segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

3, 2, 1

Vamos trincar as passas, meu amor,
E crer que tudo vai correr bem.
Depois beberemos,
Sôfregos,
Até esquecermos o futuro.
B. Parker

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal!



Maria Braun

sábado, 22 de dezembro de 2012

Top 10 de 2012


Como sempre, estes foram filmes que vi este ano, independentemente de terem ou não estreado em Portugal. Esta lista pode ser alterada até ao fim do ano porque ainda não vi Life of Pi nem The Master.
Amour, de Michael Haneke
Tabu, de Miguel Gomes
Shame, de Steve McQueen
Holy Motors, de Leos Carax
Le Havre, de Aki Kaurismaki
Beasts of the Southern Wild, de Benh Zeitlin
Moonrise Kingdom, de Wes Anderson
Era Uma Vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
Take Shelter, de Jeff Nichols
Looper, de Rian Johnson
 
 
Surpresa do Ano: Skyfall
Desilusão do Ano: Dark Shadows
 
 
Maria Braun

2012 na tela

Depois de muita ponderação (o difícil não foi tanto escolher os 10, mas sim ordená-los), aqui fica o meu top 10 de filmes do ano. Há uma omnipresença da infância, admito. Mas lidera o top o outro extremo da vida.
Sem mais:

1. Amor, Michael Haneke
2. Beasts of the Southern Wild, Benh Zeitlin (ante-estreia no Lisbon & Estoril Film Festival)
3. Moonrise Kingdom, Wes Anderson
4. Tabu, Miguel Gomes
5. Oslo, 31 de Agosto, Joachim Trier
6. O Meu Maior Desejo, Hirokazu Korreda
7. Nana, Valérie Massadan
8. Galinha com Ameixas, Marjane Satrapi
9. Procurem Abrigo, Jeff Nichols
10. Le Havre, Aki Kaurismaki

Sally Bowles

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Músicas de 2012

Prometo publicar o meu top 10 dos filmes do ano, embora ainda não tenha visto tudo o queria. Entretanto, no que diz respeito a música, estou como o K; não ouvi muitos álbuns novos. Deixo aqui, no entanto, duas canções que saíram este ano e que têm estado em rotação no ipod.







Maria Braun

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Uma playlist para 2012



St. Vincent - "Cheerleader"
Bat For Lashes - "Laura"
Cat Power - "Manhattan"
Michael Kiwanuka - "Home Again"
Alabama Shakes - "Hold On"
Beach House - "Lazuli"
Magnetic Fields - "Andrew In Drag"
Twin Shadow - "Five Seconds"
The Walkmen - "Heaven"
Chromatics - "Kill For Love"
Grizzly Bear - "Yet Again"

(Ouvir em modo aleatório)

Sally Bowles

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Alguns discos de 2012




Não ouvi coisas novas em 2012. Essencialmente ouvi os discos de bandas que venho acompanhando nos últimos anos. Assim, não tenho nada de especial para dizer e tomo nota de alguns desses discos. 
O primeiro disco que ouvi de 2012 foi o Attack on Memory dos Cloud Nothings. No Future / No Past parecia marcar a tonalidade do ano e agora, que está a acabar, isso parece-me fazer algum sentido. A Primavera trouxe Bloom dos Beach House, que acho sobrevalorizado. Aqui fica Lazuli, o primeiro single do disco, se não estou enganado. Um dos discos pelo qual mais esperei foi o Heaven dos The Walkmen e cada minuto valeu a pena. Não é o melhor disco da banda, mas é um óptimo disco, cheio de grandes canções, e que tem a capacidade de ir mostrando o seu brilho ao longo do tempo. Deixo aqui The Witch, uma das minhas preferidas, e The Love You Love. Heaven é muito provavelmente o meu terceiro disco do ano. O primeiro é Clear Moon de Mount Eerie. Sempre introspectivo, Phil Elverum apresenta canções que dão vontade de fazer uma trouxa de roupa e partir para uma cabana na serra da Gardunha e ver naves espaciais. Como sempre, há qualquer coisa de Twin Peaks nos discos de Elverum, melhor, de Badalamenti. O Verão trouxe Gossamer, o novo dos Passion Pit. É um disco muito imediato, com põe uma pessoa a dançar enquanto Michael Angelakos canta as suas dores, mas que se pode gastar - como disco - ao fim de algum tempo. Ainda assim, sublinho as óptimas canções, como Take a Walk ou It's Not My Fault, I'm Happy. Os Grizzly Bear lançaram Shields, um disco sobre o qual a minha opinião não está fechada. No entanto, acho que Yet Again é talvez a canção do ano. Por fim, acabo com uma "velha". Em Setembro, saiu Sun, o último disco de Cat Power. Há coisas que não mudam. Manhattan é a prova disso.

K. Douglas

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Listas

Há as telefónicas, as de compras, as do Pai Natal...
Mas deixemos São Nicolau de lado e apelemos aos santos da casa.
Dezembro é mês de listas e está na hora de escolhermos os melhores de 2013.
Melhores filmes, melhores livros, melhores álbuns, melhores fatos da Angela Merkel... o que o gosto de cada um ditar.
Combinado? Ao teclado, camaradas blogueiros!

Sally Bowles

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Top 11 da Sight & Sound

Hoje têm direito a mais um post. Com uns dias de atraso, estes são os melhores do ano de acordo com a revista britânica Sight & Sound.
 
1. The Master (Paul Thomas Anderson)
2. Tabu (Miguel Gomes)
3. Amour (Michael Haneke)
4. Holy Motors (Leos Carax)
=5. Beasts of the Southern Wild (Benh Zeitlin)
=5. Berberian Sound Studio (Peter Strickland)
7.  Moonrise Kingdom (Wes Anderson)
=8.  Beyond the Hills (Cristian Mungiu)
=8.  Cosmopolis (David Cronenberg)
=8.  Once Upon a Time in Anatolia (Nuri Bilge Ceylan)
=8.  This Is Not a Film (Jafar Panahi, Mojtaba Mirtahmaseb)

Maria Braun

NYFCC

Depois de mais de dois meses de especulação, os primeiros prémios da temporada estão aí. Estes foram os vencedores dos prémios do círculo de críticos de Nova Iorque. Amanhã são anunciados os National Board of Review e sexta os vencedores do círculo de críticos de Los Angeles.
 
Best Film: Zero Dark Thirty
Best Director: Kathryn Bigelow, Zero Dark Thirty
Best Actress: Rachel Weisz, Deep Blue Sea
Best Actor: Daniel Day-Lewis, Lincoln
Best Supporting Actress: Sally Field, Lincoln
Best Supporting Actor: Matthew McConaughey, Bernie e Magic Mike
Best Screenplay: Tony Kushner, Lincoln
Best Cinematography: Greig Fraser, Zero Dark Thirty
Best Foreign Language Film: Michael Haneke, Amour
Best First Film: David France, How To Survive a Plague
Best Nonfiction Film: Ken Burns, Sarah Burns, David McMahon, The Central Park Five
Best Animated Film: Frankenweenie
 
 
Maria Braun

sábado, 1 de dezembro de 2012

No Ipod


Fui buscar Kimono My House à prateleira depois de muito tempo. Demasiado tempo. Continua fantástico.
 


