quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Textos velhos? No dia de hoje? Bem, não é pior que o novo orçamento aprovado.

The Gentleman, Buffy, Hush (s04e11)

Desde há uns anos atrás, o dia das Bruxas passou a significar alguma coisa. Até então, era um dia como o outro. E também não tinha, como não tenho, qualquer familiaridade com o dia de Finados. Lembro-me de um ano, em que estava com uns amigos num ponto alto da cidade que tinha vista para o cemitério. Viam-se centenas de velas acesas, de cor vermelha, que alumiavam todo o sítio da colina. Cool! Deixemos os 14 anos e vamos ao que interessa. Depois dos textos da Sally e da Maria, ambos de horror, achei que seria engraçado refazer um texto velhote sobre a Buffy.

A primeira coisa que reparei na Buffy, quando comecei a rever a série numa idade já adulta, é que ela é tremendamente sexy. A segunda coisa é o génio da série. Bem sei que os vampiros estão na moda e consomem muitos adolescentes. Mas não acredito que tenham um quarto do quilate de Buffy. Aliás, mesmo que Buffy seja um teen show, escapa constantemente e instala-se naquilo a que se chama a deselegante vida dos adultos, roubando um verso a Mistaken for Strangers dos National. Por outro lado, e para acabar com as sagas dos últimos anos, duvido que sejam extraordinariamente bem escritas, duvido que tenham a capacidade de condensar humor, drama, acção, aura mitológica e efeitos especiais baratos de forma tão eficaz.

No início, uma das ideias que forma Buffy é a seguinte: under the High School is hell's mouth. Haverá verdade maior do que esta na adolescência? A sensação do corredor da escola secundária que cresce sem qualquer respeito por leis de tempo e de movimento é assim tão estranha? Pela minha parte, não. É certo que a boca do inferno está mais que tapada. Os issues da nossa deselegante vida adulta são económicos e políticos. O vilão-mor responde pelo nome de desemprego, que transformou as ofertas existentes de emprego em simulacros ocos. São eles que temos que enfrentar e não só neste dia das bruxas.

A partir desta premissa aparecem os monstros dos grupos, do que se veste, da alienação e, claro está, os vampiros. Se os primeiros representam episódios comuns da escola secundária e, por isso, aproximam a heroína de nós, os vampiros acrescentam-lhe a dimensão, o halo mítico. Afinal, "em cada geração há uma escolhida. Sozinha, ela enfrentará os vampiros, os demónios e as forças do mal". E com isto, o desejo de ser uma rapariga normal de dezasseis anos e de mandar o destino à fava. Coisa que não pode mudar: ela é a rapariga da profecia. E a profecia diz que Buffy irá enfrentar o mestre (o vampiro-mor) e morrerá. No episódio sabemos que isso acontecerá amanhã (o fim do mundo na Buffy é sempre hoje à noite ou amanhã – o que tem um efeito cómico excelente, especialmente se ela tem um date marcado para essa data).

A reacção tem o seu momento nesta line: "Gilles, I am sixteen, I don't wanna die." Este é um exemplo das muitas lines que se podem saber de cor da Buffy, como quem sabe lines de filmes clássicos de Hollywood. Esta referência não é avessa. Buffy fica muito bem na fotografia ao lado de diálogos de muitas comédias clássicas. Lines como: "I may be dead, but i'm still pretty" ou " I think I got his attention" ou ainda "Hallo lover" têm que permancer na história da televisão. Mas Buffy não se faz apenas do vigor dos diálogos. Wheedon é um grande contador de histórias, misturando géneros. Um dos episódios mais incríveis é Hush, quando os moradores da cidade, tal como numa história de encantar, são enfeitiçados e perdem a voz. The Gentleman são monstros dos contos de fadas que roubam as vozes dos habitantes de uma cidade para que não possam gritar enquanto eles roubam os corações das pessoas. Eles precisam de sete. Nada os poderá deter, a não ser o grito da princesa. Resumi a apresentação de Gilles feita em acetatos e que é um dos momentos brilhantes da série. 


