sábado, 22 de dezembro de 2007

Serão

Também gosto da parafernália natalícia. Desdenho dos galos da autenticidade e a desejar alguma coisa, desejo justiça, no sentido mais amplo que a palavra possa comportar. Infelizmente, a palavra é pouco usada nos léxicos do quotidiano e, quando usada, parece ser sinónimo de castigo institucionalizado. Léxicos do quotidiano? Ou é Manuel Machadez ou... bem, não interessa. A propósito, os Gato Fedorento foram-se embora. Fizeram um manguito à Fame, Fame, Fatal fame, o que, diga-se, foi um acto anti-rock. Ou foram muito mais espertos e asseguraram a sua permanência, sem terem que fazer o quarto ou quinto disco, onde as bandas, em geral, começam a tropeçar. De todos os modos ou de nenhum, é pena. O serão de Domingo estava feito: a noite começava com pseudo-Maquiavel para suburbanos ou provincianos que acham que o pragmatismo é a forma de saber e ganhar as coisas boas da existência. Seguia-se o dito magazine.  Às vezes era parvo e tonto. É verdade, nem sempre tinha graça... A noite terminava com Conta-me como foi que, nos últimos episódios, anda a mostrar as elegantes pernas de Rita Brütt. Não sei se é assim que se escreve. Boas Festas!
K. Douglas.
P.S.- Luís Pedro Nunes tem ar de quê? Envie um mail com a sua resposta.

Winter Wonderland


Bing Crosby e Marjorie Reynolds em Holiday Inn

Gosto do kitsch natalício. Gosto das luzes, das lojas decoradas e do consumismo desenfreado que ignora o verdadeiro sentido da quadra, i.e., os presentes. Gosto do tédio do Natal em família. Gosto das canções. Certo ano, num destes últimos Natais, estava eu a preparar um trabalho e ia, carregada de livros, sentar-me nos cafés, onde era capaz de passar tardes inteiras, lendo e protegendo-me do frio com cappuccinos, ou chá, ou chocolate quente. Como pano de fundo, nessas escuras e curtas tardes, tinha as canções de Natal. A tarde toda. Pela primeira vez, apercebi-me do número infindável de canções que celebram esta quadra e o que poderia parecer um cenário infernal tornou-se numa interessante experiência. Uma após outra, eram todas diferentes. São, agora, indissociáveis desse delicioso Dezembro. São indissociáveis do ringue de patinagem no gelo da Somerset House, do carrossel de Covent Garden, das gulosas montras do Fortnum & Mason ou da nossa festa de Natal num apartamento da margem sul.
Sim, algumas destas canções são pirosas, mas não aceito que digam mal delas. Porque são nostálgicas e fazem parte do meu Natal perfeito.
Tenham um Natal feliz.

Maria Braun

sábado, 15 de dezembro de 2007

Él tema de nuestro tiempo - Sócrates y Gasset.

Parece que o nosso primeiro-ministro - Avé! - gosta de Ortega y Gasset. Perguntamo-nos o que extrairá o nosso encantador, charmoso, primeiro-ministro dos textos de Gasset. Por exemplo, ao ler Historia como sistema, nomeadamente aqueles parágrafos em que se diz que a partir da nossa circunstância devemos criar novos sistemas políticos, pois já fomos feudais, absolutos, liberais, etc. Será que Sócrates, convencido que, afinal, não é uma coisa, mas um existente e, por isso, uma história, uma forma de narrativa, pondera um sistema político para o futuro? Será que são estas ideias que estão implícitas nos seus discursos? Será que os clichés do movimento, do olhar para a frente, da construção, etc., etc., se fundamentam na leitura de Gasset? Ou será todo um projecto para as calendas gregas? Talvez Sócrates goste da limpidez, do entusiasmo, se assim se pode dizer, de Gasset na crítica que faz à ontologia tradicional. Porém, suspeitamos que Sócrates fique em frente ao seu grande e largo espelho e repita "Yo soy yo y mi circunstância." O que significa: "Soy muy rico y muy bello."Em último caso, esperemos que sim, pois não queremos que o nosso hermoso primeiro-ministro deixe de ser, precisamente, o tema do nosso tempo.
K. Douglas

