boa e vergonhosa parte) da letra do Taras e Manias do Marco Paulo;
Sou capaz de dizer três ou quatro títulos desse ícone da cultura norte-americana, Danielle Steel (é o que dá ler catálogos do Círculo de Leitores. Ups!... este deveria ser o ponto 3);
Li o Alquimista do Paulo Coelho (mas fique desde já aqui escrito que não gostei!)
Trauteio com frequência temas dos ABBA, dos Bee Gees (e isto faz-me lembrar um comentário de um outro blog – vide www.realimaginado.blogspot.com), do Avô Cantigas, enfim...
Sei quem foi o vencedor do primeiro Big Brother (mas não do segundo, ah!ah!ah!)
“Cobri minhas faces que morro de vergonha!”Sally Bowles

segunda-feira, 24 de março de 2008

Aquele Maio (2)


Maria Braun

terça-feira, 18 de março de 2008

Paris no cinema


Je n'aime que toi - Louis Garrel, Ludivine Sagnier e Clotilde Hesme

Em Outubro passado estreou em Portugal o último filme de Christophe Honoré. Segundo o site da Fnac, sairá em DVD no fim desta semana. Confesso não ser grande fã do realizador, mas Les Chansons d’Amour foi uma experiência bem interessante, ainda que algo inconsistente e, por vezes, mesmo irritante. Honoré devia começar a descolar-se um pouco mais da nouvelle vague… Homenagem explícita a Jacques Demy e ao seu Les Parapluies de Cherbourg, a começar pela estrutura tripartida do filme e passando pelo casting de Chiara Mastroianni (com um chapéu-de-chuva transparente como o que a mãe usava no filme de Demy), Les Chansons d’Amour é uma tragédia musical. Fala-nos de uma relação condenada, de uma ménage à trois, da inesperada perda e da redescoberta agridoce do amor. As canções não são os momentos de espectáculo puro dos musicais americanos, são cantadas num tom sussurrado; é como se as conversas mais íntimas entre as personagens assumissem, por algum motivo, o formato de canção. Fica aqui um vídeo e uma dúvida: terei escrito este post porque revi recentemente o filme (edição francesa vinda há alguns meses através da amazon…) e queria partilhar um dos seus momentos, ou estava apenas à procura de uma desculpa para colocar no blog imagens do absurdamente belo Louis Garrel?
Maria Braun

sexta-feira, 14 de março de 2008

Aquele Maio...


