domingo, 3 de fevereiro de 2008

Regresso

- Ainda ontem entrei para lá e já me querem ver pelas costas.
- Não sei onde o pus, juro que não sei.
- Ela contou-me que o Jorge saiu da escola, e eu – isso não é possível.
- São uns filhos da mãe!
- E ela – apostas como foi por causa daquela cena de Segunda –, e eu – acho que não foi isso.
- Então, por aqui! Há quanto tempo!
- Talvez na gaveta da mesinha da cabeceira... procuraste-te lá?
- Devem já ter outro para o lugar! Outro queridinho do chefe...
- Como vai, D. Fátima?
- E ela – depois daquela escandaleira com o prof., ainda achas que não? – e eu – e aquela cena com a Sofia?
- Ah! Sabe como é, cá se vai andando. Uns dias bons, outros piores.
- No guarda-roupa, talvez. Naquela caixa lá em baixo.
- E ouvi falar de um sobrinho do boss. Um miúdo, acabado de sair das fraldas.
- E ela – não, ele já está noutra, não foi isso – e eu – e pensas que aquilo acabou assim?
- Na secretária, não sei... Já o procuraste na secretária?
- É a vida! Eu também tenho andado com uma dor aqui que nem lhe conto.
- E ela – claro que sim, achas que ele é desses – e eu – o que queres dizer com esses?
- Se calhar deixaste-o no trabalho...
- Ai, D. Albertina, eu também ando para aqui... Sabe o que lhe digo, o que é preciso é saúde. Só quando não a temos é que lhe damos valor!
- Ou na casa da tua mãe...
- Já pensaste em procurar outra coisa? Talvez encontres um sítio melhor.
- É verdade, a saúde é a coisa mais preciosa!
- E ela – desses como o João, aquele gajo ainda hoje me telefona – e eu – não fales do João, ele é um querido.
- E não tem preço, nem sai no Euromilhões.
- Se calhar perdeste-o no caminho. No autocarro, quem sabe.
- O que é preciso é saudinha?
- Isto está tão difícil. Muitos cães a um osso!
- E ela – pois tu e o João... – e eu – não sejas parva!
- Com a graça de Deus.
- Nunca se encontra aquilo que se procura!
Saltei do 16 para a rua. Está frio e o céu húmido. Respiro fundo, o ar entra-me nos pulmões. Ainda tenho a cidade nos ouvidos.

Sally Bowles