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Um prémio merecido

Como foi noticiado, Norman Mailer ganhou, recentemente, com a sua última obra, The Castle in Forest, o prémio Bad Sex in Fiction Award, o qual premeia, todos os anos, a pior descrição literária de uma relação sexual. Considero injusto não se contemplar também o que por aqui se faz de melhor, ou de pior, como preferir. Afinal, neste assunto, não há nada como a língua de Camões. Senão, vejamos:
“E iniciava então, com apressada lentidão, esta verdadeira tocata e fuga de Bach dos Genitais que era a sua homenagem carinhosamente impetuosa ao membro viril de Tito, o qual saltava como um espadarte de prata apanhado por um anzol esperto e enérgico, os lábios de Sally. O ruivo anarconiilista bem tentara, numa dessas experiências inolvidáveis, cronometrar quanto tempo durava exactamente a cerimónia toda, desde o início até à apoteose líquida final, ao clímax gritado de olhos fechados, mas depressa constatara que o sublime, tanto na música como no sexo, não pode ser rigorosamente quantificado, pois logra condensar o eterno no instante, o imenso no detalhe e o infinito na mera molécula.”
In João Medina, Os Náufragos do Mar da Palha, Lisboa, Livros Horizonte, 2006, pp. 289-290.
Esta passagem, sim, é que é o sublime do reles! E tal não pode ser quantificado, não senhor! Repare no insólito das metáforas (Bach dos Genitais?!) e em toda a imagem perturbadora do espadarte, sobretudo para quem gosta de peixe. Qual Garganta Funda, qual quê?! O autor merecia um doutoramento honoris causa em ordinarice!
E com esta me fico. Boas leituras!Sally Bowles

