Não sou uma leitora de metro. Sempre achei que ler no metro tinha um quê de frustrante – no momento em que começamos a entrar no livro, em que a leitura se torna mais fluida depois daquelas primeiras linhas em que tentamos recordar o que tínhamos lido no dia anterior, somos interrompidos pelo abrir das portas, emergimos da leitura para voltar a respirar o quotidiano, rendidos às obrigações da vida (in)útil.
Por outro lado, é sempre com curiosidade que tento vislumbrar o que os meus companheiros involuntários de viagem estão a ler. Posso até tentar um levantamento estatístico. Diria que quase 80% dos leitores de metro se rendem à leitura de periódicos e, nesta categoria, os grandes vencedores são os diários gratuitos. Ao português nunca custou sacrificar a cabeça à carteira. Seguem-se os jornais desportivos (sobretudo à segunda-feira) e os grandes clássicos da “imprensa cor-de-rosa”: a Maria, pelo seu formato maneirinho, faz grande sucesso entre a tripulação metropolitana. Dos restantes 20%, uma boa parte dedica-se à “literatura light”, enquadrando-se nesta categoria não apenas os apelidados “romances femininos” mas também os cada vez mais omnipresentes romances históricos para idiotas com predilecção por teorias de conspiração envolvendo o Vaticano, a Maçonaria, os templários e o José Cid. Restam os livros técnicos e científicos, lidos nervosamente por aqueles a quem não basta a jornada diária de trabalho. Podemos ainda generalizar uma última categoria com a designação de “outros”, a qual engloba aquilo que é a “literatura-literatura”.
Não, não pretendo tirar conclusões sobre o estado da cultura do povo português através desta amostra. A minha intenção é outra: definir o que é um bom livro de metro. Sim, porque eu sou da opinião de que se deveria tentar uma nova categorização da literatura, tendo em conta não a sua forma, ou conteúdo, ou fim mas sim o espaço de leitura. Aliás, se eu tivesse uma livraria iria dividi-la em secções baseadas no princípio “livros para ler em...”. Nas estantes, suceder-se-iam categorias como: sofá, cama, praia, jardim, cozinha, casa-de-banho...
Então, o que é um bom livro para ler no metro? Adianto aqui alguns princípios básicos:
1. Não ser muito pesado – para o bem da coluna do leitor que terá de transportá-lo durante todo o dia.
2. Não ser muito suspeito – há sempre alguém a espreitar por cima do nosso ombro, por isso, evite Henry Miller (sim, isto também é para ti, K.).
3. Não ter parágrafos muito longos – não se esqueça que poderá ser obrigado a sair, deixando um parágrafo a meio (Lobo Antunes não é uma boa literatura de metro).
4. Não ser muito polémico – arrisca-se a uma “conversa de metro” indesejável.
5. Cuidado com a capa – mantenha as aparências!
De resto, algumas dicas para os leitores de metro. Primeiro, não se esqueça que um livro numa língua estrangeira dá sempre um ar cosmopolita e erudito. Para os leitores-macho, aconselho poesia pois faz sempre sucesso entre as viajantes-fêmea. Porém, atenção ao autor, pois poderá atrair outro género de viajantes.
Por mim, vou continuar a não levar nenhum livro para ler no metro. Espreitar por cima dos ombros alheios é sempre mais divertido.
Sally Bowles
Por outro lado, é sempre com curiosidade que tento vislumbrar o que os meus companheiros involuntários de viagem estão a ler. Posso até tentar um levantamento estatístico. Diria que quase 80% dos leitores de metro se rendem à leitura de periódicos e, nesta categoria, os grandes vencedores são os diários gratuitos. Ao português nunca custou sacrificar a cabeça à carteira. Seguem-se os jornais desportivos (sobretudo à segunda-feira) e os grandes clássicos da “imprensa cor-de-rosa”: a Maria, pelo seu formato maneirinho, faz grande sucesso entre a tripulação metropolitana. Dos restantes 20%, uma boa parte dedica-se à “literatura light”, enquadrando-se nesta categoria não apenas os apelidados “romances femininos” mas também os cada vez mais omnipresentes romances históricos para idiotas com predilecção por teorias de conspiração envolvendo o Vaticano, a Maçonaria, os templários e o José Cid. Restam os livros técnicos e científicos, lidos nervosamente por aqueles a quem não basta a jornada diária de trabalho. Podemos ainda generalizar uma última categoria com a designação de “outros”, a qual engloba aquilo que é a “literatura-literatura”.
Não, não pretendo tirar conclusões sobre o estado da cultura do povo português através desta amostra. A minha intenção é outra: definir o que é um bom livro de metro. Sim, porque eu sou da opinião de que se deveria tentar uma nova categorização da literatura, tendo em conta não a sua forma, ou conteúdo, ou fim mas sim o espaço de leitura. Aliás, se eu tivesse uma livraria iria dividi-la em secções baseadas no princípio “livros para ler em...”. Nas estantes, suceder-se-iam categorias como: sofá, cama, praia, jardim, cozinha, casa-de-banho...
Então, o que é um bom livro para ler no metro? Adianto aqui alguns princípios básicos:
1. Não ser muito pesado – para o bem da coluna do leitor que terá de transportá-lo durante todo o dia.
2. Não ser muito suspeito – há sempre alguém a espreitar por cima do nosso ombro, por isso, evite Henry Miller (sim, isto também é para ti, K.).
3. Não ter parágrafos muito longos – não se esqueça que poderá ser obrigado a sair, deixando um parágrafo a meio (Lobo Antunes não é uma boa literatura de metro).
4. Não ser muito polémico – arrisca-se a uma “conversa de metro” indesejável.
5. Cuidado com a capa – mantenha as aparências!
De resto, algumas dicas para os leitores de metro. Primeiro, não se esqueça que um livro numa língua estrangeira dá sempre um ar cosmopolita e erudito. Para os leitores-macho, aconselho poesia pois faz sempre sucesso entre as viajantes-fêmea. Porém, atenção ao autor, pois poderá atrair outro género de viajantes.
Por mim, vou continuar a não levar nenhum livro para ler no metro. Espreitar por cima dos ombros alheios é sempre mais divertido.
Sally Bowles