Maria Braun

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um Homem Sério

Há uma primeira vez para tudo. Há duas semanas vi um filme de James Bond no cinema. Algo que nunca pensei que alguma vez fosse acontecer. Contexto: quando tinha 11 ou 12 anos vi muitos 007 na televisão – inclusivamente todos os com Sean Connery – até chegar à conclusão que a história era basicamente sempre a mesma. Além do mais, à medida que entrava na adolescência, o sexismo destes filmes começou a ser cada vez mais óbvio. Roger Moore também contribuiu para a minha desistência porque tudo me parecia ligeiramente ridículo. Bond acabou por se tornar, então, sinónimo de filme que se via ao Domingo à tarde na televisão, quando não havia mais nada para fazer, não o tipo de filme que me faria deslocar ao cinema. Não sou, em suma, grande fã da série. No entanto, fui ver Skyfall quando estreou. Tantos cinéfilos e críticos a gritarem que este é um dos melhores Bond de sempre (se não o melhor). Um 81 no Metacritic. Sabem que mais? Gostei.
Não sei se é o melhor Bond – Goldfinger tem um lugar especial na minha memória – mas está no topo. A combinação de talento neste filme torná-lo-ia, se fosse outra coisa que não Bond, num projecto de prestígio: realizado por Sam Mendes, com um argumento de John Logan, com um elenco que inclui Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes e Albert Finney. Muitos produtores sonham com uma combinação destas. Além disso, é mais uma prova que Roger Deakins é um dos melhores directores de fotografia da actualidade e um dos mais roubados pela Academia de Hollywood (9 nomeações, nenhuma vitória).
Skyfall funciona por vários motivos. Em primeiro lugar, Sam Mendes, que se soube rodear das pessoas certas para os lugares certos. Em segundo, as interpretações, sobretudo do trio principal (Craig, Dench e Bardem). Judi Dench finalmente tem algo para fazer nesta série e Bardem cria um dos melhores “Bond villains”. Funciona, também, porque as motivações do vilão fazem sentido. Não é um megalómano que quer conquistar o mundo ou algo no género, é alguém com uma vendetta pessoal com alguma lógica. As engenhocas que desafiam qualquer credibilidade também estão ausentes – este é um 007 mais austero, onde Q (o sempre bem-vindo Ben Whishaw) apenas entrega ao agente uma arma e um rádio. Além disso, como já mencionado acima, a fotografia é fabulosa, com pontos altos nas sequências de Xangai e da Escócia.
Muitos críticos apontaram como ponto alto a corajosa introdução de Silva (Bardem) – corajosa porque é um filme com uma audiência essencialmente masculina – e a tensão que essa sequência estabelece entre Silva e Bond. Essa cena é sobre poder acima de tudo, é uma tentativa de intimidação, não uma expressão de atracção física. O vilão de sexualidade duvidosa é uma “trope” mais que gasta (e profundamente ofensiva), mas que não incomoda tanto neste caso, até porque o ponto de mais interesse é a própria reacção de Bond (“what makes you think this was my first time?”). Não deixa de ser interessante, como já muitos notaram, que é com o vilão que existe maior química. As “Bond girls” não são particularmente interessantes e uma delas é completamente descartável na própria história. No entanto, se não evoluímos muito neste aspecto, o sexismo casual é contrabalançado por M. De novo citando o que outros já disseram: M é a verdadeira “Bond girl” (woman?) desta história. É com ela que 007 tem uma ligação emocional mais forte, claramente com contornos edipianos; é a complicada relação entre os dois que se torna o centro do filme. M como figura materna e Bond a tentar procurar o seu lugar num mundo que o parece estar a deixar para trás é, também, transposição de uma outra relação, a dos agentes dos serviços secretos britânicos com o seu país e, sobretudo, com o alterar e ajustar do seu papel no mundo (como se vê na sequência em que M cita Lord Tennyson).
O que mais me surpreendeu foi a existência de verdadeira emoção no filme, incluindo uma viagem ao passado de Bond e à história da sua família. Ele é enriquecido enquanto personagem e humanizado, não o suficiente ainda para se tornar tão interessante quanto, por exemplo, George Smiley (falando como fangirl de Tinker Tailor), mas é um passo no caminho certo. Parece indicar que a série e os seus produtores perceberam (percepção que remonta à própria escolha de Craig para o papel) que Bond estava datado e não apelaria a uma geração habituada a Bourne ou aos Batman de Nolan; era preciso uma regeneração, gravitas, maior seriedade. O que o filme consegue, do meu ponto de vista, é balançar essa seriedade com a manutenção de alguns aspectos tradicionais da série, de forma a agradar aos fãs do “velho” Bond que procuram escapismo na sua forma pura. Toda a sequência do casino é “velho” Bond.
Skyfall não me converteu numa fã da série (nem acho que isso acontecerá), mas tornou-me optimista em relação ao futuro de 007. Este filme pode ser definido como “entretenimento de qualidade” e é uma excelente forma de ocupar umas horas. Acho que não podemos pedir mais do que isto.

Maria Braun

domingo, 18 de novembro de 2012

De olhos vermelhos...


Revi Donnie Darko.
Um coelho a anunciar o fim do mundo. Nunca pensei que isso me soasse familiar.
Sally Bowles

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Como lutar?

Não estive presente na manifestação de quarta-feira. Passei o dia numa busca angustiada de emprego e comecei a trabalhar num call center onde faço entrevistas telefónicas. Não tenho um vencimento base - ganho consoante o número de entrevistas validadas. Ou seja, aquelas que são feitas mas que não se enquadram nos critérios definidos não valem nada. O regime de trabalho é por prestações de serviços. No meu primeiro dia de trabalho ganhei aproximadamente 4 euros. 

A primeira coisa que gostaria de expressar é o meu asco pelas palavras do primeiro-ministro. E o meu asco é extensível à sua pessoa e ao seu governo. A segunda coisa é a capacidade destas criaturas em desviar a atenção de uma greve geral para uma situação de arremesso de pedras por parte de um grupo isolado de pessoas e que se tornou o assunto da jornada. Como é óbvio, a intervenção da polícia foi completamente desmedida. As imagens, através de várias fontes, mostram um grupo de pessoas a lançar pedras, na frente da manifestação. Retirar esses elementos não devia ser difícil, tanto mais que estavam isolados. Não. A ordem foi: aguentem para depois terem justificação para aquilo que vão fazer. E assim foi: bateram, perseguiram, indiscriminadamente.

Apesar de ser contra a violência destes manifestantes, não consigo deixar de sentir uma certa empatia por eles. Este é um assunto complexo porque puxa imediatamente várias perguntas e as respostas não são cabais. É certo, eu não sei quais são os motivos que os levam a lançar pedras. Também se pode perguntar pela possibilidade de haver agentes infiltrados no meio destas pessoas. E dado o ministro da administração interna que ocupa o lugar, tal possibilidade não se assume como absurda ( dizem que este é um psd diferente, mas não é difícil detectar continuidades entre Dias Loureiro e Macedo). No entanto, se algumas das pessoas que atiraram pedras o fizeram por sentirem que não têm para onde se virar, então eu não as condeno moralmente. Já no que diz respeito ao resultado da noite, poderia dizer que acabaram por fazer um favor a este governo (se assim merece ser nomeado).

Mas é tempo das pessoas perceberem a diferença entre aquilo que vêem e aquilo que lhes é dito por este governo e pela comunicação social. E é tempo de olharem para o caminho que o país está a fazer e para o que se pode avistar no horizonte. E não, não é um céu pouco nublado. É bastante negro. Por isso, devemos pensar em que lado estamos e como podemos lutar para poder sobreviver. Não sinto embaraço em dizer sobreviver porque, no meu caso, é disto que se trata, apesar de querer mais do que isso. Quero um emprego decente, porra! Onde entre para trabalhar e saia com a recompensa do valor do meu trabalho para poder pagar renda, contas e comida.

Por isso, estou em guerra com este governo. Quero estas criaturas na Nova Zelândia. Não quero ver vídeos que ofendem o meu gosto em ser português para que os alemães saibam como vivo e para darem o voto à chanceler para que ela continue com a mesma política. Quero um governo com capacidade de negociação, com capacidade de marcar uma posição - dizer à troika: meus senhores, isto não funciona. Não quer estar na mão de fanáticos e da sua asquerosa agenda ideológica. Por isso, a minha pergunta e um dos meus esforços doravante é: como é que eu luto, sem atirar pedras? É que eu ainda vou trabalhar para não conseguir sobreviver. Até um dia. Porque a história vai bater à porta destas pessoas.

K. Douglas




terça-feira, 13 de novembro de 2012

Confusos?