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Imitação de Vida




Foi Woody Allen que disse, em Maridos e Mulheres, “life does not imitate art, it imitates bad television”. Na verdade, por vezes, a “má televisão” tem como modelo o bom cinema. A que propósito vem isto? A propósito dos filmes que Douglas Sirk, realizador alemão de origens dinamarquesas, concebeu nos seus anos em Hollywood, filmes que se enquadram num género melodramático, no qual se encontram as raízes das modernas telenovelas. No entanto, os filmes de Sirk atingem, por vezes, a perfeição absoluta. É o caso de Imitação de Vida (1959), o último dos filmes americanos de Sirk, em re-estreia em Portugal esta semana.
Descobri Sirk há alguns anos quando, naquela idade adolescente em que se toma aquilo que os nossos role models dizem como se fosse algo de indiscutível e sagrado, três dos meus realizadores de eleição citavam Sirk como influência determinante no seu próprio estilo. Falo de Fassbinder, Almodóvar e Todd Haynes. Tenho de lhes agradecer o fascínio da descoberta desses melodramas lacrimejantes, exagerados e muito, muito mais subtis e inteligentemente estruturados do que a crítica que lhes era contemporânea alguma vez percebeu.
Imitação de Vida é, aparentemente, uma história de mães e filhas, de conflitos geracionais moldados pelo tradicional “filme de mulheres” de Hollywood. Claro que, conhecendo-se Sirk e o seu sempre mencionado uso de espelhos e superfícies, o espectador sabe que o filme é muito mais do que isso. Aparentemente, é um filme para as donas de casa da classe média americana dos anos 50; aparentemente, é sobre os custos familiares e emocionais que uma mulher paga por optar por uma carreira, em vez de dar atenção à sua filha em crescimento e à sua própria vida sentimental; aparentemente, o centro do filme é ocupado por Lana Turner e Sandra Dee; aparentemente, o conflito entre a criada e a sua filha espelha o primeiro conflito. Claro que isto é apenas a superfície – palavra central, repetimos, quando se fala de Sirk. Somos levados a pensar que a história do filme é sobre a actriz em ascensão – e depois em pleno sucesso – interpretada por Turner. Esse centro seria, se assim fosse, um vazio completo. Lora Meredith é quase um arquétipo, é distante, sempre acompanhada por uma palete de azuis, de tons tão frios como a própria personagem. Como até o mais ingénuo iniciado no cinema do realizador sabe, o uso das cores é um dos aspectos centrais em Sirk; eles tornam explícito o tom emocional da personagem, os seus sentimentos reprimidos, o seu estado interior – não é preciso explicá-lo, o espectador sabe-o pelos jogos de luz e cores. Contraste-se os tons de Turner com as cores que rodeiam a criada Annie e a sua filha Sarah Jane, com os vermelhos, com as cores quentes. Estas são personagem que vivem, que vibram, que têm emoções reais e dolorosas, tão longe dos conflitos esquemáticos de Turner/Dee. Lora é o falso centro; se quiséssemos exagerar, diríamos que ela é o “macguffin”.
Os problemas de Annie e Sarah Jane não saem de um qualquer padrão pré-definido e estereotipado pelos dramas femininos, eles são demasiado reais. É este par de mãe e filha que preenche o aparente vazio emocional do filme e é com elas que Sirk subverte e supera as convenções do género, abrindo-as a um mundo muito mais complexo. Elas tornam-se, ainda que subtilmente, na verdadeira história, apesar de Sarah Jane ser, de alguma forma, um espelho de Lora. Annie é a criada negra de Lora, que esta vê como uma verdadeira amiga, já que juntas partem do nada e superaram todos os obstáculos. Sarah Jane é a jovem de pele clara, que vê a sua tonalidade como forma de ultrapassar os limites impostos pela sociedade, pois todos a vêem como branca – até descobrirem que a sua mãe é negra.
Sirk introduz através destas personagens o problema do racismo, de uma forma surpreendentemente intensa para um filme americano dos anos 50. O que o torna ainda mais intenso e insuportavelmente doloroso é a forma como este racismo aparece a dois níveis. O primeiro nível, o mais óbvio, através das provações de Sarah Jane, do seu inconformismo e desespero que a levam a renegar a sua mãe, como única forma de conseguir alguma coisa da sua vida – e, assim, sucumbindo ao aparente, à superfície, tão dolorosamente sublinhado no momento em que Annie põe a filha frente ao espelho, querendo que ela olhe para além do que vê nele. O segundo é mais escondido, mais insinuado. Lora, centrada em si e não vendo mais nada para além de si própria, é amiga de Annie. Não sabe, no entanto, nada sobre ela; o espectador pergunta até que ponto esta amizade é real, até que ponto não é apenas um reflexo dessa personalidade obcecada consigo mesma de Lora. Há aquela cena difícil e constrangedora em que Lora descobre que Annie tem amigos e vida para além daquela casa. Ela não sabia – “you never asked”, diz-lhe Annie. As duas amigas tinham partido juntas do nada – Lora triunfa e enriquece, Annie será sempre a criada.
Os filmes de Sirk não são realistas, há uma artificialidade assumida pelo realizador. Mas também não são apenas filmes manipuladores e decorativos para donas de casa. São abertamente sentimentais e melodramáticos, provocando um distanciamento e ao mesmo tempo um envolvimento (porque um exige o outro) no espectador. Aqui Sirk revela toda a sua influência brechtiana – ele encenou Brecht na Alemanha e foi muito influenciado pelo dramaturgo – de distanciamento e alienação, de teatralidade. Esta é uma das pontes de ligação com Fassbinder, para além da outra ainda mais óbvia – a força das personagens femininas. Foi, aliás, Fassbinder que sublinhou – e estou a parafrasear – como as mulheres de Sirk eram únicas no cinema americano de então, pois agiam e não se limitavam a reagir. Estas mulheres pensam e ultrapassam aquele estatuto tão típico de objecto decorativo. A tal ligação a Almodóvar e Haynes vê-se também aqui.
Quanto a este último, gostaria de deixar aqui uma nota ou duas. Todos sabem que Far From Heaven, de Haynes, referencia directamente um outro filme de Sirk, All That Heaven Allows. Até o casaco do jardineiro interpretado por Dennis Haysbert é igual ao que Rock Hudson usava no filme de Sirk. Haynes disse, na altura, que queria retomar os temas que estavam subentendidos nos filmes de Sirk e trazê-los à superfície, torná-los explícitos e abordá-los como uma audiência contemporânea esperava que fossem abordados. Referia-se, sobretudo, a dois temas – a homossexualidade e o racismo. De facto, o filme de Haynes lembra-nos por vezes Imitação de Vida, sobretudo naquela bondade e decência irrealista que Raymond Deagan partilha com Annie Johnson – o jardineiro e a criada negra são personagens que se sacrificam, como símbolo de tudo o que é verdadeiro num mundo de máscaras. O filme de Haynes também é um filme sobre a capacidade de ver para além da superfície – tal como o anterior, Velvet Goldmine, que ia buscar o mestre do disfarce e da máscara, Oscar Wilde, para falar sobre identidades e duplos.
Vejam Imitação de Vida. Nem que seja pela beleza das cores (tão belas quanto estas, só as de Imperatriz Yang Kwei-Fei de Mizoguchi) ou pela cena final com a enorme e fabulosa Mahalia Jackson, verdadeira rainha do gospel. Dia 13 de Dezembro, no cinema.

