quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Feminismos: Kenji Mizoguchi

Na entrada sobre Imitação de Vida mencionou-se a força das mulheres de Douglas Sirk. Talvez por associação de ideias, resolvi rever um dos poucos filmes de Kenji Mizoguchi que se encontram editados em Portugal, As Irmãs de Gion. Apesar de preferir os filmes mais tardios do realizador japonês, como o incontornável Ugetsu Monogatari (Contos da Lua Vaga), Os Amantes Crucificados ou Oharu (para quando uma edição em DVD destes filmes!), considero As Irmãs de Gion um dos seus melhores.
Há quem chame “feminista” a Mizoguchi. Independentemente da justiça deste adjectivo, há um facto inegável no cinema deste realizador – as suas mulheres têm personalidade (apesar do seu pendor sacrificial), os homens são fracos e traiçoeiros. Eles são capazes de vender e trair mulheres que tudo lhes deram e que por eles voluntariamente se sacrificam. Os possíveis remorsos que qualquer um destes homens possa sentir nunca poderão ser compensação suficiente para a dor que causaram. E, no entanto, as mulheres (mas não os espectadores) parecem muitas vezes perdoá-los. Feminista ou não, Mizoguchi fala-nos constantemente, e como nenhum outro, da condição feminina num Japão tradicional. Veja-se As Irmãs de Gion: independentemente da postura de cada uma delas, da forma oposta como vêem a sua posição no mundo e a sua relação com o sexo oposto, nenhuma delas poderá alguma vez ganhar. Serão sempre e constantemente vencidas, seja a submissa gueixa que acredita que deve honrar os homens, sobretudo aqueles que a “protegeram”, e que comete o erro de ser fiel ao seu “protector” agora falido; seja a sua irmã, educada na escola, que despreza os homens e os vê como instrumentos para a sua própria ascensão.
Quem conhece a biografia de Mizoguchi sabe o que se encontra por trás destes filmes – os homens são como o seu pai, homem falido que entregou a própria filha a uma casa de gueixas; nas mulheres vê-se a sombra da sorte da sua irmã. Este acontecimento da sua juventude é constantemente revisitado, filme após filme, e marca o tomar de consciência de Mizoguchi para a condição das mulheres.
Mizoguchi é um cineasta notável. As suas histórias aparentemente simples escondem um mundo. Quem viu os seus filmes nunca esquecerá, por muito tempo que passe, a beleza das imagens, a fantasmagórica dança de Machiko Kyô em Ugetsu, o caminhar de Kwei-Fei para a morte, a paz e felicidade no rosto dos amantes crucificados. Agora espera-se que estas gemas, que começam a aparecer pouco a pouco em DVD no nosso país, continuem a ser redescobertas e editadas, sobretudo os filmes dos anos 50. Vamos a isso?

Maria Braun