Outro episódio genial é quando Buffy (na segunda temporada), depois de uma reviravolta na história, tem que arranjar forças para combater o poderoso e antigo demónio que Spike e Druzila trouxeram de novo à vida e que nenhuma arma no mundo conseguiu destruir. Para problemas antigos, soluções modernas e... simples: uma bazuca. O cómico alia-se à tensão de toda a cena, à fúria, à dor e ao poder de Buffy - tão bem mostrados pelo movimento da câmara -, gerando no espectador uma sensação de grande prazer.

Um dos grandes trunfos de Buffy é o facto de mostrar pessoas a terem que enfrentar demónios que muitas vezes são a representação de issues, de problemas que têm que se resolver. Logo no princípio da segunda temporada, Buffy tem que lidar as mazelas que o mestre deixou na sua vida e fá-lo em grande, partindo os ossos do vampiro com um marretão enorme. Talvez ela seja a caçadora das caçadoras (falta-me ver a sexta e a sétima temporada), mas as suas vitórias não são fáceis. Mas mesmo nos momentos de angústia onde Buffy tem que se encontrar consigo e crescer como slayer, há espaço para os vampiros brindarem à invenção mais diabólica da humanidade: a produção em série. As suas dores de crescimento são um dos motivos da quinta temporada onde tem que lidar com a morte (num episódio que está ao nível de Six Feet Under), com uma inimiga invencível e com o seu dom como caçadora. 

Termino com uma grande vontade de rever muitos destes episódios. Seria um bom programa para a noite de hoje. Mas creio que o meu horror será outro: enviar currículos para não ter resposta. 


K. Douglas



A Sweet Transvestite from Transsexual Transylvania


Mais um post dentro do tema Halloween. Desculpa, Sally, baixar o tom depois do teu texto. Um dos meus maiores guilty pleasures do cinema é o musical de culto The Rocky Horror Picture Show. É trashy e camp e extremamente divertido. Não é um “bom” filme pelos padrões habituais, nem nada que se pareça. Querem que seja sincera? I couldn’t care less. Por vezes o bom gosto pode ser um espartilho.
É um filme que tenho visto muitas vezes ao longo dos anos mas que, ultimamente, associo a um dos Halloweens passados em Inglaterra, vendo Rocky Horror com vários outros estudantes – é, sem dúvida, um filme para ver em grupo. O que não significa que tenha a intenção de ir a uma sessão da meia-noite, isso já é demais.
Peço desculpa pela qualidade do vídeo, mas é muito difícil encontrar embeddable clips deste filme, sobretudo no YouTube. O enquadramento está péssimo, com a parte de baixo da imagem cortada, o que torna a cena um pouco desequilibrada. Trabalhamos com o que temos. Aqui fica a introdução de Dr. Frank-N-Furter em Sweet Transvestite.
 



Maria Braun

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O rapto da Europa



"Se olharmos para a União Europeia como a solução para tudo, entoando «Europa» como um mantra, agitando a bandeira da «Europa» perante os heréticos «nacionalistas» recalcitrantes e gritando «Abjura, abjura!», um dia acordaremos e dar-nos-emos conta de que, longe de ter resolvido os problemas do nosso continente, o mito da «Europa» se tornou um impedimento para que os identifiquemos. Descobriremos que ela se tornou pouco mais do que uma forma politicamente correta de esconder dificuldades locais, como se a mera invocação da promessa de Europa pudesse substituir a solução de problemas e crises que afetam realmente o lugar. Poucos quereriam negar a existência ontológica da Europa, por assim dizer. E alguma vantagem egoísta em falar dela como se já existisse num sentido mais forte, coletivo - o desejo pode realmente ajudar a gerar o pensamento, e já o fez em grande parte. Mas há coisas que não pode fazer, há problemas que não pode resolver. A «Europa» é mais do que uma noção geográfica mas menos do que uma resposta."
Tony Judt, Uma grande ilusão? Um ensaio sobre a Europa, Lisboa, Edições 70, 2012.


