O clip que coloco com este texto é de um dos mais marcantes filmes britânicos dos inícios dos anos 60, A Taste of Honey, de Tony Richardson. É parte do realismo “kitchen sink” que marcou o cinema britânico dessa década, saído do British Free Cinema, a “nova vaga” desse país. Eu sou parcial porque adoro estes filmes. Porque este movimento nos deu A Kind of Loving, Saturday Night and Sunday Morning, This Sporting Life, Billy Liar, The Caretaker, The Loneliness of the Long Distance Runner, etc., etc… Deu-nos Albert Finney, Alan Bates, Tom Courtenay.
Na sua origem está a vaga documental de finais dos anos 50, preocupada em apresentar uma visão mais realista da working class, até aí praticamente ausente do cinema que se fazia no Reino Unido. Também deveu muito à geração dos “angry young men”, dramaturgos que agitaram as águas do teatro inglês nos finais dessa mesma década de 50, levando a working class para os palcos londrinos. Richardson, aliás, realizou a versão cinematográfica de Look Back in Anger de John Osborne, tendo também adaptado Alan Sillitoe (The Loneliness of the Long Distance Runner). A autora do argumento de A Taste of Honey, Shelagh Delaney, vem dessa mesma geração. Outros também fizeram a transição para o cinema – Pinter (que apesar de ter preocupações algo diferentes, partilhava com os outros “angry young men” locais e o interesse pela working class), por exemplo, é o autor do argumento de The Caretaker e é conhecido pelas colaborações com Losey nos anos 60, mais notavelmente com The Servant.
A Taste of Honey contém muitas das preocupações e temáticas que continuariam a ser exploradas nestes filmes: o estigma originado pela classe social e a quase impossibilidade de fugir a essa existência, a precariedade do emprego e a falta de meios económicos, a desestruturação familiar, a gravidez fora do casamento, a ausência de um lar estável, o alcoolismo e a ausência de parceiros permanentes, a discriminação racial, a perseguição e criminalização da homossexualidade … Em A Taste of Honey, Jo fica grávida após uma fugaz relação com um marinheiro negro que, apesar de gostar muito dela, tem de partir, sem saber em que situação a deixou. Jo não tem apoio familiar porque não tem família: não sabe quem é o seu pai e a mãe nunca se responsabilizou verdadeiramente por ela, passando o tempo nos pubs, fugindo de casas que alugava e para as quais não tinha o dinheiro da renda. É na figura do seu melhor amigo, um jovem homossexual, expulso do quarto onde vivia devido à sua orientação sexual, que Jo vai encontrar o seu apoio. Eles vão formar uma família improvisada mas bem mais unida que muitas famílias tradicionais. Uma família que, se conseguir sobreviver após o nascimento da criança, será constituída por uma jovem mãe solteira, um “pai” homossexual e uma criança mestiça. Infelizmente, nem tudo vai terminar da melhor forma, graças à mãe de Jo.
Rita Tushingham e Murray Melvin ganharam os prémios de melhor actriz e de melhor actor em Cannes, com as suas tocantes interpretações de Jo e Geoff. Alguém teve o bom gosto de colocar no YouTube um momento intensíssimo do filme, um momento em que as dúvidas assombram a nossa Jo e em que ela acaba por quebrar.
Maria Braun