Porque faz 40 anos...
Maria Braun

quinta-feira, 6 de março de 2008

Duelos em noites de Óscares: 2006 e 2008

Parece ser desnecessário, passada mais de uma semana, voltar ao tema dos Óscares. Mas, agora que já vi tanto Haverá Sangue como Este País Não É Para Velhos (“country” neste caso significa “região” e não “país” – é uma referência ao Texas) e que sei o que penso de cada um deles, é possível reflectir melhor sobre o que se passou na noite de 24 de Fevereiro. Em primeiro lugar, gostei muito de ambos os filmes e julgo que tanto um quanto o outro mereciam vencer. Não se pode comparar esta escolha com o que sucedeu há dois anos, quando Crash bateu Brokeback Mountain na corrida. Qualquer disputa sobre qual dos filmes devia levar a estatueta é uma questão de gosto pessoal e não, na minha opinião, de qual é verdadeiramente melhor. Pessoalmente, gostei um bocadinho mais de Haverá Sangue. Mas esse “bocadinho” é mesmo muito pequeno…
Quem anda pelos sites e blogs de cinema sabe que a vitória de Crash ainda não foi digerida pelos “cinéfilos”, apesar de já se terem passado dois anos. A razão? Penso que foi pelas altas expectativas que a escolha dos filmes, nesse ano, gerou. Os nomeados para os Óscares nunca são “os melhores” – ninguém com o mínimo de bom-senso acredita nisso. Alguns são razoáveis, outros bastante maus. Há filmes bons, mas normalmente, com algumas excepções, ficam-se pela nomeação. Os Óscares estão cheios de vitórias injustas – Rocky venceu no ano em que Taxi Driver foi nomeado, Kramer Contra Kramer bateu Apocalypse Now, Gente Vulgar ganhou contra O Touro Enraivecido, Forrest Gump bateu Pulp Fiction, Titanic venceu L.A. Confidential – e a lista continua. A Academia escolhe quase sempre o filme mais conservador, consensual, confortável. De vez em quando gostam de mostrar que são capazes de escolhas relativamente inspiradas, mas é apenas fogo de vista. Nos últimos anos, a selecção do “melhor filme” parecia ter batido no fundo, com vencedores como Chicago, Uma Mente Brilhante, O Regresso do Rei, Gladiador… Por isso, julgo que foi uma surpresa para todos quando, em 2006, a selecção foi verdadeiramente boa. Os outros nomeados eram Munique, Capote e Boa Noite, e Boa Sorte. Nada mal. Havia, no entanto, um filme claramente inferior neste grupo – um filme com a subtileza e delicadeza de um elefante numa loja de porcelanas, um filme que se via bem mas que era uma espécie de “racismo explicado a crianças de dois anos” – e esse filme era Crash. Penso que a razão pela qual ninguém ainda esqueceu esta escolha da Academia foi por ter sido aquele o vencedor – se o excelente Munique ou o sólido Capote tivessem ganho, haveria alguns protestos, mas pouco depois seriam feitas as pazes com a Academia. Brokeback Mountain teria perdido para um bom filme. Assim, a Academia apenas renovou a sua tradição de premiar filmes medíocres.
Este ano nada disso aconteceu. De novo, tal como há dois anos, houve uma selecção bastante boa. Sim, eu prefiro Haverá Sangue, mas não posso disputar a escolha da Academia. Sou grande fã dos Coen e penso que é óptimo voltar a ver bons filmes com a sua assinatura, algo que não acontecia desde The Big Lebowski. Este País vinha com excelente buzz de Cannes, foi aplaudido pela crítica internacional e é uma adaptação de um livro de Cormac McCarthy. Tudo boas razões para esperar a estreia com imensa expectativa. McCarthy parecia uma excelente escolha – para além de ser, com Roth e Pynchon, um dos grandes escritores americanos contemporâneos, este seu livro assenta que nem uma luva ao cinema dos Coen. Este filme não destoa do que fizeram até agora: uma acção criminosa que corre mal e uma mala cheia de dinheiro como detonadores da acção – temas recorrentes – a personagem enigmática que incarna o mal absoluto, como a que encontrávamos, por exemplo, em Arizona Júnior… É um filme tenso e que não nos larga, nem durante o visionamento, nem muito tempo depois. Acho, no entanto, que a vitória era previsível. É que Este País é, de alguma forma, o mais tradicional dos dois filmes, o mais confortável – porque mais facilmente categorizável – para a Academia. Não concordo com aqueles que dizem que é o melhor Coen – antes há Barton Fink ou Fargo – e acho mesmo que muito do humor subversivo dos irmãos, apesar de não estar ausente, já não é tão sublinhado. Para além do mais, quando comparado com Haverá Sangue, vê-se como a sua estrutura é relativamente conservadora; talvez tenha menos falhas, mas também arrisca menos.
Haverá Sangue é um filme de proporções épicas. É ambicioso e excêntrico. É Griffith, é Stroheim, é de Mille. Mas, ao mesmo tempo, é um filme que, mais do que Este País, desafia géneros e convenções cinematográficas, com mudanças bruscas de estilo. E fá-lo com uma grande segurança. Por outro lado, consegue ser simultaneamente contemporâneo e intemporal. É intemporal enquanto épico, filiando-se nessa imagética do cinema mudo, assim como na delineação de um confronto, muito tradicional no cinema americano (e que nos remete para o western), entre o anti-herói e a sua némesis, entre Plainview e Eli Sunday (fantástico Paul Dano!) – apesar de, aqui, tudo ser ligeiramente distorcido. Conta a história da construção da fortuna de um magnata do petróleo, apelando à memória que temos, por exemplo, de Citizen Kane. Mas, se se pode situar este filme num cruzar de diversas correntes tradicionais do cinema americano, este é um filme do momento. A construção de uma América capitalista (porque é um filme sobre capitalismo), as fortunas feitas através das explorações petrolíferas e a manipulação que elas exercem sobre as populações, o poder persuasivo de evangélicos fraudulentos e sem escrúpulos, tudo isso pode ser visto como uma metáfora da América contemporânea, da América de Bush, Cheney e da guerra do Iraque.
Enquanto simples espectadora de cinema, gostei da selecção feita pela Academia este ano, gostei de ver os Coen reconhecidos e acho que Este País será lembrado como um dos melhores vencedores do Óscar de melhor filme. Mas acho injusto que Paul Thomas Anderson tenha saído de mãos vazias e que o seu filme tenha apenas ganho dois prémios. O tempo dirá qual deles resistirá melhor e se serão vistos ou não como clássicos daqui a umas décadas. Pessoalmente, acho que Haverá Sangue, tão atípico tanto na carreira de P.T. Anderson como enquanto objecto cinematográfico – e pelo simples facto de Este País ser um filme que os Coen já fizeram antes e provavelmente melhor – será, no futuro, umas das referências do cinema americano do início do nosso século. Veremos.
Maria Braun

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Les bourgeois c’est comme les cochons…


Les Bourgeois

Em Outubro comemora-se os 30 anos da morte de Jacques Brel. Como se precisássemos de razões para celebrar a sua carreira e colocar vídeos seus no blog… Pode parecer um sacrilégio escolher um com legendas em inglês, mas considerem esta acção como um favor a todos aqueles que não percebem francês, porque seria um pecado não compreender as fantásticas letras do grande Brel.