Tudo o que há para saber sobre gatos e não só em Weird Book Room

Sally Bowles

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Pouca terra

Proust (novamente ele, é verdade!) tinha uma receita curiosa para as insónias. E não era contar carneiros. Quando não conseguia dormir, entretinha-se a ler o horário dos comboios, imaginando os enredos que se escondiam por detrás dos insípidos nomes das localidades da província. Li este fait-divers no divertido livro de Alain Botton, Como Proust pode mudar a sua vida, cuja leitura aconselho vivamente.
Hoje, ao olhar para os horários da CP, lembrei-me do autor de À la recherche, eu própria à recherche de um comboio para Tomar. Fazendo a pesquisa no sítio da CP, no separador "Horários e preços", e seleccionando na caixa "Origem" a opção "Lisboa-Oriente", as hipóteses que surgem em "Destino" são numerosas e algumas até algo insondáveis. Abrantes, Abrunhosa, Ademia...
Ademia. O leitor conhece? Eu não.
O que sabe Google sobre Ademia? Primeiro, fica confuso. Julga que eu quero dizer "academia". Não podias estar mais enganado, querido Google. É mesmo Ademia.
Fico a saber que há uma Associação Desportiva e Cultural da Adémia. Creio que não é o que estou à procura. Um acento a mais. Ademia é também um nome feminino. Talvez para pais que ansiavam por um rapaz. Há uma Ademia de Cima (possivelmente também haverá uma Ademia de Baixo - qual das duas tem um terminal ferroviário?) e um Centro Social da Ademia que conta com muitos anos de experiência e uma elevada qualidade na área de IPSS. Ademia já tem, não um parque infantil, mas uma equipa de basebol e uma escola do 1º Ciclo.
Talvez Ademia seja realmente Adémia. O sítio "Memória Portuguesa" informa que Adémia é uma aldeia da freguesia de Trouxemil, no concelho de Coimbra, e que, de facto, está dividia em dois lugares, os tais de Cima e de Baixo. Tem ermida, capela, cemitério. De Adémia não há fotos. Resta-nos a imaginação.
Em Adémia talvez exista uma D. Maria. É certo que há Donas Marias em todas as aldeias portuguesas. Sozinha numa casa de pedra, a recordar-se dos filhos emigrados em Paris da França enquanto arranja umas couves. Adémia fora uma bonita rapariga e partira o coração a muitos rapazes quando nos bailes rodopiava os cabelos e a saia. Mas foi o seu coração que se partiu por um magala da cidade que casou com a Sãozinha de Alvalade. Maria bem tentou amarrar o destino do magala ao seu com a ajuda da D. Lurdes das mezinhas. Mas ele só tinha olhos para a lambisgóia...
[Bocejo] Bem, o Proust lá tinha razão. Isto dá cá um sono.

Maria (a Braun, não a D. Maria), eu sei que este post pode parecer completamente despropositado, mas partilho contigo a alegria pelos resultados das eleições norte-americanas. Obama na Casa Branca e Mitt Romney, quiçá... em Adémia. Porque não, Sr. Pastor? Gozar a velhice pacatamente numa aldeia pitoresca longe de tudo, longe do mundo.

Sally Bowles

I'm a very happy bunny today




Maria Braun

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Não há lugar para neutralidades nesta luta


Nos últimos tempos tenho regressado bastantes vezes a esta canção. Talvez tenha ouvido mais a versão (alterada) de Billy Bragg, mas a minha versão preferida continua a ser a de Pete Seeger. Fiquem com Which Side Are You On, um dos frutos das amargas batalhas de mineiros nos Estados Unidos dos inícios dos anos 30.



Maria Braun

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Textos velhos? No dia de hoje? Bem, não é pior que o novo orçamento aprovado.

The Gentleman, Buffy, Hush (s04e11)

Desde há uns anos atrás, o dia das Bruxas passou a significar alguma coisa. Até então, era um dia como o outro. E também não tinha, como não tenho, qualquer familiaridade com o dia de Finados. Lembro-me de um ano, em que estava com uns amigos num ponto alto da cidade que tinha vista para o cemitério. Viam-se centenas de velas acesas, de cor vermelha, que alumiavam todo o sítio da colina. Cool! Deixemos os 14 anos e vamos ao que interessa. Depois dos textos da Sally e da Maria, ambos de horror, achei que seria engraçado refazer um texto velhote sobre a Buffy.

A primeira coisa que reparei na Buffy, quando comecei a rever a série numa idade já adulta, é que ela é tremendamente sexy. A segunda coisa é o génio da série. Bem sei que os vampiros estão na moda e consomem muitos adolescentes. Mas não acredito que tenham um quarto do quilate de Buffy. Aliás, mesmo que Buffy seja um teen show, escapa constantemente e instala-se naquilo a que se chama a deselegante vida dos adultos, roubando um verso a Mistaken for Strangers dos National. Por outro lado, e para acabar com as sagas dos últimos anos, duvido que sejam extraordinariamente bem escritas, duvido que tenham a capacidade de condensar humor, drama, acção, aura mitológica e efeitos especiais baratos de forma tão eficaz.

No início, uma das ideias que forma Buffy é a seguinte: under the High School is hell's mouth. Haverá verdade maior do que esta na adolescência? A sensação do corredor da escola secundária que cresce sem qualquer respeito por leis de tempo e de movimento é assim tão estranha? Pela minha parte, não. É certo que a boca do inferno está mais que tapada. Os issues da nossa deselegante vida adulta são económicos e políticos. O vilão-mor responde pelo nome de desemprego, que transformou as ofertas existentes de emprego em simulacros ocos. São eles que temos que enfrentar e não só neste dia das bruxas.

A partir desta premissa aparecem os monstros dos grupos, do que se veste, da alienação e, claro está, os vampiros. Se os primeiros representam episódios comuns da escola secundária e, por isso, aproximam a heroína de nós, os vampiros acrescentam-lhe a dimensão, o halo mítico. Afinal, "em cada geração há uma escolhida. Sozinha, ela enfrentará os vampiros, os demónios e as forças do mal". E com isto, o desejo de ser uma rapariga normal de dezasseis anos e de mandar o destino à fava. Coisa que não pode mudar: ela é a rapariga da profecia. E a profecia diz que Buffy irá enfrentar o mestre (o vampiro-mor) e morrerá. No episódio sabemos que isso acontecerá amanhã (o fim do mundo na Buffy é sempre hoje à noite ou amanhã – o que tem um efeito cómico excelente, especialmente se ela tem um date marcado para essa data).

A reacção tem o seu momento nesta line: "Gilles, I am sixteen, I don't wanna die." Este é um exemplo das muitas lines que se podem saber de cor da Buffy, como quem sabe lines de filmes clássicos de Hollywood. Esta referência não é avessa. Buffy fica muito bem na fotografia ao lado de diálogos de muitas comédias clássicas. Lines como: "I may be dead, but i'm still pretty" ou " I think I got his attention" ou ainda "Hallo lover" têm que permancer na história da televisão. Mas Buffy não se faz apenas do vigor dos diálogos. Wheedon é um grande contador de histórias, misturando géneros. Um dos episódios mais incríveis é Hush, quando os moradores da cidade, tal como numa história de encantar, são enfeitiçados e perdem a voz. The Gentleman são monstros dos contos de fadas que roubam as vozes dos habitantes de uma cidade para que não possam gritar enquanto eles roubam os corações das pessoas. Eles precisam de sete. Nada os poderá deter, a não ser o grito da princesa. Resumi a apresentação de Gilles feita em acetatos e que é um dos momentos brilhantes da série. 


Outro episódio genial é quando Buffy (na segunda temporada), depois de uma reviravolta na história, tem que arranjar forças para combater o poderoso e antigo demónio que Spike e Druzila trouxeram de novo à vida e que nenhuma arma no mundo conseguiu destruir. Para problemas antigos, soluções modernas e... simples: uma bazuca. O cómico alia-se à tensão de toda a cena, à fúria, à dor e ao poder de Buffy - tão bem mostrados pelo movimento da câmara -, gerando no espectador uma sensação de grande prazer.