Maria Braun

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Assim começa a temporada



Inicia-se a temporada de prémios de cinema nos Estados Unidos com o anúncio do National Board of Review. No Country for Old Men, dos irmãos Coen, confirma o favoritismo que já há algum tempo lhe tem sido apontado e é considerado o melhor filme do ano. Na lista dos 10 melhores estão ainda, por ordem alfabética, The Assassination Of Jesse James By The Coward Robert Ford, Atonement, The Bourne Ultimatum, The Bucket List, Into The Wild, Juno, The Kite Runner, Lars And The Real Girl, Michael Clayton e Sweeney Todd. O prémio de melhor realizador foi para Tim Burton (Sweeney Todd), o de melhor actor para George Clooney (Michael Clayton) e o de melhor actriz para Julie Christie (Away From Her, que foi lançado em Portugal directamente em DVD, não se percebe bem porquê). O Escafandro e a Borboleta, injustamente insultado pela crítica portuguesa, ganhou melhor filme estrangeiro. Os secundários foram para Casey Affleck (Jesse James) e Amy Ryan (Gone Baby Gone). Os irmãos Affleck parecem estar em maré de sorte, já que, para além de Casey, também Ben ganhou um prémio, o de estreia em realização por Gone Baby Gone.
São indicadores para os Óscares do próximo ano, mas apenas isso. No ano passado, por exemplo, Mirren e Whitaker venceram nas categorias de interpretação, mas o melhor filme foi para Cartas de Iwo Jima; há dois anos, o vencedor foi Good Night, and Good Luck.
Vamos começar a fazer apostas?

Maria Braun

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Rufus! Does Judy!


Rufus Wainwright no London Palladium

São hoje lançados o CD e o DVD com o tributo de Rufus Wainwright a Judy Garland, a recriação do mítico concerto de 1961 no Carnegie Hall. O CD foi gravado nessa mesma sala nova-iorquina, o DVD no London Palladium. Fica um aperitivo.

Maria Braun

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Jantar com José Rodrigues dos Santos

