Este
post contém spoilers para a sexta temporada de Mad Men, ainda não exibida em
Portugal. Não leiam se não querem saber o que vai acontecer.
A
sexta temporada de Mad Men, se não particularmente subtil nas suas temáticas,
teve um final surpreendentemente eficaz. Depois de tantos
anos a seguir Don Draper, vê-lo quebrar frente aos homens da Hershey’s foi um dos
momentos mais emocionais de toda a série. Mas já lá vamos. Algumas
temáticas estiveram presentes durante os 13 episódios, alguns motivos
foram-se repetindo. Alguns dos mais evidentes são:
1) Os duplos/doppelgängers
1) Os duplos/doppelgängers
Este é um tema constante ao
longo dos episódios, em vários arcos centrais da temporada. Os mais óbvios são
Ted e Bob como duplos de Don, embora de formas diferentes. Bob é Don 2.0
(também já baptizado online como “Gay Don Draper”), mostrando-nos talvez como
seria Don 15 anos antes. É uma espécie de repetição distorcida de uma história
que conhecemos bem. Já Ted, apesar dos protestos de Peggy em contrário, é o seu
gémeo. Contudo, ele procura redenção (sobretudo com a decisão final de ir
para a Califórnia) e quer desesperadamente salvar a sua vida familiar e a sua integridade.
Podemos dizer que é uma espécie de “gémeo bom” de Don.
Temos ainda Sylvia e Aimée (assim como
a imagem da mãe no anúncio que Don procura em The Crash);
Ou Megan, que interpreta gémeas na sua
novela (a morena e a loira, tal como Betty nos primeiros episódios). Até Sally
cria um paralelo com Don no último episódio, com a falsa identidade e a bebida
e, finalmente, com a punição que ambos sofrem.
2) A
vida como um círculo infinito.
O primeiro ponto é, no fundo, um reflexo deste: os acontecimentos que se repetem vezes sem conta, embora sempre de formas ligeiramente
diferentes. Quando Robert Kennedy é assassinado, a mãe (demente) de Pete acorda
o filho para lhe dizer que mataram Kennedy; Pete, acreditando que a mãe estava
confusa e que se referia a JFK, diz-lhe “Isso aconteceu há anos”. Nesta linha, semelhante
ao que Betty diz no seu reencontro com Don, está sintetizado um dos temas
centrais da sexta série. Imagens que já vimos são-nos apresentadas de novo mas não exactamente da mesma forma. O episódio Man
With a Plan é quase todo ele baseado nesta ideia: Joan leva Peggy ao seu
novo escritório, como na primeira série; também Joan se encontra de novo na
sala de espera de um hospital, como na terceira série, desta vez não com Don
mas com o seu duplo Bob.
Esta repetição de acontecimentos e
imagens aponta para algo maior: a repetição de comportamentos, ou como
cometemos os mesmos erros vezes sem conta e estamos numa espécie de círculo
perpétuo onde tudo está destinado a ser repetido. Peggy é um excelente exemplo,
quer de moto próprio (as suas relações com os homens que marcam a sua vida) ou
de forma involuntária (o regresso à sombra de Don). Também Don regressa aos
seus velhos hábitos e aos erros que cometeu com Betty, parecendo estar a viver
a segunda versão do primeiro casamento. No entanto, será Don, tal como Pete (e
talvez Joan), uma das personagens que acabam por quebrar o ciclo.
Pete parece ser dos poucos que aprende
com os próprios erros. A forma como lida com Bob, quando descobre a
verdade sobre o seu passado, é sinal disso. Ele já viu aquela história antes, na
pessoa de Don e, ao contrário do que aconteceu da primeira vez, não vai
“espicaçar” o animal, por assim dizer, mas usá-lo a seu favor (resolução que
dura pouco tempo). No fim, tal como Ted, deseja começar de novo, indo também
para a Califórnia. Quanto a Joan, ainda não se sabe bem, mas a sua tomada de
posição com a Avon parece indicar uma tentativa de mudança de rumo.
3) O
Inferno
No fundo, este símbolo acaba por estar
relacionado com o anterior. O primeiro episódio começa com Megan e Don no
Havai, relaxando na praia. Don está a ler O
Inferno de Dante (que, descobriremos mais tarde, pertence a Sylvia). E
assim é introduzido todo o arco de Don Draper na sexta série. Don desce ao Inferno
e, no fim, vira as costas ao demónio. Será o início da redenção?
4) A
simbologia da morte como renascimento.
Se houve uma constante nesta série foram as múltiplas referências a actos violentos e
à morte. Não foram só referências históricas ao Vietname, ao aumento da
criminalidade em Nova Iorque, à morte de Martin Luther King e Robert Kennedy, mas
também actos de violência no ecrã – os repetidos ferimentos de Abe, Ginsberg a
atingir Stan na mão, o sangue da ratazana no apartamento de Peggy, os sons das
sirenes que se tornam cada vez mais audíveis ao longo dos episódios. Faz
sentido num ano como 1968, um dos mais violentos da história recente dos
Estados Unidos. Quem segue o Mad Style de Tom & Lorenzo, com a análise da
série a partir do guarda-roupa, sabe que isso se reflectiu na palete de cores
do vestuário, com as mulheres de negro, uma cor que apareceu e reapareceu
constantemente na roupa feminina. No entanto, ao contrário das teorias
alucinantes que foram surgindo online (como “Megan é Sharon Tate”, por exemplo),
as referências à morte não eram indicação do desaparecimento literal de uma das
personagens centrais, como aconteceu na série 5, com o suicídio de Lane. A
morte é um símbolo de renascimento. É o potencial início da redenção de Dick
Whitman que, pela primeira vez, admite aquilo que é, contando a sua verdadeira
história perante a Hershey’s e, posteriormente, mostrando a casa onde cresceu
aos seus filhos. Dick afasta-se de Don, deixa para trás a sua roupagem – como no
anúncio ao hotel havaiano que apresenta no primeiro episódio – e assume a sua
verdadeira identidade. Veremos, na próxima série, se este é o início do fim de
Don Draper (a morte anunciada seria assim uma morte simbólica) e o regresso de
Dick Whitman ao mundo dos vivos.
Posso dizer sem hesitação que a sexta
temporada foi uma das minhas preferidas desta série. Começou de forma lenta e
hesitante, mas toda a segunda metade foi magnífica. Justificou todos aqueles
primeiros episódios que pareciam repetitivos, com o regresso a temas já
repisados, mostrando que tudo isso era propositado e tinha um objectivo. Aliás,
esta era a história que estava a ser contada – o ciclo infernal que Don quebra.
Colocou Don numa situação interessante e revitalizou a sua história para a
última série em 2014.
Quanto às outras personagens, Bob
Benson foi uma das mais interessantes adições dos últimos tempos (espero que
regresse para a sétima série) e Pete teve um dos arcos mais entusiasmantes do ano.
Confesso, no entanto, que senti a falta de Joan e de Ginsberg. Espero que Matthew
Weiner lhes dê mais material para o ano.
2014 será o último ano de vida de Mad
Men. O que significa que só faltam 13 episódios para o fim. Espero, nos
próximos tempos, voltar a esta discussão, mas queria muito que o K participasse
nela, já que também viu a sexta série. Fazes isso, K?
Maria Braun