Um dos grandes trunfos de Buffy é o facto de mostrar pessoas a terem que enfrentar demónios que muitas vezes são a representação de issues, de problemas que têm que se resolver. Logo no princípio da segunda temporada, Buffy tem que lidar as mazelas que o mestre deixou na sua vida e fá-lo em grande, partindo os ossos do vampiro com um marretão enorme. Talvez ela seja a caçadora das caçadoras (falta-me ver a sexta e a sétima temporada), mas as suas vitórias não são fáceis. Mas mesmo nos momentos de angústia onde Buffy tem que se encontrar consigo e crescer como slayer, há espaço para os vampiros brindarem à invenção mais diabólica da humanidade: a produção em série. As suas dores de crescimento são um dos motivos da quinta temporada onde tem que lidar com a morte (num episódio que está ao nível de Six Feet Under), com uma inimiga invencível e com o seu dom como caçadora. 

Termino com uma grande vontade de rever muitos destes episódios. Seria um bom programa para a noite de hoje. Mas creio que o meu horror será outro: enviar currículos para não ter resposta. 


K. Douglas



A Sweet Transvestite from Transsexual Transylvania


Mais um post dentro do tema Halloween. Desculpa, Sally, baixar o tom depois do teu texto. Um dos meus maiores guilty pleasures do cinema é o musical de culto The Rocky Horror Picture Show. É trashy e camp e extremamente divertido. Não é um “bom” filme pelos padrões habituais, nem nada que se pareça. Querem que seja sincera? I couldn’t care less. Por vezes o bom gosto pode ser um espartilho.
É um filme que tenho visto muitas vezes ao longo dos anos mas que, ultimamente, associo a um dos Halloweens passados em Inglaterra, vendo Rocky Horror com vários outros estudantes – é, sem dúvida, um filme para ver em grupo. O que não significa que tenha a intenção de ir a uma sessão da meia-noite, isso já é demais.
Peço desculpa pela qualidade do vídeo, mas é muito difícil encontrar embeddable clips deste filme, sobretudo no YouTube. O enquadramento está péssimo, com a parte de baixo da imagem cortada, o que torna a cena um pouco desequilibrada. Trabalhamos com o que temos. Aqui fica a introdução de Dr. Frank-N-Furter em Sweet Transvestite.
 



Maria Braun

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O rapto da Europa



"Se olharmos para a União Europeia como a solução para tudo, entoando «Europa» como um mantra, agitando a bandeira da «Europa» perante os heréticos «nacionalistas» recalcitrantes e gritando «Abjura, abjura!», um dia acordaremos e dar-nos-emos conta de que, longe de ter resolvido os problemas do nosso continente, o mito da «Europa» se tornou um impedimento para que os identifiquemos. Descobriremos que ela se tornou pouco mais do que uma forma politicamente correta de esconder dificuldades locais, como se a mera invocação da promessa de Europa pudesse substituir a solução de problemas e crises que afetam realmente o lugar. Poucos quereriam negar a existência ontológica da Europa, por assim dizer. E alguma vantagem egoísta em falar dela como se já existisse num sentido mais forte, coletivo - o desejo pode realmente ajudar a gerar o pensamento, e já o fez em grande parte. Mas há coisas que não pode fazer, há problemas que não pode resolver. A «Europa» é mais do que uma noção geográfica mas menos do que uma resposta."
Tony Judt, Uma grande ilusão? Um ensaio sobre a Europa, Lisboa, Edições 70, 2012.


Estas palavras de Tony Judt têm já perto de vinte anos. Em Maio de 1995, data em que o historiador inglês proferiu uma série de palestras no Johns Hopkins Center, em Bolonha, a Europa que lhes serviu de mote era outra - a dos 15, ainda na ressaca do Tratado de Maastricht e sendo o Euro apenas um projecto. Judt tentava então vislumbrar um futuro para uma Europa que, já cronologicamente distante dos anos do pós-guerra que a inspiraram, parecia cada vez mais heterogénea social, económica e politicamente. As discrepâncias entre o Norte e o Sul eram já evidentes e adivinhava-se que uma abertura a Leste agudizaria as clivagens no seu interior. A Alemanha afirmava-se progressivamente como a potência hegemónica na União Europeia face a uma França incapaz de a acompanhar. Previa Judt:

"Doravante, a Europa será dominada pela Alemanha de uma de três maneiras possíveis: a Europa Ocidental original (pré 1989), mas sob liderança alemã - que seria a preferência relutante da maioria dos políticos franceses e mediterrânico-europeus; a Europa Central pró-alemã, com a Alemanha a desempenhar um papel benigno numa União alargada que a atual liderança concebeu; a Europa Central antialemã, com a Alemanha a ser considerada pelos seus vizinhos a sul e a leste mais como um fardo e uma ameaça do que um benefício. Estas duas últimas podem muito bem acabar por se tornar na mesma [...]"

O futuro a que Judt alude é o nosso presente e é interessante ler este seu ensaio em 2012, numa Europa que já se abriu a Leste, que já concretizou o projecto da união monetária, mas onde o desemprego subiu em flecha (como Judt previa), onde o Estado social sofre com um rácio desfavorável entre contribuintes e beneficiários (idem) e onde se vive uma crise económica sem fim à vista (idem, idem). E lá diz o povo: "casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão". A falta do "pão" pôs a nu as fendas históricas da (Des)União Europeia.
Os próximos anos (talvez nem tanto) revelarão para onde Zeus/Touro/Capital(?) leva esta donzela.

Sally Bowles

Porque é (quase) Halloween


Outra das minhas recentes visitas ao cinema foi para ver Frankenweenie de Tim Burton. Mais uma prova que as animações de Burton têm sido mais interessantes do que os seus filmes “normais” dos últimos anos. Sobretudo depois de ter visto Dark Shadows em Maio passado e da desilusão que foi. Frankenweenie, para além de ser um remake de um filme anterior de Burton, é uma homenagem ao clássico cinema de “monstros”. Há referências a Frankenstein, Gamera, King Kong, Gremlins, A Múmia, para além de uma sequência em que vemos um dos filmes de Drácula com Christopher Lee. Homenagem ao cinema com que Burton cresceu e aos seus heróis de sempre, de Lee a Vincent Price, passando por Martin Landau que empresta a sua voz a uma das personagens.
No fundo, Frankenweenie é uma história de amizade entre um rapaz, Victor, e o seu cão, Sparky. Quando Sparky morre, Victor tem tantas saudades dele que resolve trazê-lo de volta à vida, tal como em Frankenstein. É em tudo um conto de Burton, a história do “misfit” que não se enquadra totalmente na sociedade que o rodeia, que parece determinada em não o compreender. Para aquele que não se enquadra são os outros que parecem estranhos (veja-se os colegas de turma de Victor). Neste contexto, Burton faz uma sátira à sociedade americana e ao medo que alguns parecem ter da ciência; o medo daquilo que não se compreende. É uma história que funciona tanto para adultos como para os mais jovens (apesar de ser para maiores de 12 anos em Portugal, graças a uma ou duas cenas mais perturbantes). Nesse aspecto está enquadrado numa vaga de filmes de animação que têm surgido nos últimos meses, que se movem no mundo do fantástico e das “criaturas”, como Paranorman e Hotel Transilvânia. É uma forma interessante de recuperar o cinema de horror clássico para um público mais jovem depois de tanto tempo com o detestável domínio do torture porn.
O 3D não me incomodou particularmente, apesar de não ser grande fã do formato. Talvez porque o filme é a preto e branco e, também, porque o 3D pode ser visto como uma referência retro a uma época cinematográfica a que este filme presta homenagem. Tal como em Hugo, o 3D pode fazer sentido num filme que é um tributo ao cinema em si. Quanto à animação, ela tem os traços característicos de Burton, as figuras esguias e pálidas de sempre, e é em tudo um produto do universo tão particular do realizador.
É uma obra revolucionária ou inovadora na cinematografia de Burton? Não. É melhor que Corpse Bride? Também não. Entrará no panteão dos clássicos do género? Provavelmente não. Contudo, Frankenweenie é uma óptima visita ao cinema, misto de entretenimento e de homenagem à história do cinema que, sem dúvida, apelará a muitos cinéfilos.
 