Estas palavras de Tony Judt têm já perto de vinte anos. Em Maio de 1995, data em que o historiador inglês proferiu uma série de palestras no Johns Hopkins Center, em Bolonha, a Europa que lhes serviu de mote era outra - a dos 15, ainda na ressaca do Tratado de Maastricht e sendo o Euro apenas um projecto. Judt tentava então vislumbrar um futuro para uma Europa que, já cronologicamente distante dos anos do pós-guerra que a inspiraram, parecia cada vez mais heterogénea social, económica e politicamente. As discrepâncias entre o Norte e o Sul eram já evidentes e adivinhava-se que uma abertura a Leste agudizaria as clivagens no seu interior. A Alemanha afirmava-se progressivamente como a potência hegemónica na União Europeia face a uma França incapaz de a acompanhar. Previa Judt:

"Doravante, a Europa será dominada pela Alemanha de uma de três maneiras possíveis: a Europa Ocidental original (pré 1989), mas sob liderança alemã - que seria a preferência relutante da maioria dos políticos franceses e mediterrânico-europeus; a Europa Central pró-alemã, com a Alemanha a desempenhar um papel benigno numa União alargada que a atual liderança concebeu; a Europa Central antialemã, com a Alemanha a ser considerada pelos seus vizinhos a sul e a leste mais como um fardo e uma ameaça do que um benefício. Estas duas últimas podem muito bem acabar por se tornar na mesma [...]"

O futuro a que Judt alude é o nosso presente e é interessante ler este seu ensaio em 2012, numa Europa que já se abriu a Leste, que já concretizou o projecto da união monetária, mas onde o desemprego subiu em flecha (como Judt previa), onde o Estado social sofre com um rácio desfavorável entre contribuintes e beneficiários (idem) e onde se vive uma crise económica sem fim à vista (idem, idem). E lá diz o povo: "casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão". A falta do "pão" pôs a nu as fendas históricas da (Des)União Europeia.
Os próximos anos (talvez nem tanto) revelarão para onde Zeus/Touro/Capital(?) leva esta donzela.

Sally Bowles

Porque é (quase) Halloween


Outra das minhas recentes visitas ao cinema foi para ver Frankenweenie de Tim Burton. Mais uma prova que as animações de Burton têm sido mais interessantes do que os seus filmes “normais” dos últimos anos. Sobretudo depois de ter visto Dark Shadows em Maio passado e da desilusão que foi. Frankenweenie, para além de ser um remake de um filme anterior de Burton, é uma homenagem ao clássico cinema de “monstros”. Há referências a Frankenstein, Gamera, King Kong, Gremlins, A Múmia, para além de uma sequência em que vemos um dos filmes de Drácula com Christopher Lee. Homenagem ao cinema com que Burton cresceu e aos seus heróis de sempre, de Lee a Vincent Price, passando por Martin Landau que empresta a sua voz a uma das personagens.
No fundo, Frankenweenie é uma história de amizade entre um rapaz, Victor, e o seu cão, Sparky. Quando Sparky morre, Victor tem tantas saudades dele que resolve trazê-lo de volta à vida, tal como em Frankenstein. É em tudo um conto de Burton, a história do “misfit” que não se enquadra totalmente na sociedade que o rodeia, que parece determinada em não o compreender. Para aquele que não se enquadra são os outros que parecem estranhos (veja-se os colegas de turma de Victor). Neste contexto, Burton faz uma sátira à sociedade americana e ao medo que alguns parecem ter da ciência; o medo daquilo que não se compreende. É uma história que funciona tanto para adultos como para os mais jovens (apesar de ser para maiores de 12 anos em Portugal, graças a uma ou duas cenas mais perturbantes). Nesse aspecto está enquadrado numa vaga de filmes de animação que têm surgido nos últimos meses, que se movem no mundo do fantástico e das “criaturas”, como Paranorman e Hotel Transilvânia. É uma forma interessante de recuperar o cinema de horror clássico para um público mais jovem depois de tanto tempo com o detestável domínio do torture porn.
O 3D não me incomodou particularmente, apesar de não ser grande fã do formato. Talvez porque o filme é a preto e branco e, também, porque o 3D pode ser visto como uma referência retro a uma época cinematográfica a que este filme presta homenagem. Tal como em Hugo, o 3D pode fazer sentido num filme que é um tributo ao cinema em si. Quanto à animação, ela tem os traços característicos de Burton, as figuras esguias e pálidas de sempre, e é em tudo um produto do universo tão particular do realizador.
É uma obra revolucionária ou inovadora na cinematografia de Burton? Não. É melhor que Corpse Bride? Também não. Entrará no panteão dos clássicos do género? Provavelmente não. Contudo, Frankenweenie é uma óptima visita ao cinema, misto de entretenimento e de homenagem à história do cinema que, sem dúvida, apelará a muitos cinéfilos.
 
