quarta-feira, 18 de junho de 2008

(In)Culturas

Depois de uma longa ausência, resolvi voltar ao activo, talvez porque a chegada do calor desperta aquela sensação de tédio e de longas tardes de ócio, mesmo quando há muito trabalho pela frente. Entre crises económicas e Europeu de futebol, os jornais continuam mais preocupados com faits divers e vendettas pessoais do que com uma análise séria do que se passa no país. As três personagens centrais no nosso panorama político são as menos inspiradoras que se possa imaginar e levam-nos a perguntar onde se encontra o nosso Obama. Há uma absoluta falta de ideias e não parece que isso vá mudar, se olharmos bem para as novas gerações do panorama político. Uma situação saudável, portanto.
Falemos de um dos problemas: a educação. Penso que Sally, no texto anterior, tocou com o dedo na ferida. Há uma desvalorização contínua e socialmente aceite de uma educação de nível superior em Portugal. Conjugam-se más políticas educativas e um mercado de emprego limitador e de vistas curtas.
Primeiro problema: falta de interesse. Quando entraram os fundos europeus em Portugal, em épocas de cavaquismo, fez-se o mais criminoso desperdício de dinheiro possível. A Irlanda, por exemplo, investiu na formação dos seus cidadãos. Hoje, atribuem o seu rápido desenvolvimento a uma escolha acertada em altura de fazer investimentos. Portugal – ou melhor, Cavaco – gastou tudo em betão. Não se apostou na população. Não se apostou numa formação que hoje faria toda a diferença. Não se tentou mudar as estruturas que permitiriam um verdadeiro desenvolvimento. Não, antes desvaloriza-se qualquer interesse que se possa ter numa formação sólida, achando que a Universidade só serve para formar “gestores” (que raio de curso é Gestão, afinal?) ou informáticos. Por isso é que, neste país, “intelectual” é uma palavra feia. Ser-se inteligente, culto, educado, é insultar o português médio.
Esse é outro dos problemas: a visão distorcida do papel da educação. Ouvi, há tempos, uma discussão sobre “se vale a pena apostar num curso universitário”, sobre “empregabilidade”, sobre a escolha do curso certo, isto é, aquele que é útil porque dá emprego. Estas conversas deprimem-me imensamente. Para já, pensa-se que a Universidade é um centro de emprego. Pois bem, não é. Nem deve ser. A Universidade é um centro de saber e deveria ter como objectivo “formar”, no sentido mais lato que a palavra possa ter. Um licenciado teria, num mundo ideal, um sólido grau cultural e a capacidade de raciocínio independente, dados por uma boa formação. É óbvio que não é assim, infelizmente. Todos os que passaram pela universidade pública nos últimos anos o sabem. Aposta-se na mediania, na mercantilização do “canudo”. No poder dizer “o meu filho é dôtor”, mesmo que seja licenciado por uma privada de vão de escada.
As conversas utilitárias não ajudam. Se o objectivo é apenas um emprego, porque não ir para o ensino profissional? É para isso que ele serve. Também é óptimo – e muito importante – que se aposte em áreas científicas. Mas é só isso que interessa? E o resto? Como as outras áreas não são relevantes, são secundarizadas, mesmo a um nível de formação básica. Mesmo que se queira incentivar os portugueses a estudar áreas científicas a um nível universitário, não podem ser descuradas as outras áreas nas escolas básicas e secundárias. Já sabemos que a cultura não é importante para os políticos actuais, mas que cidadãos é que estamos a formar nas nossas escolas, se não houver uma aposta no ensino da Filosofia, da Literatura, das Línguas Clássicas, de outras línguas estrangeiras que não apenas o inglês? Em França, por exemplo, os alunos do ensino obrigatório estudam não só literatura francesa, mas também obras fundamentais de outras literaturas – os textos homéricos, por exemplo. Em Portugal, retiraram Camões do 9º ano porque, claro, os alunos portugueses são estúpidos e só conseguem aprender a sua língua com textos “jornalísticos”, aliás todos muito bem escritos, como sabemos.
Vejo amigos e conhecidos germânicos e comparo currículos. Para além de todos eles – a amostra é pequena, eu sei, mas mesmo assim significativa – terem formação musical, todos estudaram também Latim na escola. No ensino português só pode estudar Latim quem vai para Humanidades no secundário. No meu caso, por exemplo, como não escolhi Humanidades, estudei Latim por iniciativa própria quando fui para a Universidade. Escusado será dizer que me fez não só reaprender como também perceber muito melhor a estrutura gramatical portuguesa.
Consequência? A maioria dos alunos que chega às universidades tem capacidade de memorização mas não a maleabilidade de um pensamento crítico que só alguém com uma certa bagagem cultural consegue ter. Perdeu-se qualquer tipo de noção romântica da importância do desenvolvimento intelectual. Eles são a consequência de anos de más políticas de ensino, conjugadas com a má formação estrutural da sociedade portuguesa.
Outro problema: as limitações no mercado de trabalho que não são contrariadas pelo discurso do governo. Há aquele hábito terrível de culpabilizar o aluno por escolher o curso errado. Pergunto-me, então, porque é que em países como o Reino Unido ou a Alemanha há uma alta absorção de licenciados em, digamos, Ciências Sociais, inclusivamente por grandes empresas, e em Portugal esses licenciados são vistos como um empecilho? Sally falou de História – em Inglaterra é um curso valorizado. Vistas curtas dos nossos empregadores, sem dúvida, que não percebem o valor que pode ter o empregar licenciados com uma grande variedade de formações, para além da visão global que alguém de Ciências Sociais tem e que um “gestor” nunca poderá ter. Pior ainda – pessoas ligadas ao governo validam esta posição, ajudando a perpetuar o problema.
Portugal sempre teve um baixo nível educacional que nem a escolaridade obrigatória consegue combater. É estrutural. Uma mudança radical que vá às raízes da questão é uma das chaves na luta contra alguns dos maiores problemas que Portugal enfrenta. Eu sei que não estou a dizer nada de novo, mas se não se faz absolutamente nada para melhorar a situação, se não se tenta alterar verdadeiramente as estruturas, então não será um gasto desnecessário de espaço o continuar a bater nesta tecla.
Maria Braun