Maria Braun

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Bloodbuzz Ohio



K.  Douglas

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ordem e descanso

Amanhã vou ordenar-me de A a Z.
Colocar na estante
Céline ao lado de Cervantes,
Homero encostado a Huxley.
No frigorífico,
O leite e as lentilhas,
Os ovos e os pêssegos.
Vou arrumar o guarda-fatos
Com calças sobre casacos
E as saias ao longe.
Depois,
Estender-me na cama bem feita.
Tudo faz sentido.
B. Parker

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Como um ballet do coração



O imaginário da América nunca exerceu grande poder sobre mim. Mas ontem, numa cadeira do S. Jorge, pensei como seria extraordinário poder visitar a América. Este foi, para mim, um dos ganhos de Apocalypse, a Bill Callahan Tour Film. A América é justamente o coração do filme. O espectador vê sequências da vastidão, do quotidiano, da diferença, intervaladas por actuações de Callahan. Algumas destas são justapostas, o que parece sublinhar a ideia do andar, do caminho que é feito. Apocalypse não se centra no lado privado de Callahan. Se o espectador está interessado nesses pormenores, o filme não o serve. Pouco se sabe sobre ele e, pelo menos para mim, isso não é relevante. A certa altura diz qualquer coisa como: "quando estou em palco estou no expoente da minha realidade". Pode soar a cliché, mas Callahan aparenta ser um homem que sabe usar as palavras certas. E as actuações são extraordinárias, de uma beleza firme e simples. Uma imagem que pode condensar esta beleza é a sequência onde se lança fogo de artifício no quintal de uma casa, como quem mostra que é possível transformar o quotidiano, o óbvio, em algo poético. Parece fácil e eficaz. Dito isto, Apocalypse não é um registo extraordinário, mas tem uma ideia - forma-se em constante acção, crescendo a partir das palavras do cantor sobre o movimento. Tem um momento menos feliz, aquando da actuação da maravilhosa Riding for the Feeling, que gera um pequeno esgar de troça. De resto, sai-se satisfeito da sala de cinema. 

K. Douglas

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Timey Wimey


Voltemos ao cinema e falemos de Looper, de Rian Johnson. Há tanto tempo que se discutia este filme nos círculos cinéfilos, com a crítica rendida (é um 84 no Metacritic, independentemente do que determinados críticos portugueses pensam) e uma recepção entusiástica em Toronto. Por isso lá fui ver um filme com Bruce Willis ao cinema (bem, ele é parte da minha infância).
Algumas observações soltas. Em primeiro lugar, aquilo que se diz é verdade: é melhor não ter muita informação sobre o filme antes de o ver. Quanto mais se sabe sobre ele, menos divertido ele se torna. Em segundo lugar: é no mínimo desconcertante a mudança completa de género cinematográfico a meio de Looper, como se fosse um 2 em 1. O que começa como um thriller de ficção científica ao estilo de Twelve Monkeys torna-se numa espécie de adaptação western de The Omen. Não que isso seja mau. Em terceiro lugar: holy plot-holes, Batman!
Dito isto, é divertido. É inteligente. É um exemplo sólido de boa ficção-científica. Em resumo: gostei do filme. O elenco, que inclui Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Emily Blunt, Jeff Daniels e Paul Dano, é excelente. Johnson continua a afirmar-se na realização após o êxito indie que foi Brick, o seu primeiro filme e primeira colaboração com Gordon-Levitt, para quem, aliás, foi escrito especialmente o papel principal de Looper. A parceria Johnson/Levitt promete tornar-se aos poucos numa das duplas realizador/actor mais interessantes dos últimos tempos, ao lado de McQueen/Fassbender, no molde das grandes colaborações históricas do cinema.
Levitt, também, dá mais um passo na sua trajectória de afirmação como uma das presenças estimulantes no cinema americano actual, desde a revelação que foi Mysterious Skin. Quem diria que o miúdo de O 3º Calhau a Contar do Sol se tornaria num dos actores mais interessantes da sua geração? A maquilhagem de Levitt, feita para que se parecesse com Willis, é uma ligeira distracção, mas a sua interpretação é boa. Por falar em Willis, ele está em grande forma, carismático como sempre, dominando as cenas.
 
Que se pode dizer mais sem revelar o enredo? Looper tem sido comparado a Matrix mas não sei se esta é a ligação mais óbvia. Quando estava a ver o filme, várias referências me vieram à mente – as já mencionadas Twelve Monkeys e The Omen, mas também Terminator ou X-Men. É quase uma espécie de colagem. A primeira parte do filme é mais conseguida que o acto final, não sendo eu a maior fã das sequências com Sid (pelo que tenho lido, até houve quem as achasse hilariantes). O enquadramento da acção numa visão distópica do futuro, com divisões sociais brutais, é interessante e certamente contemporâneo, mais do que Damien 2.0. A temática das viagens no tempo dá algumas dores de cabeça quando se tenta perceber todas as implicações das acções que vemos no ecrã, mas está, em geral, bem construída. No entanto, não sei se a história em si aguenta uma análise mais cuidada.
 
A solução? Não pensar muito, não dissecar muito a premissa do filme e, simplesmente, divertirmo-nos com um filme sólido que não nos trata como se tivéssemos 5 anos. Bons actores, boa realização, argumento conseguido. Por vezes, isso é o suficiente.
 
Maria Braun

Votar às cegas

Há assuntos em que não tenho tocado no blog, de forma a deixar que este seja um oásis fora do mundo real. Vou quebrar essa regra. Vejam isto como um desabafo. Neste período de manifestações e em que o povo português parece estar a acordar, há um aspecto que me tem intrigado. Aqueles que dizem que votaram no PSD mas que afirmam que não esperavam de Passos Coelho este tipo de medidas que, pensam eles, não representam a base do partido. Digam-me uma coisa: será que as pessoas não fazem ideia no que e em quem votam? Chegam às urnas e depositam o voto estando completamente às escuras? Mais valia fazerem uma cruz ao calhas e saía o que saísse. Se há algo que se pode dizer sobre Passos Coelho é que ao menos tem sido ideologicamente consistente ao longo do tempo. Ele sempre foi um neo-liberal da ala direita do partido, já nos tempos da JSD. O que é que as pessoas esperavam que acontecesse? A desestruturação do Estado a que estamos a assistir, com a privatização de serviços essenciais, não é necessariamente e apenas uma imposição da troika. A troika não chegou cá e exigiu que deixasse de haver televisão pública, até porque em todo o lado há televisão pública, até nos Estados Unidos. Isso é uma questão ideológica para Passos Coelho e o seu gangue. Claro que há outros negócios pessoais por trás, toda a gente o sabe e ninguém o diz abertamente. Chega a ser hilariante ver e ler todo o tipo de debates e reflexões sobre o assunto em que parece que se insinua sem se chegar a dizer; vejam a arte de contornar a questão (estou a fazer o mesmo, eu sei). Perguntem a Relvas porque é que parece tão determinado em vender o país aos angolanos.
As acções e atitude de Passos Coelho têm tudo a ver com a sua ideologia. Muita gente, aqueles que se dão ao trabalho de seguir o que se passa, já estava à espera que isto acontecesse. Uma dica para evitar dissabores: na próxima prestem atenção antes de votar.
 