Maria Braun

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Bloodbuzz Ohio



K.  Douglas

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ordem e descanso

Amanhã vou ordenar-me de A a Z.
Colocar na estante
Céline ao lado de Cervantes,
Homero encostado a Huxley.
No frigorífico,
O leite e as lentilhas,
Os ovos e os pêssegos.
Vou arrumar o guarda-fatos
Com calças sobre casacos
E as saias ao longe.
Depois,
Estender-me na cama bem feita.
Tudo faz sentido.
B. Parker

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Como um ballet do coração



O imaginário da América nunca exerceu grande poder sobre mim. Mas ontem, numa cadeira do S. Jorge, pensei como seria extraordinário poder visitar a América. Este foi, para mim, um dos ganhos de Apocalypse, a Bill Callahan Tour Film. A América é justamente o coração do filme. O espectador vê sequências da vastidão, do quotidiano, da diferença, intervaladas por actuações de Callahan. Algumas destas são justapostas, o que parece sublinhar a ideia do andar, do caminho que é feito. Apocalypse não se centra no lado privado de Callahan. Se o espectador está interessado nesses pormenores, o filme não o serve. Pouco se sabe sobre ele e, pelo menos para mim, isso não é relevante. A certa altura diz qualquer coisa como: "quando estou em palco estou no expoente da minha realidade". Pode soar a cliché, mas Callahan aparenta ser um homem que sabe usar as palavras certas. E as actuações são extraordinárias, de uma beleza firme e simples. Uma imagem que pode condensar esta beleza é a sequência onde se lança fogo de artifício no quintal de uma casa, como quem mostra que é possível transformar o quotidiano, o óbvio, em algo poético. Parece fácil e eficaz. Dito isto, Apocalypse não é um registo extraordinário, mas tem uma ideia - forma-se em constante acção, crescendo a partir das palavras do cantor sobre o movimento. Tem um momento menos feliz, aquando da actuação da maravilhosa Riding for the Feeling, que gera um pequeno esgar de troça. De resto, sai-se satisfeito da sala de cinema. 

K. Douglas

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Timey Wimey


Voltemos ao cinema e falemos de Looper, de Rian Johnson. Há tanto tempo que se discutia este filme nos círculos cinéfilos, com a crítica rendida (é um 84 no Metacritic, independentemente do que determinados críticos portugueses pensam) e uma recepção entusiástica em Toronto. Por isso lá fui ver um filme com Bruce Willis ao cinema (bem, ele é parte da minha infância).
Algumas observações soltas. Em primeiro lugar, aquilo que se diz é verdade: é melhor não ter muita informação sobre o filme antes de o ver. Quanto mais se sabe sobre ele, menos divertido ele se torna. Em segundo lugar: é no mínimo desconcertante a mudança completa de género cinematográfico a meio de Looper, como se fosse um 2 em 1. O que começa como um thriller de ficção científica ao estilo de Twelve Monkeys torna-se numa espécie de adaptação western de The Omen. Não que isso seja mau. Em terceiro lugar: holy plot-holes, Batman!
Dito isto, é divertido. É inteligente. É um exemplo sólido de boa ficção-científica. Em resumo: gostei do filme. O elenco, que inclui Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Emily Blunt, Jeff Daniels e Paul Dano, é excelente. Johnson continua a afirmar-se na realização após o êxito indie que foi Brick, o seu primeiro filme e primeira colaboração com Gordon-Levitt, para quem, aliás, foi escrito especialmente o papel principal de Looper. A parceria Johnson/Levitt promete tornar-se aos poucos numa das duplas realizador/actor mais interessantes dos últimos tempos, ao lado de McQueen/Fassbender, no molde das grandes colaborações históricas do cinema.
Levitt, também, dá mais um passo na sua trajectória de afirmação como uma das presenças estimulantes no cinema americano actual, desde a revelação que foi Mysterious Skin. Quem diria que o miúdo de O 3º Calhau a Contar do Sol se tornaria num dos actores mais interessantes da sua geração? A maquilhagem de Levitt, feita para que se parecesse com Willis, é uma ligeira distracção, mas a sua interpretação é boa. Por falar em Willis, ele está em grande forma, carismático como sempre, dominando as cenas.
 
