terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Cinema e verdade - a revolução Vertov


O Homem da Câmara de Filmar

No domingo passado encontrei à venda, numa edição portuguesa, o clássico O Homem da Câmara de Filmar (1929) de Dziga Vertov. Não sabia que já estava disponível, até porque tenho o DVD na edição do British Film Institute. Se a qualidade desta edição for boa, este é, sem dúvida, um importante lançamento. Vertov é um dos inovadores pais do cinema, sempre experimentando e revolucionando o meio com invulgar mestria. O Homem da Câmara de Filmar é não só um marco para o cinema documental, mas também para o cinema em geral como forma de arte. Vertov acreditava que o cinema devia registar a vida real e considerava a ficção cinematográfica como género inferior, como uma degeneração do artifício teatral – como “ópio do povo”. No entanto, Vertov foi um dos grandes teóricos do cinema e, nos seus filmes, a estética, o ritmo e a composição das imagens era fundamental. A genialidade de O Homem da Câmara de Filmar está, também, nessa qualidade de teórico, que é posta em prática no filme. Este não é apenas um documentário sobre um dia na vida de uma cidade, ao estilo das experiências artísticas das “sinfonias da cidade” dos anos 20 – é, também, um filme sobre o papel do cineasta. Vemos o processo da filmagem e da montagem do filme, ao mesmo tempo que assistimos ao próprio filme. Este é, na sua essência, um ensaio sobre a importância da câmara e do cinema nos tempos modernos.
Infelizmente, se Vertov foi protegido por Lenine – que entendeu de imediato a importância política que o cinema pode ter –, acabou ser uma das vítimas criativas de Estaline. Com os seus filmes arrojados e filmados sem argumento, desafiava o desejo de controlo absoluto de Estaline, assim como os parâmetros do realismo socialista. Foi afastado nos anos 30 e relegado para funções secundárias. No entanto, o seu legado, não só no cinema russo mas sobretudo fora das fronteiras do seu país natal (veja-se o cinéma vérité dos anos 60, que foi buscar o seu nome ao kino-pravda de Vertov e que o menciona explicitamente como precursor), ainda hoje é sentido. Esse legado não se limita ao cinema documental mas faz-se sentir especialmente – e temos de apreciar a ironia deste facto – no cinema ficcional. Pelo seu papel histórico, este filme merece estar nas prateleiras de qualquer cinéfilo digno desse nome.

Maria Braun