Maria Braun

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Resgatados



A epígrafe de Resgatados, Os bastidores da ajuda financeira a Portugal, - «Pois Brutus era um homem honrado, e assim são todos eles, todos homens honrados» - põe imediatamente o mote central do livro: alta traição. Em termos romanescos é este o enredo. Quem é César? José Sócrates (desconfio que o senhor ia gostar desta imagem). Quem é Brutus? Teixeira dos Santos. Ao mesmo tempo, a linha de Shakespeare não deixa de remeter para os outros homens honrados e para o seu eventual carácter. Cabe ao leitor pesar, decidir e formar o seu juízo.
A descrição do processo que levou ao pedido de ajuda externa da República é feita de forma objectiva ao longo de catorze capítulos, organizados de forma cronológica e que se concentram essencialmente entre Janeiro de 2011 e Maio de 2011. Apesar da objectividade, o registo não é seco e frio. É fácil detectar uma certa dramatização que está ao serviço do interesse do leitor e da intensidade da leitura. Resgatados  apela à nossa curiosidade em saber como os políticos se comportam nos seus gabinetes - o que é que eles dizem. Em nenhum momento os autores formam um juízo de valor sobre os intervenientes. Ainda assim são dadas algumas descrições do seu carácter que permitem ao leitor construir as suas impressões. 

Com base nessas descrições podemos dizer que Sócrates é temperamental, cortante, obstinado, trabalhador, idealista, político. Teixeira dos Santos é reservado, racional, ponderado, diligente, técnico. Nestes retratos, a linha substancial que os desenha é precisamente esta oposição entre o político e o técnico, entre o homem que devora biografias de Napoleão e o homem que devora relatórios. Sublinhe-se, por exemplo, a seguinte passagem (p.69): "Frequentemente repetia uma frase que servia de escudo sempre que Teixeira dos Santos dizia que não era possível resistir. «É possível e nós vamos resistir, porque isto é um governo socialista.»" O assunto do livro é, portanto, a resistência do primeiro-ministro em pedir ajuda externa.

Fosse isto uma encenação, estaria por trás do palco  uma linha com vontade própria e pouco racional que subiria constantemente: a evolução das taxas de juro da dívida soberana. Ninguém lhe pode escapar: os destinos estão traçados, assim como o das pessoas, que não têm qualquer espaço nas movimentações políticas. Os homens honrados põem o interesse nacional em cima da mesa quando este serve o seu interesse político. Não há aqui nenhuma novidade. No entanto, uma vez que o leitor decidiu confiar nos autores do livro, depois de ter lido o prefácio, não poderá escamotear o esforço descrito de Sócrates em evitar a austeridade e de como esta ia ao arrepio das suas posições como político. De acordo com o relato, Sócrates aceitou as medidas de austeridade mais graves quando lhe disseram que não existia outra saída dada a situação. Estou a defender Sócrates? Estou a procurar ser intelectualmente honesto com a informação que li no livro. O registo apresenta um homem frenético, a fazer de tudo para conseguir dominar a situação. Creio que o carácter vaidoso de Sócrates ficaria rendido ao supremo prazer da ideia de uma vitória difícil e eficaz. Tivesse ele alcançado os seus objectivos e caso fosse sucedido na aplicação do PEC IV, o estado da sua graça, potenciado por ele mesmo, teria sido insuportável. Mas não aconteceu e nunca saberemos o que aconteceria se o PEC IV tivesse sido aprovado. Provavelmente teria corrido mal. A oposição estava feroz e Sócrates estava sozinho. E se é certo que acalmou a Europa com o dito pacote de austeridade, a verdade é que era uma posição em que o primeiro-ministro não podia confiar totalmente. Por outro lado, a linha da dívida não descansava. 

Das relações com a oposição, salienta-se a dificuldade da relação de Sócrates com Manuela Ferreira Leite e com Passos Coelho. Com Ferreira Leite não era nenhuma e com Coelho, o "seu parceiro de tango" (não se pode dizer que Sócrates não tem sentido de humor) como o descreveu no primeiro encontro,  depressa se desfez. Sócrates tinha uma confiança tal em si e na gravidade do momento que se permitia fazer afirmações públicas que não estavam de acordo com o que foi dito em privado. Talvez achasse que o sensato era que as pequenas falhas que cometia (e que serviriam para a sua sobrevivência) seriam perdoadas, dada a gravidade da situação do país. Passos Coelho, um homem sério - fiel com a sua palavra - ,não gostou de ver o primeiro-ministro dizer uma coisa que ele não disse e as coisas ficaram azedas, chegando a contornos de hostilidade declarada e de silêncio embrutecido. 

Como se sabe, e ao contrário do que disse, Passos foi a S. Bento na noite anterior ao anúncio do PEC IV. No dia seguinte, disse que não aprovaria o pacote e foi o começo do fim. Miguel Portas definiu Passos na perfeição: um farsolas. A Europa não achou piada nenhuma às acções reflectidas de Passos. Segundo as descrições é um homem cuja reflexão é introvertida e que age de forma firme quando chega a uma solução. No livro, dá sinais de exteriorização quando telefona à primeira pessoa quando sabe dos acontecimentos: «Miguel!» E quando foi a Bruxelas pela primeira vez enfrentou o desdém de Merkel: «So, you are the nice guy from Portugal» (p.173). Passos fez aquilo que nenhuma análise honesta pode ultrapassar: fez cair o governo em nome da austeridade para ir imediatamente a Bruxelas dizer que assumia inteiramente todos os compromissos e ainda mais. Tal comportamento talvez fizesse Alcibíades corar de vergonha. Os resultados estão à vista e parecem ser “gregos“.

Ainda assim, na altura, Sócrates - qual Antígona - não cedeu um milímetro na sua posição. Não. Não queria uma intervenção externa em Portugal. Entretanto, os banqueiros começaram a mover-se e a deixarem clara a sua posição. O cerco fechou-se. A posição era insustentável. Teixeira dos Santos pede a intervenção à revelia de Sócrates. O primeiro-ministro fora traído: «Pelas costas, como um patife» (p.195). As relações são cortadas. São iniciadas as negociações com a troika e o memorando é assinado.

Apesar da imparcialidade, creio que o livro actua no sentido de recuperar Sócrates. Não é difícil simpatizar com ele e, continuando neste tom literário, pode dizer-se que é quase apresentado como um herói vencido: «Naquele sábado, Sócrates estava a curta distância do seu Waterloo. Mas ainda não tinha baixado as armas» (p.150).* E a simpatia aumenta mais quando se olha para o comportamento do PSD, especialmente o de Eduardo Catroga - que mostra bem o seu valor de mercado. Creio que não vale a pena referir a pessoa do presidente da República. O que parece ser certo é que Sócrates estava condenado pela circunstâncias e os portugueses estavam fartos dele e com alguma razão. Não se pode dizer que não tivesse espinha face aos acontecimentos e até mesmo alguma espinha ideológica. Não é um homem risível, constrangedor, que sai destas páginas, mas sim um homem que procurou sobreviver e evitar a intervenção ao máximo, tornando-se obstinado, coisa que em último caso não o ajudou.

 Face a este retrato, podem desvanecer-se algumas das muitas opiniões sobre  o primeiro-ministro ou, pelo menos, olhar para ele com uma luz diferente. É claro que este não é um retrato definitivo e Sócrates despertará sempre um sentimento de desconfiança. Não se pode fazer tábua rasa das suspeitas que pairam sobre si.  Uma coisa é certa. Sócrates não é um homem vulgar, mesmo quando parece ser silly. E merece mais do que um juízo de taxista, pelo menos no que toca ao seu papel como político.