Que se pode dizer mais sem revelar o enredo? Looper tem sido comparado a Matrix mas não sei se esta é a ligação mais óbvia. Quando estava a ver o filme, várias referências me vieram à mente – as já mencionadas Twelve Monkeys e The Omen, mas também Terminator ou X-Men. É quase uma espécie de colagem. A primeira parte do filme é mais conseguida que o acto final, não sendo eu a maior fã das sequências com Sid (pelo que tenho lido, até houve quem as achasse hilariantes). O enquadramento da acção numa visão distópica do futuro, com divisões sociais brutais, é interessante e certamente contemporâneo, mais do que Damien 2.0. A temática das viagens no tempo dá algumas dores de cabeça quando se tenta perceber todas as implicações das acções que vemos no ecrã, mas está, em geral, bem construída. No entanto, não sei se a história em si aguenta uma análise mais cuidada.
 
A solução? Não pensar muito, não dissecar muito a premissa do filme e, simplesmente, divertirmo-nos com um filme sólido que não nos trata como se tivéssemos 5 anos. Bons actores, boa realização, argumento conseguido. Por vezes, isso é o suficiente.
 
Maria Braun

Votar às cegas

Há assuntos em que não tenho tocado no blog, de forma a deixar que este seja um oásis fora do mundo real. Vou quebrar essa regra. Vejam isto como um desabafo. Neste período de manifestações e em que o povo português parece estar a acordar, há um aspecto que me tem intrigado. Aqueles que dizem que votaram no PSD mas que afirmam que não esperavam de Passos Coelho este tipo de medidas que, pensam eles, não representam a base do partido. Digam-me uma coisa: será que as pessoas não fazem ideia no que e em quem votam? Chegam às urnas e depositam o voto estando completamente às escuras? Mais valia fazerem uma cruz ao calhas e saía o que saísse. Se há algo que se pode dizer sobre Passos Coelho é que ao menos tem sido ideologicamente consistente ao longo do tempo. Ele sempre foi um neo-liberal da ala direita do partido, já nos tempos da JSD. O que é que as pessoas esperavam que acontecesse? A desestruturação do Estado a que estamos a assistir, com a privatização de serviços essenciais, não é necessariamente e apenas uma imposição da troika. A troika não chegou cá e exigiu que deixasse de haver televisão pública, até porque em todo o lado há televisão pública, até nos Estados Unidos. Isso é uma questão ideológica para Passos Coelho e o seu gangue. Claro que há outros negócios pessoais por trás, toda a gente o sabe e ninguém o diz abertamente. Chega a ser hilariante ver e ler todo o tipo de debates e reflexões sobre o assunto em que parece que se insinua sem se chegar a dizer; vejam a arte de contornar a questão (estou a fazer o mesmo, eu sei). Perguntem a Relvas porque é que parece tão determinado em vender o país aos angolanos.
As acções e atitude de Passos Coelho têm tudo a ver com a sua ideologia. Muita gente, aqueles que se dão ao trabalho de seguir o que se passa, já estava à espera que isto acontecesse. Uma dica para evitar dissabores: na próxima prestem atenção antes de votar.
 
Maria Braun

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Resgatados



A epígrafe de Resgatados, Os bastidores da ajuda financeira a Portugal, - «Pois Brutus era um homem honrado, e assim são todos eles, todos homens honrados» - põe imediatamente o mote central do livro: alta traição. Em termos romanescos é este o enredo. Quem é César? José Sócrates (desconfio que o senhor ia gostar desta imagem). Quem é Brutus? Teixeira dos Santos. Ao mesmo tempo, a linha de Shakespeare não deixa de remeter para os outros homens honrados e para o seu eventual carácter. Cabe ao leitor pesar, decidir e formar o seu juízo.
A descrição do processo que levou ao pedido de ajuda externa da República é feita de forma objectiva ao longo de catorze capítulos, organizados de forma cronológica e que se concentram essencialmente entre Janeiro de 2011 e Maio de 2011. Apesar da objectividade, o registo não é seco e frio. É fácil detectar uma certa dramatização que está ao serviço do interesse do leitor e da intensidade da leitura. Resgatados  apela à nossa curiosidade em saber como os políticos se comportam nos seus gabinetes - o que é que eles dizem. Em nenhum momento os autores formam um juízo de valor sobre os intervenientes. Ainda assim são dadas algumas descrições do seu carácter que permitem ao leitor construir as suas impressões. 

