quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Discórdias em torno de Woody

Acho que estou em minoria no que diz respeito ao último filme de Woody Allen. Não é assim tão mau – estou mais próxima, neste caso, da posição dos críticos do Expresso do que do Público – e algumas críticas têm sido bastante injustas. A questão é se os críticos acham que este é um mau filme ou se acham que é um mau filme de Woody Allen. É totalmente diferente. Eu diria que não é um mau filme, mas não é uma obra-prima de Allen. Se compararmos com outros filmes dele, é menor; se compararmos com outros filmes em exibição, é decente.
Suponho que a minha querela com a crítica tem a ver com outro facto – é que eu também estou na minoria em relação a Match Point e, portanto, não sinto que O Sonho de Cassandra seja uma desilusão a seguir àquele filme. Para ser sincera, não acho Match Point nada de especial. E sei que vou irritar a maior parte dos críticos – e sublinho aqui o masculino da palavra – porque o filme, uma espécie de Crime e Castigo na Londres contemporânea, foi estragado pela interpretação de uma certa starlet com aspirações a actriz séria (ah!), cujo nome agora me escapa. Houve um momento em que me interroguei se não estaria a ver uma peça de liceu. Esta falha ainda era mais visível graças ao brilhante elenco secundário – Brian Cox, Emily Mortimer, Penelope Wilton… Actores a sério, portanto. Por algum motivo, também, Scoop é a única longa-metragem de Allen para cinema que eu nunca vi. Mas não é só isso. Conhecendo demasiado bem a cidade de Londres, o filme soa a falso (será que toda a gente trabalha no Gherkin? Apartamento com vista para o Parlamento? A classe média-baixa a morar em Marylebone?), talvez com a excepção de pedirem 220 libras por semana por um armário.
Mas não pensem que estou aqui para destilar veneno. Afinal, apenas quero falar d’ O Sonho de Cassandra. É certo que os sotaques de McGregor e Farrell não soam bem; é verdade que Londres continua a não ser realista. Mas Manhattan também nunca o é nos filmes de Woody Allen. Este é um filme com excelentes desempenhos – Farrell dá a sua melhor interpretação até agora, McGregor é luminoso como sempre, Atwell confirma as esperanças depois da sua Cat em A Linha da Beleza, todo o elenco é notável – e com uma ideia de base bastante interessante. Allen volta ao tema da ascensão social, iniciando o filme quase como um kitchen-sink britânico, transformando-o depois numa tragédia grega sobre família, destino, consciência e morte. É previsível, sem dúvida, os diálogos são repetitivos, não é visualmente brilhante e Woody não tem ouvido para o inglês de Inglaterra. No entanto, é uma pequena história bem construída. Para além disso, ao contrário do que alguma crítica portuguesa afirma, é um filme recheado de humor negro e perverso.
Para mim, Allen é um ritual anual desde os 12 anos. Antes disso, via as obras dele em casa, enquanto filha de fanáticos de Woody, que não perdiam um filme dele e que me quiseram incutir o gosto por um dos seus realizadores preferidos. Por isso, é muito doloroso, hoje enquanto twentysomething, quando um filme de Allen não enche as medidas, como tem acontecido nos últimos anos. Contudo, apesar de saber que este não é um grande Allen, não saí da sala de cinema completamente desiludida. Acho que este é o maior elogio que posso fazer a O Sonho de Cassandra.

Maria Braun