quinta-feira, 4 de julho de 2013

Quebrar o ciclo – Mad Men S6


Este post contém spoilers para a sexta temporada de Mad Men, ainda não exibida em Portugal. Não leiam se não querem saber o que vai acontecer.
 
A sexta temporada de Mad Men, se não particularmente subtil nas suas temáticas, teve um final surpreendentemente eficaz. Depois de tantos anos a seguir Don Draper, vê-lo quebrar frente aos homens da Hershey’s foi um dos momentos mais emocionais de toda a série. Mas já lá vamos. Algumas temáticas estiveram presentes durante os 13 episódios, alguns motivos foram-se repetindo. Alguns dos mais evidentes são:

1) Os duplos/doppelgängers
 
 
Este é um tema constante ao longo dos episódios, em vários arcos centrais da temporada. Os mais óbvios são Ted e Bob como duplos de Don, embora de formas diferentes. Bob é Don 2.0 (também já baptizado online como “Gay Don Draper”), mostrando-nos talvez como seria Don 15 anos antes. É uma espécie de repetição distorcida de uma história que conhecemos bem. Já Ted, apesar dos protestos de Peggy em contrário, é o seu gémeo. Contudo, ele procura redenção (sobretudo com a decisão final de ir para a Califórnia) e quer desesperadamente salvar a sua vida familiar e a sua integridade. Podemos dizer que é uma espécie de “gémeo bom” de Don.
Temos ainda Sylvia e Aimée (assim como a imagem da mãe no anúncio que Don procura em The Crash);
 
 
 
Ou Megan, que interpreta gémeas na sua novela (a morena e a loira, tal como Betty nos primeiros episódios). Até Sally cria um paralelo com Don no último episódio, com a falsa identidade e a bebida e, finalmente, com a punição que ambos sofrem.
 
2) A vida como um círculo infinito. O primeiro ponto é, no fundo, um reflexo deste: os acontecimentos que se repetem vezes sem conta, embora sempre de formas ligeiramente diferentes. Quando Robert Kennedy é assassinado, a mãe (demente) de Pete acorda o filho para lhe dizer que mataram Kennedy; Pete, acreditando que a mãe estava confusa e que se referia a JFK, diz-lhe “Isso aconteceu há anos”. Nesta linha, semelhante ao que Betty diz no seu reencontro com Don, está sintetizado um dos temas centrais da sexta série. Imagens que já vimos são-nos apresentadas de novo mas não exactamente da mesma forma. O episódio Man With a Plan é quase todo ele baseado nesta ideia: Joan leva Peggy ao seu novo escritório, como na primeira série; também Joan se encontra de novo na sala de espera de um hospital, como na terceira série, desta vez não com Don mas com o seu duplo Bob.

 
 
 
 
Esta repetição de acontecimentos e imagens aponta para algo maior: a repetição de comportamentos, ou como cometemos os mesmos erros vezes sem conta e estamos numa espécie de círculo perpétuo onde tudo está destinado a ser repetido. Peggy é um excelente exemplo, quer de moto próprio (as suas relações com os homens que marcam a sua vida) ou de forma involuntária (o regresso à sombra de Don). Também Don regressa aos seus velhos hábitos e aos erros que cometeu com Betty, parecendo estar a viver a segunda versão do primeiro casamento. No entanto, será Don, tal como Pete (e talvez Joan), uma das personagens que acabam por quebrar o ciclo.
Pete parece ser dos poucos que aprende com os próprios erros. A forma como lida com Bob, quando descobre a verdade sobre o seu passado, é sinal disso. Ele já viu aquela história antes, na pessoa de Don e, ao contrário do que aconteceu da primeira vez, não vai “espicaçar” o animal, por assim dizer, mas usá-lo a seu favor (resolução que dura pouco tempo). No fim, tal como Ted, deseja começar de novo, indo também para a Califórnia. Quanto a Joan, ainda não se sabe bem, mas a sua tomada de posição com a Avon parece indicar uma tentativa de mudança de rumo.
 
3) O Inferno
 
 
No fundo, este símbolo acaba por estar relacionado com o anterior. O primeiro episódio começa com Megan e Don no Havai, relaxando na praia. Don está a ler O Inferno de Dante (que, descobriremos mais tarde, pertence a Sylvia). E assim é introduzido todo o arco de Don Draper na sexta série. Don desce ao Inferno e, no fim, vira as costas ao demónio. Será o início da redenção?
 
4) A simbologia da morte como renascimento. Se houve uma constante nesta série foram as múltiplas referências a actos violentos e à morte. Não foram só referências históricas ao Vietname, ao aumento da criminalidade em Nova Iorque, à morte de Martin Luther King e Robert Kennedy, mas também actos de violência no ecrã – os repetidos ferimentos de Abe, Ginsberg a atingir Stan na mão, o sangue da ratazana no apartamento de Peggy, os sons das sirenes que se tornam cada vez mais audíveis ao longo dos episódios. Faz sentido num ano como 1968, um dos mais violentos da história recente dos Estados Unidos. Quem segue o Mad Style de Tom & Lorenzo, com a análise da série a partir do guarda-roupa, sabe que isso se reflectiu na palete de cores do vestuário, com as mulheres de negro, uma cor que apareceu e reapareceu constantemente na roupa feminina. No entanto, ao contrário das teorias alucinantes que foram surgindo online (como “Megan é Sharon Tate”, por exemplo), as referências à morte não eram indicação do desaparecimento literal de uma das personagens centrais, como aconteceu na série 5, com o suicídio de Lane. A morte é um símbolo de renascimento. É o potencial início da redenção de Dick Whitman que, pela primeira vez, admite aquilo que é, contando a sua verdadeira história perante a Hershey’s e, posteriormente, mostrando a casa onde cresceu aos seus filhos. Dick afasta-se de Don, deixa para trás a sua roupagem – como no anúncio ao hotel havaiano que apresenta no primeiro episódio – e assume a sua verdadeira identidade. Veremos, na próxima série, se este é o início do fim de Don Draper (a morte anunciada seria assim uma morte simbólica) e o regresso de Dick Whitman ao mundo dos vivos.
 
Posso dizer sem hesitação que a sexta temporada foi uma das minhas preferidas desta série. Começou de forma lenta e hesitante, mas toda a segunda metade foi magnífica. Justificou todos aqueles primeiros episódios que pareciam repetitivos, com o regresso a temas já repisados, mostrando que tudo isso era propositado e tinha um objectivo. Aliás, esta era a história que estava a ser contada – o ciclo infernal que Don quebra. Colocou Don numa situação interessante e revitalizou a sua história para a última série em 2014.
Quanto às outras personagens, Bob Benson foi uma das mais interessantes adições dos últimos tempos (espero que regresse para a sétima série) e Pete teve um dos arcos mais entusiasmantes do ano. Confesso, no entanto, que senti a falta de Joan e de Ginsberg. Espero que Matthew Weiner lhes dê mais material para o ano.
2014 será o último ano de vida de Mad Men. O que significa que só faltam 13 episódios para o fim. Espero, nos próximos tempos, voltar a esta discussão, mas queria muito que o K participasse nela, já que também viu a sexta série. Fazes isso, K?


Maria Braun