Com base nessas descrições podemos dizer que Sócrates é temperamental, cortante, obstinado, trabalhador, idealista, político. Teixeira dos Santos é reservado, racional, ponderado, diligente, técnico. Nestes retratos, a linha substancial que os desenha é precisamente esta oposição entre o político e o técnico, entre o homem que devora biografias de Napoleão e o homem que devora relatórios. Sublinhe-se, por exemplo, a seguinte passagem (p.69): "Frequentemente repetia uma frase que servia de escudo sempre que Teixeira dos Santos dizia que não era possível resistir. «É possível e nós vamos resistir, porque isto é um governo socialista.»" O assunto do livro é, portanto, a resistência do primeiro-ministro em pedir ajuda externa.

Fosse isto uma encenação, estaria por trás do palco  uma linha com vontade própria e pouco racional que subiria constantemente: a evolução das taxas de juro da dívida soberana. Ninguém lhe pode escapar: os destinos estão traçados, assim como o das pessoas, que não têm qualquer espaço nas movimentações políticas. Os homens honrados põem o interesse nacional em cima da mesa quando este serve o seu interesse político. Não há aqui nenhuma novidade. No entanto, uma vez que o leitor decidiu confiar nos autores do livro, depois de ter lido o prefácio, não poderá escamotear o esforço descrito de Sócrates em evitar a austeridade e de como esta ia ao arrepio das suas posições como político. De acordo com o relato, Sócrates aceitou as medidas de austeridade mais graves quando lhe disseram que não existia outra saída dada a situação. Estou a defender Sócrates? Estou a procurar ser intelectualmente honesto com a informação que li no livro. O registo apresenta um homem frenético, a fazer de tudo para conseguir dominar a situação. Creio que o carácter vaidoso de Sócrates ficaria rendido ao supremo prazer da ideia de uma vitória difícil e eficaz. Tivesse ele alcançado os seus objectivos e caso fosse sucedido na aplicação do PEC IV, o estado da sua graça, potenciado por ele mesmo, teria sido insuportável. Mas não aconteceu e nunca saberemos o que aconteceria se o PEC IV tivesse sido aprovado. Provavelmente teria corrido mal. A oposição estava feroz e Sócrates estava sozinho. E se é certo que acalmou a Europa com o dito pacote de austeridade, a verdade é que era uma posição em que o primeiro-ministro não podia confiar totalmente. Por outro lado, a linha da dívida não descansava. 

Das relações com a oposição, salienta-se a dificuldade da relação de Sócrates com Manuela Ferreira Leite e com Passos Coelho. Com Ferreira Leite não era nenhuma e com Coelho, o "seu parceiro de tango" (não se pode dizer que Sócrates não tem sentido de humor) como o descreveu no primeiro encontro,  depressa se desfez. Sócrates tinha uma confiança tal em si e na gravidade do momento que se permitia fazer afirmações públicas que não estavam de acordo com o que foi dito em privado. Talvez achasse que o sensato era que as pequenas falhas que cometia (e que serviriam para a sua sobrevivência) seriam perdoadas, dada a gravidade da situação do país. Passos Coelho, um homem sério - fiel com a sua palavra - ,não gostou de ver o primeiro-ministro dizer uma coisa que ele não disse e as coisas ficaram azedas, chegando a contornos de hostilidade declarada e de silêncio embrutecido. 