Maria Braun

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Óscares


Já é tarde para este breve comentário, mas, verdade seja dita, a cerimónia de entrega dos Óscares é aborrecida. Vale a pena ver como os amores impossíveis da existência estão vestidas e pouco mais. Não foi um verdadeiro espectáculo: não há surpresas, arrebatamento. Os discursos dos actores são os mesmos clichés todos os anos - os filmes fazem-nos sonhar e afins... E o Óscar para melhor actor ou actriz vai sempre para o desempenho que requer uma transfiguração, é certo. Apenas dois casos, e de actores de quem gosto. Quando Nicole Kidman ganhou o Óscar pela sua interpretação nas Horas, cometeu-se uma injustiça. Quem devia ter ganho era Julianne Moore pelo seu desempenho em Longe do Paraíso, que raiava a perfeição. Bem sou suspeito: adoro o filme e há muitas cenas em que se pode sublinhar afincadamente a beleza e a perfeição de Moore. Por exemplo, quando se despede de Dennis Haysbert à porta do cinema e lhe diz: "You are so beautiful."É certo que gosto de Kidman no papel de Woolf e que há também momentos marcantes. Contudo, se se fala de graça, então deve-se apontar o plano em que Moore e Haysbert estão no bosque e esta lhe pergunta se aquilo é um caminho. Ele responde-lhe que sim e ela diz-lhe qualquer coisa como "então vamos bisbilhotar." E apesar (também) do excelente desempenho de Hoffman em Capote - uma cena brilhante é aquela em que Capote chega à apresentação do livro e é fotografado nas escadas do edifício. É a pura soberba da fama que aí é capturada - o Óscar devia ter ido - escândalo! - para Ledger. Uma das cenas mais geniais de Brokeback Moutain é lá para o final do filme, em que Ledger está repostado numa cadeira a fumar. A sua respiração é é fumo e não ar, como se tivesse perdido a naturalidade da vida. É quase como uma pequena percepção do monte de destroços que é a vida daquele homem. Acho que este comentário pode gerar alguma controvérsia. Moral da história: faça um biopic e pode contar com um Óscar - é quase certo. Por fim, para quem tem que ver a cerimónia pela TVI (no cabo deve haver outras possibilidades), está sujeito aos comentadores de serviço, que se atropelam constantemente na leitura das fichas técnicas dos filmes e dão uns bitaites sobre o que se vai passando. Solução? Ver no dia a seguir. Não há comentários, não há intervalos e a coisa fica despachada.

K. Douglas

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Férias

O Norte cheira a lareira e vinho verde, à terra húmida do orvalho nocturno. As férias eram frias e chuvosas, constantes na procura do crepitar quente dos ramos de eucalipto. Mas lá fora tudo era uma aventura, saltar os penedos (“quem salta o mais alto?”), correr atrás dos animais, tentar sachar sem poder com a enxada. O espaço era imenso e os dias intermináveis. Só o escurecer nos conduzia à casa, talhada no granito austero, mais escura do que o próprio céu. No escano, uma mulher velha, um terço nas mãos, a cabeça a cair de sono. O gato ronronante roçando-se nas galochas enlameadas. O fogo estala. “Não brinques com o fogo que fazes chichi na cama!”. E a cama estava gelada e húmida, os cobertores cheiravam a mofo. Na parede, o estuque caía. Adormecia a olhar para ela, a tocar as irregularidades, a encher os dedos de pó. Evitava a janela. “À noite, tem cuidado. Vês aquelas luzes ali ao fundo? São as bruxas a dançar... se elas te virem, atiram-te com um pente.”. O silêncio trazia todas as vozes, o chão a estalar, o vento contra os vidros, os uivos do lobo lá longe mas que parecia tão próximo. Voltarei a acordar, Senhor?
Regresso ao sul na madrugada. Ainda o escuro lá fora e o reboliço cá dentro. Carregar o carro com as malas feitas. O pão duro e a tigela de leite servidos em camisa de dormir. A pele rugosa a revelar-se pelo decote recatado, os olhos fundos e cansados, submersos pela partida de um filho. O sono (ou a dor) enrouquecia-lhe a voz. “Ide com calma! Tenham cuidado com a estrada!”. As lágrimas pontoavam o adeus e a incerteza se, da próxima vez, todos ainda ali estariam. A partida sabia a sal.
Sally Bowles

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Um género de biografia (parte 2)

