Há alguns dias, dei por mim a olhar para uma gravura do século XIX. Um homem na praia olha para a outra margem do rio, onde está uma pequena localidade que a legenda diz ser a minha terra natal. Ele tem os braços cruzados e uma canastra ao lado. Será um pescador? Creio que sim. A localidade vê-se ao fundo, reflectida nas águas calmas do rio, onde dois homens remam curvados. Dois edifícios confirmam a legenda. Reconheço-os pelos contornos mais do que pelos detalhes. Muito mudou...
E aquela luz... não, aquela não é a luz da minha terra. É plácida e rosada, como a de um pôr-do-sol outonal. É bela mas não a reconheço. São outros os tons que acompanham as minhas memórias.
O homem olha para uma cidade que não se move, sem pontes, distante de tudo e de todos. Não é esta a cidade para que hoje olho. Talvez saiba qual a perspectiva daquele homem, do outro lado do rio, perto da foz. Mas nunca olhei a cidade assim. Plácida e rosada, enquadrada com a serra ao fundo. Hoje a cidade tem pontes e está próxima. Demasiado próxima de tudo e de todos.
Sally Bowles