Como se sabe, e ao contrário do que disse, Passos foi a S. Bento na noite anterior ao anúncio do PEC IV. No dia seguinte, disse que não aprovaria o pacote e foi o começo do fim. Miguel Portas definiu Passos na perfeição: um farsolas. A Europa não achou piada nenhuma às acções reflectidas de Passos. Segundo as descrições é um homem cuja reflexão é introvertida e que age de forma firme quando chega a uma solução. No livro, dá sinais de exteriorização quando telefona à primeira pessoa quando sabe dos acontecimentos: «Miguel!» E quando foi a Bruxelas pela primeira vez enfrentou o desdém de Merkel: «So, you are the nice guy from Portugal» (p.173). Passos fez aquilo que nenhuma análise honesta pode ultrapassar: fez cair o governo em nome da austeridade para ir imediatamente a Bruxelas dizer que assumia inteiramente todos os compromissos e ainda mais. Tal comportamento talvez fizesse Alcibíades corar de vergonha. Os resultados estão à vista e parecem ser “gregos“.

Ainda assim, na altura, Sócrates - qual Antígona - não cedeu um milímetro na sua posição. Não. Não queria uma intervenção externa em Portugal. Entretanto, os banqueiros começaram a mover-se e a deixarem clara a sua posição. O cerco fechou-se. A posição era insustentável. Teixeira dos Santos pede a intervenção à revelia de Sócrates. O primeiro-ministro fora traído: «Pelas costas, como um patife» (p.195). As relações são cortadas. São iniciadas as negociações com a troika e o memorando é assinado.

Apesar da imparcialidade, creio que o livro actua no sentido de recuperar Sócrates. Não é difícil simpatizar com ele e, continuando neste tom literário, pode dizer-se que é quase apresentado como um herói vencido: «Naquele sábado, Sócrates estava a curta distância do seu Waterloo. Mas ainda não tinha baixado as armas» (p.150).* E a simpatia aumenta mais quando se olha para o comportamento do PSD, especialmente o de Eduardo Catroga - que mostra bem o seu valor de mercado. Creio que não vale a pena referir a pessoa do presidente da República. O que parece ser certo é que Sócrates estava condenado pela circunstâncias e os portugueses estavam fartos dele e com alguma razão. Não se pode dizer que não tivesse espinha face aos acontecimentos e até mesmo alguma espinha ideológica. Não é um homem risível, constrangedor, que sai destas páginas, mas sim um homem que procurou sobreviver e evitar a intervenção ao máximo, tornando-se obstinado, coisa que em último caso não o ajudou.

 Face a este retrato, podem desvanecer-se algumas das muitas opiniões sobre  o primeiro-ministro ou, pelo menos, olhar para ele com uma luz diferente. É claro que este não é um retrato definitivo e Sócrates despertará sempre um sentimento de desconfiança. Não se pode fazer tábua rasa das suspeitas que pairam sobre si.  Uma coisa é certa. Sócrates não é um homem vulgar, mesmo quando parece ser silly. E merece mais do que um juízo de taxista, pelo menos no que toca ao seu papel como político.

K. Douglas

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Nota sobre Hobsbawm


É difícil escrever um post seguinte que faça justiça ao do K. É só um aparte que ando a ruminar há algum tempo.
Não podia deixar passar a morte de Eric Hobsbawm (com duas semanas de atraso), nem que seja porque tenho a estante cheia de livros seus, incluindo a sua interessante autobiografia. Hobsbawm foi um dos grandes da historiografia, assim como um dos mais populares historiadores, conseguindo chegar ao grande público, e um dos poucos (raros!) que conseguiam fugir à secura da escrita científica, dando de volta à História enquanto ciência a qualidade literária que nunca devia ter perdido. Acreditem, um historiador que escreve bem é cada vez mais uma raridade. Foi também um dos poucos que se mantiveram fiéis aos seus princípios políticos até ao fim, independentemente de “modas” ideológicas – conseguindo, no entanto, ser visto como mais do que um “historiador comunista”. O seu estatuto e seriedade intelectual garantiram que fosse mais do que isso.
O último livro de Hobsbawm que comprei foi uma colecção de ensaios intitulada How To Change The World: Tales of Marx and Marxism. Esta edição saiu em 2011 e inclui vários ensaios escritos entre os anos 50 e 2009, sendo uma análise das origens, contexto e evolução das teorias marxistas, assim como uma avaliação da sua influência e impacte intelectual nas últimas décadas. Os capítulos sobre Gramsci, por exemplo, são excelentes. Num momento em que a discussão sobre a luta de classes ameaça regressar em força, livros como este são importantes. Tal como houve um regresso a Keynes em 2008/09, com o início da crise, as suas consequências podem ressuscitar Marx aos poucos, com novas leituras e apropriações do marxismo. Hobsbawm chama a atenção para a riqueza, profundidade e história da tradição marxista, que não pode ser posta de lado num momento de crise do capitalismo. É uma leitura interessante para todos os que se interessam por História das Ideias e para todos os que procuram inspiração na situação actual, independentemente de inclinações políticas.
Morreu um dos grandes. Em Inglaterra, os estudantes de História Contemporânea podem dar como garantida a sua presença em todas as bibliografias básicas da matéria, prova do respeito que os historiadores britânicos de hoje lhe têm, independentemente da forma como vêem a sua análise historiográfica. Não interessa se se concorda ou discorda de Hobsbawm, qual o valor que se dá à sua análise – deve ser sempre lido e debatido. Para acabar com um cliché: foi-se o homem, fica a obra. E que fascinante que ela é.
 
