domingo, 22 de junho de 2008

Acasos

No Outono de 2004 vi, no London Film Festival, um curto mas impressionante filme japonês. A escolha do filme não correspondeu a nenhum critério específico. Era domingo, queríamos ir ao festival e, bem vistas as coisas, Waterloo ficava a dois passos do apartamento. Vimos quais as películas a projectar nesse dia e escolhemos a que nos pareceu mais interessante. Lição desta história? Por vezes, os filmes de que mais gostamos são fruto do acaso, são surpresas. Normalmente, quando vou ao cinema, os filmes são escolhidos a dedo. Mas, neste caso, não sabia absolutamente nada. Não conhecia o realizador nem os actores. Não sabia qual o tema. Resultado? O filme não me deixou durante dias e dias.
Nunca estreou em Portugal nem existe por cá em DVD. Chama-se Tony Takitani e é uma história sobre solidão. E roupas. É sombrio e onírico ao mesmo tempo. Não gosto, normalmente, de contar as histórias dos filmes, com medo de os estragar a quem ainda não os viu, mas vou abrir uma excepção neste caso. Prometo não contar o fim… Tony Takitani viveu sempre só – criança solitária, adulto solitário, dedica-se ao desenho mas, mesmo enquanto estudante, não se relaciona com o humano, não veicula nem compreende as emoções. Torna-se um mestre no desenho de máquinas, bem sucedido e muito bem pago. Um dia, por fim, casa-se. Mas há uma sombra a pairar sobre este casamento. A sua mulher tem o vício de comprar roupas caras. Enquanto solteira, quase todo o seu salário servia para encher o guarda-roupa. Agora, que passou a ficar em casa, o marido ficou com os encargos financeiros. O vício da mulher aflige Tony, não tanto pelo dinheiro, mas pelo medo que sente, pela primeira vez, de ficar sozinho. A solidão era normal para ele quando não conhecia outra realidade. Agora que sabe o que é ter uma verdadeira família, Tony percebe como a sua existência fora solitária e não quer voltar ao ponto de partida. A sua mulher, por outro lado, apesar de perceber que afecta o marido com as suas compras compulsivas, não consegue evitá-las. Ela tem o seu próprio vazio e precisa, a todo o custo, de preenchê-lo. Se querem saber como tudo acaba, têm de ver o filme.
Este filme mistura muitas influências, de Yasujiro Ozu a Vertigo de Hitchcock. Apesar disso, é verdadeiramente original e único, um perfeito alien. Hoje sinto-me muito contente por, naquele domingo, termos escolhido um desconhecido filme japonês, só pela vontade de ir ao cinema.
Maria Braun