Certa vez apanhei um táxi. O condutor estava a ouvir a Renascença (introduzir expressões a gosto de leitor) e António Sala (introduzir novas expressões) entrevistava José Rodrigues dos Santos sobre o seu último romance, Sétimo Selo. O momento derradeiro da entrevista foi quando Sala quis provar de forma inequívoca a existência de Deus, coisa que me escuso de reproduzir, pois foi ridículo, obtuso e adjectivos que o leitor, também aqui, pode introduzir. Isto é um post interactivo. Justamente, mais ou menos ao mesmo tempo, a Bertrand comemorava o seu aniversário e oferecia um jantar com o escritor preferido dos leitores. Neste caso, José Rodrigues dos Santos. Coisa curiosa, muito curiosa. A primeira impressão é: não há mais escritores? A segunda: as funcionárias da administração pública devem andar loucas, em ebulição. Só estariam mais loucas se a Difel lhes desse um jantar com Isabel Allende. Terceira: o sacrifício de José Rodrigues dos Santos, esquecido imediatamente pelo dinheiro posto ao bolso. Sabe-se lá quem vai aparecer à frente do senhor. Bem, fiquemos com uma funcionária pública. Vai chegar à repartição com o cabelo arranjado e vai repetir que quando sair vai andar numa roda viva para escolher o que vai vestir. Agora surge uma outra pergunta: qual o restaurante? Agradável, mais ou menos selecto? É capaz. O pivot vai recebê-la com a cortesia que o protocolo exige. Vão escolher o vinho e ela vai dizer, tímida, que é um prazer estar ali e que leu todos os seus romances desde a Filha do capitão. Imediatamente a seguir, já com alguma confiança ganha: "Ai, aquele Almerindo desalmado! Estas coisas ainda acontecem em Portugal, que horror! O Miguel Sousa Tavares, também gosto muito dele, tinha toda a razão: em Portugal não se gosta de ser livre." O outro assente. Poderia problematizar a coisa, mas não lhe apetece. Pergunta por coisas que ela gosta de ler e a resposta é rápida: "Detesto o Saramago, aquele homem não usa vírgulas. Gosto de poesia  e de algum teatro... e gosto muito de si e daquela cena de sexo do Codex. Dito isto e sabendo que JRS confidenciou ao público, há alguns anos atrás, que conseguia abanar as orelhas, será que ela lhe vai pedir semelhante coisa? Será que amanhã, a Madalena, da secretária ao lado, vai ficar estarrecida quando a outra lhe disser: "Ele abanou a orelha só para mim." Mas a pergunta derradeira é: quer mesmo ir jantar com José Rodrigues dos Santos?
K. Douglas

