quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Férias

O Norte cheira a lareira e vinho verde, à terra húmida do orvalho nocturno. As férias eram frias e chuvosas, constantes na procura do crepitar quente dos ramos de eucalipto. Mas lá fora tudo era uma aventura, saltar os penedos (“quem salta o mais alto?”), correr atrás dos animais, tentar sachar sem poder com a enxada. O espaço era imenso e os dias intermináveis. Só o escurecer nos conduzia à casa, talhada no granito austero, mais escura do que o próprio céu. No escano, uma mulher velha, um terço nas mãos, a cabeça a cair de sono. O gato ronronante roçando-se nas galochas enlameadas. O fogo estala. “Não brinques com o fogo que fazes chichi na cama!”. E a cama estava gelada e húmida, os cobertores cheiravam a mofo. Na parede, o estuque caía. Adormecia a olhar para ela, a tocar as irregularidades, a encher os dedos de pó. Evitava a janela. “À noite, tem cuidado. Vês aquelas luzes ali ao fundo? São as bruxas a dançar... se elas te virem, atiram-te com um pente.”. O silêncio trazia todas as vozes, o chão a estalar, o vento contra os vidros, os uivos do lobo lá longe mas que parecia tão próximo. Voltarei a acordar, Senhor?
Regresso ao sul na madrugada. Ainda o escuro lá fora e o reboliço cá dentro. Carregar o carro com as malas feitas. O pão duro e a tigela de leite servidos em camisa de dormir. A pele rugosa a revelar-se pelo decote recatado, os olhos fundos e cansados, submersos pela partida de um filho. O sono (ou a dor) enrouquecia-lhe a voz. “Ide com calma! Tenham cuidado com a estrada!”. As lágrimas pontoavam o adeus e a incerteza se, da próxima vez, todos ainda ali estariam. A partida sabia a sal.
Sally Bowles