Não podia concordar mais com o que K. Douglas escreveu aqui sobre as colecções de discos. Como elas são biografias. Lembram-se como Rob, de Alta-Fidelidade, organizava os discos? Ele colocava-os pela ordem em que tinham sido comprados. Os álbuns contavam a história da sua vida, como tinha ido do músico A ao C, passando por B. A história do desenvolvimento do seu gosto pessoal, do seu crescimento, estava toda ali, naquela colecção.
Naturalmente, nem todos nós desenvolvemos a mesma relação obsessiva com os nossos discos. Mas é impossível não associar certos acontecimentos, pequenos momentos ou anos inteiros, a uma canção, um álbum, um músico. Há aquelas canções que são especiais porque parecem ter sido escritas especialmente para nós. Existem discos para certos momentos – nostálgicos, celebrativos, depressivos. Discos que nos trazem à memória pessoas especiais.
Uma vez organizei a minha playlist para tardes invernosas, cinzentas e chuvosas, que incluía Kings of Convenience, Rufus Wainwright, Divine Comedy ou Jay-Jay Johanson (dos tempos de Whiskey). No secundário, associava determinadas músicas a certas disciplinas – ouvia horas de Wagner enquanto preparava testes de Economia, ou a 5ª de Mahler para Filosofia. O próprio K. Douglas recebeu, em forma de disco, uma crónica do meu primeiro ano de liberdade absoluta – crónica que incluía canções que se ouviam nessa altura, dos Interpol aos Libertines, passando por Franz Ferdinand ou The Rakes.
É impossível olhar para os meus discos e não ver uma história completa por detrás de cada um deles. “Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia não há nada mais simples”.
Apesar de estarmos na época da música digital – eu própria tenho um iPod que muito estimo – nada pode competir com o objecto em si. Fazer downloads de música é como comprar livros online – é útil, prático, todos nós o fazemos, mas é um acto sem alma. Nada se compara ao entrar numa loja de discos, percorrer as prateleiras, tocar, olhar, admirar. Voltar para casa com um saco cheio de discos, uns comprados depois de longa reflexão, outros por impulso, colocá-los junto aos outros e, assim, juntar mais uma peça à construção da nossa história.
Maria Braun

sábado, 9 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A colecção de discos: um género de biografia




O último disco que comprei foi o Tigermilk dos Belle and Sebastian. Encontrei-o a 10 euros numa loja de discos em segunda mão. Como é mais ou menos regular (ou pelo menos já foi mais assim), esta loja encontra-se num centro comercial pequeno, cujo dourado nas paredes ainda reluz os anos oitenta. Assim, às vezes, quando estou na esplanada interior, os penteados e as roupas parecem recusar a forma actual. Há uma leve melancolia nas montras das lojas que anunciam promoções de roupa interior ou, então, na montra da loja de informática que acumula gadgets já pouco ou nada funcionais. A loja de discos tem uns quantos vinis colados na montra. São clássicos a dar para o óbvio: Beatles, Amália, um ou outro hit dos anos oitenta (pelos menos não há Bonnie Tyler, julgo), etc. Nada causa surpresa, um leve pulo. E a acontecer, logo seria refreado, pois o que está na montra não é para venda - só os discos no interior. Olhamos para eles e sabemos que não vale a pena o trabalho de os ver. O mau génio do dono da loja não se atreve a censurar o nosso desdém. No entanto, pode encontrar-se sempre alguma coisa que na altura não se comprou e que nunca se encontrou a um bom preço.

A minha colecção de discos é pequena. Há uns tempos atrás reparei que me faltam cerca de 20 discos para atingir um número redondo. Decidi então ir comprando os discos de que gosto muito, mas que não tenho. Não é uma regra rígida. Este fim-de-semana decidi dar uma nova arrumação aos discos e tentei uma arrumação por afinidades. Ao mesmo tempo, separei aqueles que me lembro ter comprado na dita loja. Não são maus discos, embora um ou outro tenha sido comprado porque que queria gastar dinheiro. Exemplo: o disco de covers de Joni Mitchell, editado em 2000. Apesar da soberba cover de si própria - Both Sides Now (uma canção de amor perfeita?) -, o disco não se livra da aura de canções para uma mulher solteira de 30 anos. Por outro lado, vi com nitidez que o primeiro disco que ali comprei foi o Dog Man Star. O sítio dos discos na vida não é apenas um só: desaparecem num sítio para aparecerem noutro. É  o caso de Tigermilk.. Dizer que a música pop está apegada à vida não é um mero cliché. A estante dos discos é um sinal inequívoco disso - remete sempre para algo diferente de si. Por isso é que às vezes se baralha tudo, pondo os discos ao calhas, ou então se arruma por ordem alfabética, o modo mais impessoal, objectivo, de todos.


K. Douglas