K. Douglas

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Nota sobre Hobsbawm


É difícil escrever um post seguinte que faça justiça ao do K. É só um aparte que ando a ruminar há algum tempo.
Não podia deixar passar a morte de Eric Hobsbawm (com duas semanas de atraso), nem que seja porque tenho a estante cheia de livros seus, incluindo a sua interessante autobiografia. Hobsbawm foi um dos grandes da historiografia, assim como um dos mais populares historiadores, conseguindo chegar ao grande público, e um dos poucos (raros!) que conseguiam fugir à secura da escrita científica, dando de volta à História enquanto ciência a qualidade literária que nunca devia ter perdido. Acreditem, um historiador que escreve bem é cada vez mais uma raridade. Foi também um dos poucos que se mantiveram fiéis aos seus princípios políticos até ao fim, independentemente de “modas” ideológicas – conseguindo, no entanto, ser visto como mais do que um “historiador comunista”. O seu estatuto e seriedade intelectual garantiram que fosse mais do que isso.
O último livro de Hobsbawm que comprei foi uma colecção de ensaios intitulada How To Change The World: Tales of Marx and Marxism. Esta edição saiu em 2011 e inclui vários ensaios escritos entre os anos 50 e 2009, sendo uma análise das origens, contexto e evolução das teorias marxistas, assim como uma avaliação da sua influência e impacte intelectual nas últimas décadas. Os capítulos sobre Gramsci, por exemplo, são excelentes. Num momento em que a discussão sobre a luta de classes ameaça regressar em força, livros como este são importantes. Tal como houve um regresso a Keynes em 2008/09, com o início da crise, as suas consequências podem ressuscitar Marx aos poucos, com novas leituras e apropriações do marxismo. Hobsbawm chama a atenção para a riqueza, profundidade e história da tradição marxista, que não pode ser posta de lado num momento de crise do capitalismo. É uma leitura interessante para todos os que se interessam por História das Ideias e para todos os que procuram inspiração na situação actual, independentemente de inclinações políticas.
Morreu um dos grandes. Em Inglaterra, os estudantes de História Contemporânea podem dar como garantida a sua presença em todas as bibliografias básicas da matéria, prova do respeito que os historiadores britânicos de hoje lhe têm, independentemente da forma como vêem a sua análise historiográfica. Não interessa se se concorda ou discorda de Hobsbawm, qual o valor que se dá à sua análise – deve ser sempre lido e debatido. Para acabar com um cliché: foi-se o homem, fica a obra. E que fascinante que ela é.
 
Maria Braun

...



Ouçam: eu vou ir às fuças do Passos de forma in-so-fis-má-vel. Podem contar comigo. Nunca falhei - estive sempre presente! Estive na primeira fila nas negociações com o triunvirato. Não digo troika porque a palavra não existe em português. Garanto-vos que isto não vai acabar como o Easy Rider. Claro que sei como fumar um charro! Que pergunta!

K. Douglas

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Em busca de... quê?

Permitam-me que interrompa o salutar debate sobre bandas sonoras para uma observação que, enfim, não tem nada a ver:
Proust era um fofinho.
Se não, vejam:
http://bookoffice.booktailors.com/noticias/questionario-de-proust-revisitado-por-joel-neto/

Mas podemos voltar ao tema. Estávamos na Strada, não era?

Sally Bowles

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

The Circus


É curioso que menciones o circo, cara Sally. Outra das “minhas” bandas-sonoras também é circense. Parece que aos poucos a lista está a tomar forma. Este é Nino Rota para o filme La Strada de Fellini.
PS: L’Illusionniste é magnífico. Como fã de há muitos anos de Jacques Tati, foi fantástico ver um dos seus argumentos no ecrã passado tanto tempo após a sua morte.
 

 
 
Maria Braun

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Crying Circus

A discussão que tem vindo a ser mantida pelos meus profícuos camaradas blogueiros conduziu-me a um momento de introspecção. E olhem que isso é raro!
Tal como a Maria, fugirei com o dito à seringa e não apresentarei uma lista ou uma banda sonora de eleição. Mas é verdade que há temas dos quais basta ouvir os primeiros acordes para quase inconscientemente os identificarmos com determinado filme. E ainda há outros que, qual madalena proustiana, nos transportam imediatamente para aquela sala de cinema ou para a tal noite no sofá lá da sala.
Este tem a estranha capacidade de me activar os canais lacrimais.



E neste momento estão o K. e a Maria a chamar-me de piegas para baixo.
O que querem?! É um palhaço triste e uma bailarina suicida! Isso mexe com as emoções regadas a gin de qualquer artista! Além disso, Luzes da Ribalta é um dos meus Chaplins de eleição.
E não saindo do circo (não, não vou falar do governo!), ou pelo menos das profissões circenses, continuo a gastar Kleenex.




Talvez um dos mais belos filmes dos últimos anos.
"A magia não existe" - há linha final mais brilhantemente triste?
Sally Bowles (versão melancólica)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Herrmann


Herrmann é sem dúvida um dos mais influentes. Não é possível falar de bandas-sonoras cinematográficas sem o mencionar, especialmente quando se analisa a ligação realizador/compositor no cinema, quando o compositor tem um papel essencial no resultado do filme como um todo. Há outras parcerias essenciais como Fellini e Nino Rota, Spielberg e John Williams, Lynch e Angelo Badalamenti. No entanto, Hitchcock e Herrmann fazem o padrão.
Vertigo está na minha lista (aquela que nunca será terminada) – é talvez a minha banda-sonora preferida de Herrmann, seguida de perto por Taxi Driver e Psycho.  


Maria Braun

domingo, 30 de setembro de 2012

Oh, mother!



Creio que as minhas bandas-sonoras preferidas são as composições de Bernard Herrmann para os filmes de Hitchcock. A memória da primeira vez que vi Vertigo é uma boa e nítida assombração por causa de Herrmann. E não importa quantas vezes veja o filme, o raio do realizador e do compositor arrastam-me sempre. Tenho muita dificuldade em descrever música. Ainda assim, diria que a música de Herrmann não faz sentir um só sentimento. Quero dizer, a sensação de alguma coisa não é algo linear: lateja, incha - a sensação parece ter múltiplos tons. Mesmo as peças mais sinistras não nos afastam de imediato. Sabemos que há um aviso de perigo, mas continuamos. O caso mais flagrante é justamente o de Psycho. Gosto mais das bandas-sonoras de Vertigo, de North by Northwest (talvez a minha preferida) e de Marnie. Porém, decidi-me por este vídeo porque é sempre espantoso, pelo menos para mim, ver o poder de uma orquestra, mesmo quando interpreta algo que não é aprazível e que tem contornos de terror (sinta-se o final da peça - parece que o mal está consumado e não há nada a fazer). A banda-sonora de Psycho deve-se ouvir em segurança.

K. Douglas




quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OST



Há muito tempo que ando para escrever um post sobre bandas-sonoras de filmes. Há bandas-sonoras que estão de tal forma associadas aos seus filmes que é impossível pensar neles sem elas. Exemplos: James Bond, Star Wars, Indiana Jones, Jaws, Zorba. Quando estava a tentar fazer uma compilação das que mais gosto, reparei que mudava de opinião de 5 em 5 minutos. No entanto, havia uma que estava lá sempre, que não podia deixar de estar. Será que isso a torna oficialmente na minha banda-sonora preferida? Muito provavelmente não, mas está sem dúvida nos primeiros lugares da lista. Enquanto não chego a uma conclusão que me leve a escrever um post sobre este tema, aqui fica a fantástica contribuição de Elmer Bernstein para The Magnificent Seven, uma das bandas-sonoras mais icónicas da história do cinema.




Maria Braun

sábado, 15 de setembro de 2012

Ainda Sherlock




Cena de The Great Game, terceiro episódio da primeira série.