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No cinema: Hot Fuzz




Depois da desilusão que foi o lançamento directo em DVD de Shaun of the Dead, uma das nossas distribuidoras decidiu redimir-se e exibir o novo projecto da dupla Edgar Wright – Simon Pegg nas salas de cinema.
O que dizer de Hot Fuzz? Depois do efeito- novidade que foi Shaun of the Dead, desilude um pouco. É, no entanto, uma divertida comédia, bastante acima da média dos filmes deste género que conseguem ser distribuídos por cá. E para os que cresceram com um sério vício por comédias inglesas e se lembram de Pegg em Hippies, Big Train ou, mais recentemente, Spaced, é sempre um prazer vê-lo em acção (para além de se poder jogar ao “spot the comedian” com praticamente todo o elenco secundário). Seria, mesmo, um grande filme se perdesse cerca de 30 minutos. As duas horas de duração começam a pesar com cenas que se arrastam mais do que deviam, sobretudo no quarto final, para além da óbvia necessidade de um trabalho de montagem menos indulgente. Por vezes torna-se mesmo repetitivo e fastidioso, sobretudo para um público que aprecie mais o conceito que enforma esta comédia ou mesmo a ideia de comédia em si, do que o oco cinema de acção muito americano que este Hot Fuzz parodia.
Esse é outro ponto que merece atenção. O facto deste filme ser vendido como uma comédia pode levar o espectador mais incauto a um verdadeiro choque. É explicitamente – e por vezes caricaturalmente – violento. Hot Fuzz não brinca com os filmes de acção como se estes fossem um género inferior. Há aqui, tal como na personagem Danny, um genuíno carinho por aquele género. Consegue aquele equilíbrio entre a sátira e o respeito, por vezes difícil de alcançar, por um determinado género cinematográfico. Os seus lugares-comuns estão todos lá. Há violência gratuita, longos tiroteios, perseguições, explosões, aqueles ditos-que-pretendem-ser-inspirados-mas-são-constrangedoramente-pirosos, até uma relação com claros contornos homoeróticos entre os dois “buddies” interpretados por Pegg e Nick Frost.
A diferença está no local onde tudo se passa. Esta é a piada estruturante do filme. O cenário não é uma metrópole, mas uma pequena aldeia inglesa onde, aparentemente, os grandes problemas são a fuga do cisne do castelo ou um idoso que corta sebes que não lhe pertencem. Claro que, como numa história de Agatha Christie, todos têm algo a esconder. Uma pacata aldeia, repetente no título de melhor aldeia de Inglaterra e orgulhosa desse estatuto, transforma-se numa espécie de Bronx. Aqui, até o padre ou a directora da escola estão armados até aos dentes e participam no grande tiroteio final. Ao escolher este cenário, o humor do filme alarga-se e, para além de parodiar o cinema de acção, transforma-se numa sátira à mentalidade de pequena terra, com os seus preconceitos e conservadorismo, tornando-o num produto distintamente britânico. A piada é levada ao ponto do absurdo, mas não é isso que o prejudica, muito pelo contrário. É um dos aspectos mais divertidos do filme. O que prejudica é o facto de parecer acabar várias vezes antes da verdadeira conclusão e cada um dos finais consecutivos ser mais incongruente do que o anterior. Nem sempre no bom sentido. Essa construção faz parte do humor do filme, mas não é completamente conseguida.
O veredicto? A ideia central é bastante boa, a concretização é desequilibrada. Os ingleses já há muito nos habituaram a interpretações sólidas e este filme não é excepção. Com um excelente elenco secundário que conta com Jim Broadbent, Billie Whitelaw, Paddy Considine ou Timothy Dalton, os actores não forçam a piada, deixam-na fluir. Por vezes, o humor é muito mais atmosférico do que de graça imediata e identificável e isso beneficia o filme. Um trabalho mais apurado da tesoura e estaríamos perante uma verdadeira gema.


Maria Braun

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Be a confuser

Eram três da tarde. O céu estava limpo e o vento soprava forte de quadrante este. Humidade relativa, risco de precipitação nas próximas 24 horas. Olhos da estrada e Art Sullivan no auto-rádio, ela seguia rumo ao Sul. Haviam combinado encontrar-se no quilómetro 140 da Nacional. Era a meio caminho de casa. Seguia relutante mas ansiosa. Ao longe, lá estava ele, dentro do seu fato tweed, elegante, riscas azuis finas, riscas vermelhas mais largas, ele gosta de riscas. A cartola púrpura, sempre púrpura como um cardeal.
- Vieste tarde.
- Eu sei... Encontrei um engarrafamento em Alcácer. Um acidente... Cegonhas, muitas cegonhas, raio das cegonhas!
- Prefiro patos.
- Eu sou mais periquitos. Trouxeste?
- É claro.
Ele estendeu o pacote. Os seus dedos gordos e luzidios tocavam-no como a um corpo morto. Sentia o sangue a pulsar nas veias de emoção.
- Cola-Cao!
- Como combinámos. Mas tem cuidado. Já vi muitos perderem-se por isso. A Lola foi parar ao veterinário, lembras-te?
- Era Nesquick, meu caro. Só Nesquick.
Já não tinham mais nada para dizer um ao outro, o tempo parecia estar a mudar. E as cegonhas... podiam vir as cegonhas! Ela entrou no carro e fez-se à estrada. Aconchegou o pacote no cobertor do Mickey. Os pelos de gato não lhe iriam fazer mal e assim ficava mais quente.
Faltava pouco para chegar quando viu o carro. Era a polícia.
- Merda!
Poderia fugir, poderia carregar no acelerador e fugir. Mas não. Fugir para onde, com a Marateca ali tão perto? Mandou-a encostar. Ela obedeceu, submissa.
- Boa tarde, minha senhora!
- Boa tarde!
- Faça o favor de me apresentar o seu Platão.
- O meu Platão?!
- Sim, minha senhora.
- Mas só tenho aqui o meu Parménides.
- Não aceitamos pré-socráticos desde Outubro.
- Aristóteles?
- Só a norte do Tejo, minha senhora.
- Mas senhor guarda... Deixe-me cá ver – nervosamente, ela revolvia o porta-luvas. Luvas, luvas, umas chaves, luvas, mais luvas, uma sombrinha de cocktail, luvas, a pastilha de morango que não via desde a semana passada, doce pastinha, como me lembro dela, céus! – E a Anita?
- A Anita?! Mmmm. Assim o caso muda de figura. Deixe-me cá ver – ele abriu o livro sem cerimónia – Muito bem. E foi a Helsínquia...
- Com o chiwawa.
- Eles crescem depressa, não é verdade?
- E como!
- O meu já tem cinco anos. Ora bem, a senhora pode prosseguir. Não vou registar a ocorrência.
- Obrigada, senhor guarda! Adoro a sua écharpe.
- Hoje acordei um pouco pálido, sabe? Então boa tarde!
- Até qualquer dia.
Respirou fundo de alívio. Ainda não foi hoje, o seu segredo estava bem guardado. Podia voltar a casa antes do chá.