Maria Braun

...



Ouçam: eu vou ir às fuças do Passos de forma in-so-fis-má-vel. Podem contar comigo. Nunca falhei - estive sempre presente! Estive na primeira fila nas negociações com o triunvirato. Não digo troika porque a palavra não existe em português. Garanto-vos que isto não vai acabar como o Easy Rider. Claro que sei como fumar um charro! Que pergunta!

K. Douglas

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Em busca de... quê?

Permitam-me que interrompa o salutar debate sobre bandas sonoras para uma observação que, enfim, não tem nada a ver:
Proust era um fofinho.
Se não, vejam:
http://bookoffice.booktailors.com/noticias/questionario-de-proust-revisitado-por-joel-neto/

Mas podemos voltar ao tema. Estávamos na Strada, não era?

Sally Bowles

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

The Circus


É curioso que menciones o circo, cara Sally. Outra das “minhas” bandas-sonoras também é circense. Parece que aos poucos a lista está a tomar forma. Este é Nino Rota para o filme La Strada de Fellini.
PS: L’Illusionniste é magnífico. Como fã de há muitos anos de Jacques Tati, foi fantástico ver um dos seus argumentos no ecrã passado tanto tempo após a sua morte.
 

 
 
Maria Braun

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Crying Circus

A discussão que tem vindo a ser mantida pelos meus profícuos camaradas blogueiros conduziu-me a um momento de introspecção. E olhem que isso é raro!
Tal como a Maria, fugirei com o dito à seringa e não apresentarei uma lista ou uma banda sonora de eleição. Mas é verdade que há temas dos quais basta ouvir os primeiros acordes para quase inconscientemente os identificarmos com determinado filme. E ainda há outros que, qual madalena proustiana, nos transportam imediatamente para aquela sala de cinema ou para a tal noite no sofá lá da sala.
Este tem a estranha capacidade de me activar os canais lacrimais.



E neste momento estão o K. e a Maria a chamar-me de piegas para baixo.
O que querem?! É um palhaço triste e uma bailarina suicida! Isso mexe com as emoções regadas a gin de qualquer artista! Além disso, Luzes da Ribalta é um dos meus Chaplins de eleição.
E não saindo do circo (não, não vou falar do governo!), ou pelo menos das profissões circenses, continuo a gastar Kleenex.




Talvez um dos mais belos filmes dos últimos anos.
"A magia não existe" - há linha final mais brilhantemente triste?
Sally Bowles (versão melancólica)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Herrmann


Herrmann é sem dúvida um dos mais influentes. Não é possível falar de bandas-sonoras cinematográficas sem o mencionar, especialmente quando se analisa a ligação realizador/compositor no cinema, quando o compositor tem um papel essencial no resultado do filme como um todo. Há outras parcerias essenciais como Fellini e Nino Rota, Spielberg e John Williams, Lynch e Angelo Badalamenti. No entanto, Hitchcock e Herrmann fazem o padrão.
Vertigo está na minha lista (aquela que nunca será terminada) – é talvez a minha banda-sonora preferida de Herrmann, seguida de perto por Taxi Driver e Psycho.  


Maria Braun