Maria Braun

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Já que estamos em período de Emmys…

Uma série de televisão sobre a qual nunca falei no blog é Sherlock. Como isso aconteceu não sei. Esta é a única série que sigo quase tão obsessivamente quanto Mad Men (quase…). Aproveito, assim, o estarmos em período de prémios para escrever um post sobre ela. Sherlock foi este ano nomeado para 13 Emmys (incluindo mini-série, actor e actor secundário para Benedict Cumberbatch e Martin Freeman respectivamente). Já conquistou vários BAFTA, incluindo série dramática e actor secundário para Freeman em 2011 e para Andrew Scott (o novo Moriarty) em 2012. Dia 23 de Setembro vou torcer por eles.
Sherlock marcou o meu Verão de 2010 em termos televisivos, foi uma lufada de ar fresco, sobretudo durante aqueles meses em que não há nada para ver. Desde então estreou a segunda série na BBC, no início de 2012. Ano e meio de espera por três episódios. Sim, porque a definição de série, neste caso, é bem interessante: três episódios de hora e meia cada, a cada quase dois anos. Mas vale a pena, ainda que não tenha gostado tanto da segunda série quanto da primeira. A Study in Pink continua a ser imbatível, do meu ponto de vista. No entanto, a segunda série trouxe aquele que é, muito possivelmente, o meu segundo episódio preferido, The Reichenbach Fall. Não quero estragar o episódio para quem não o viu, mas deixo uma pista: como o nome indica, é uma variação da famosa história The Final Problem, o grande embate final entre Holmes e Moriarty.
“Variação” é, aliás, a palavra que melhor define o espírito da série. Os criadores Steven Moffat e Mark Gatiss são grandes fãs das histórias originais de Conan Doyle e respeitam-nas ao máximo. Para quem já as leu, eles oferecem pequenos presentes, pequenas referências divertidas aos contos originais, embrulhadas no enredo dos episódios. Por vezes, um episódio refere várias histórias, condensando-as numa só. O triunfo de Sherlock é precisamente esse, o de criar histórias novas respeitando de tal forma o espírito dos originais que até os fãs mais puristas foram convertidos. As interpretações de Cumberbatch e Freeman também ajudam.
A Study in Pink era uma variação de A Study in Scarlet, a primeira aventura de Holmes, na qual o detective e John Watson se conhecem pela primeira vez, quando ambos procuram alguém com quem dividir um apartamento no centro de Londres. No episódio, tal como na história original, o doutor Watson é um médico do exército que acaba de chegar do Afeganistão, onde foi ferido (parece que as coisas pouco mudam ao longo do tempo). Esta não é uma história muitas vezes adaptada ao ecrã e talvez por isso tenha sido entusiasmante ver o primeiro encontro, a química instantânea, o forjar de uma amizade para a vida toda. A Study in Pink foi um episódio tão fresco e diferente que, mesmo se episódios futuros venham a ser melhores, aquilo que se sente ao descobrir esta história é irrepetível. Já The Reichenbach Fall é um final fabuloso, que nos deixa pendurados num “cliffhanger” até meados de 2013 (a terceira série só começará a ser filmada no início do próximo ano, com a estreia prevista lá para o Outono). Foi um final inteligente que causou imenso debate quando o episódio passou na BBC e que continuará a provocar imensa especulação, um final que, como disse antes, quem leu The Final Problem pode adivinhar como será.
Mas falar de Sherlock é impossível sem mencionar Benedict Cumberbatch, um dos grandes responsáveis pelo sucesso da série. Tal como Holmes nas histórias originais, o personagem que Cumberbatch interpreta é um homem totalmente moderno, viciado nas mais avançadas tecnologias. O seu Sherlock Holmes é carismático, difícil, maníaco, superinteligente, cortante, ao mesmo tempo assexual e estranhamente atraente. É alguém absolutamente fascinante. Se o final da segunda série tem sido tema de incessante debate, a ambiguidade da sua relação com John Watson (e a ambiguidade da própria sexualidade de Holmes) foi o maior tema de especulação entre os espectadores ao longo das duas séries. Amizade? Amor platónico entre um heterossexual e um assexual? Algo bem mais complicado do que isso? Martin Freeman, em entrevistas, já disse que lê a relação entre o seu personagem e Holmes como “a love story”.
A verdade é que Watson serve como figura “humanizadora” e que essa “humanização” de Sherlock é o arco de toda a primeira série. Quando somos apresentados a Sherlock, ele vê o homicídio como um jogo, como um puzzle com o qual entretém a sua mente, aparentemente indiferente ao sofrimento e aos sentimentos humanos – quando chegamos ao 3º episódio, a máscara de indiferença cai quando é a vida do próprio Watson que está em jogo. De repente, deixa de ser uma brincadeira. O Holmes que encontramos na 2ª série já é um homem diferente, em processo de mutação, mais sensível aos sentimentos alheios (como se vê na mudança gradual da sua relação com Molly e no desenvolvimento de uma relação mãe-filho com Mrs Hudson), um homem que já admite ter amigos – Watson no segundo episódio, Lestrade, Molly e Mrs Hudson no terceiro – e que está disposto a tudo para protegê-los. Por essa razão, a relação entre Sherlock Holmes e John Watson será sempre a relação central da série e encontrar os actores com a química certa para interpretar os dois papéis algo de fundamental para o seu sucesso. Sem Cumberbatch e Freeman, Sherlock não seria o triunfo que é hoje. Freeman consegue balançar a interpretação de Cumberbatch com uma representação mais reservada, transmitindo a imagem do everyman, o homem comum apanhado por circunstâncias extraordinárias, o ainda jovem médico afectado pela guerra, que vai ver a sua existência normal alterada para sempre pelo forjar de uma nova amizade.
A outra relação central é a de Holmes e Moriarty, na qual é difícil entrar sem “spoilers”. De notar só um aspecto: a dinâmica entre o detective e o mestre do crime foi a base de muitas relações semelhantes que surgiram na cultura popular do século XX – a relação Batman/Joker, por exemplo, é um dos casos mais famosos de reprodução daquele modelo. Por essa razão, é difícil introduzir Moriarty nas histórias de uma forma fresca, que não pareça explorada à exaustão; não porque a relação em si o tenha sido, mas porque já foi copiada tantas vezes na cultura popular que a fonte original sofre com isso. Moriarty é, nesta série, rejuvenescido e, num curioso círculo de influências, deve muito às interpretações de Joker no cinema, assim como à mais recente versão de Master na série britânica Doctor Who (outra das personagens que, por sua vez, descendem de Moriarty). Complicado? De qualquer forma, as dúvidas que a interpretação de Andrew Scott provocou na primeira série foram completamente dissipadas em The Reichenbach Fall, no qual cria um Moriarty de peso, quase roubando o episódio a Cumberbatch (quase…). A ideia de que Holmes e Moriarty são duas faces da mesma moeda continua a ser a base; dois homens idênticos, com a mesma necessidade de ocupar e exercitar a mente com puzzles, mas que vão acabar em pontos totalmente opostos. É a ideia que Holmes seria como Moriarty se não fosse pelo código moral que acaba por seguir, por muito que o tente negar. Scott consegue ter uma interpretação tão maníaca quanto Cumberbatch, mas com uma ponta de loucura que falta a este, reforçando essa mesma ideia. A ligação entre os dois é tão forte quanto a ligação entre Holmes e Watson, embora por razões (e com características) completamente opostas.
Com isto tudo, nem cheguei ainda a tocar na terceira grande relação de Holmes – a que tem com o seu irmão, Mycroft, aqui interpretado pelo co-criador da série Mark Gatiss. A competição constante entre os dois; a preocupação de Mycroft com o seu irmão mais novo, a quem tenta proteger constantemente, apesar da atitude espinhosa que Sherlock tem com ele; o poder indefinido e quase assustador que Mycroft tem, poder que o torna numa figura dúbia apesar das suas acções o apresentarem como uma pessoa com um bom fundo e boas intenções e, sobretudo, com uma consciência. Esta é uma das dinâmicas que espero que venha a ser ainda mais explorada na terceira série.
Com efeito, há muito para dizer sobre a série mas este post já vai longo. Gostaria de voltar a este tema outro dia, sobretudo para tocar nos pontos fracos da série e nas questões que têm causado mais polémica ou desacordo. Ou para falar da minha desilusão com a adaptação da obra essencial do cânone holmesiano, The Hound of the Baskervilles (aqui chamado de The Hounds of Baskerville) e de todos os meus sentimentos negativos em relação a Irene Adler. Para terminar, algo que ninguém me pediu mas que vou fazer na mesma: a minha ordem de preferências no que diz respeito aos episódios. Até pode ser que alguém aqui discorde e queira discutir comigo? É algo assim: A Study in Pink (s01e01)> The Reichenbach Fall (s02e03)> The Great Game (s01e03)> The Hounds of Baskerville (s02e02)> The Blind Banker (s01e02)> A Scandal in Belgravia (s02e01). Yes/No?
 
Maria Braun