To be continued

Sally Bowles

domingo, 25 de novembro de 2007

Petiscou?

Este blog não é uma espécie de nada. Sim, temos que os referir porque eles são bons, ainda que um pouco, um poucachinho, tontos. Ora aí está! São bons porque sabem como os portuguesinhos valentes são. Desde o chico-esperto ao doutor, passando pelos servis, como por exemplo a maluca de capachinho que serve cafés na pastelaria pseudo-finória aqui do bairro: "Oh, D. Constança quer que aqueça o seu leitinho, quer? E o maridozinho, o doutor, tem passado bem?" Até pode ser que a Constança, um dia, vinda de Paris, esteja no café a dar conta das suas deambulações e o nosso amigo exclame: "Aiii, Parriiis! Também já lá estive. Um sonho! Um sonho!". Mas deixando isto, o que os gatos mostram é que para além das circunstâncias em que queremos catrapiscar (tanto pode ser a Maria, como uma atençãozinha ou emprego jeitoso) também somos ridículos naquelas em que reclamamos. O célebre "Falam, falam e não fazem nada" é a prova contundente. O português quando reclama dá-se ares, tem uma certa pose de quem está com a verdadinha do seu lado e por isso repete o "tás a compreender" em cada frase simples ou o "pronto". Pronto, gostamos muito da terrinha, já dizia o Joaquim de Carvalho que de História ou de Antropologia não percebia nada - além de apreciar o Júlio Dantas (pum!) - mas lia Heidegger e aplicou o método fenomenológico à saudade, em dois textos que não valem um calé furado. Saudadinhas da casinha, da terrinha, do pãozinho duro, do cavaquinho riquinho da alma de muita gente, enfim deste portugal que é um cantinho do Céu. Sorte é termos um gilinho que é um grande pensador e que é capaz de fazer disto uma cidade "inteligeennnte", com choques de opiniões, de fluxos e sabemos lá que mais. Senão, senhores leitores isto era tudo muito mau, muito mau. Petisque, se ainda não o fez.
K. Douglas

sábado, 24 de novembro de 2007

Kitty Kat

Monty Python, Confuse-a-Cat

Apresentando o purgatório como vida quotidiana

Acabou de aceder ao nosso blog, não é? Olhe, é melhor não! Esqueça, vá fazer algo de realmente produtivo. O Sócrates ficaria orgulhoso de si... Contribua para o PIB e deixe-se dessas coisas. No entanto, se quiser mesmo continuar a ler, prometemos tornar a sua vida num purgatório. Não tão tortuoso como um romance da Agustina. Somos bem mais perigosos do que ela; tratamos a existência por tu e não precisamos de citar constantemente Byron. Está confuso? OK, qual foi a parte do nome do nosso blog que não percebeu?
Até um próximo post.


Maria Braun
Sally Bowles
K. Douglas