terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Ozonesque?
Gouttes d'Eau sur Pierres Brûlantes
Alguém ainda se lembra da frustração, na viragem de século, da espera pelos filmes de François Ozon, então afamado “enfant terrible” do cinema francês? Lia-se tanto sobre ele, sobre os seus filmes provocadores, mas não havia maneira de estrearem por cá. Só graças ao canal Arte é que alguns portugueses tiveram acesso a curtas e longas-metragens de Ozon antes de finalmente estrear Sous le Sable, o primeiro exibido comercialmente em Portugal – e, claro, o primeiro filme mais ou menos “mainstream” do realizador francês. Se Sous le Sable é, ainda, o pico do cinema de Ozon, a sua obra mais completa e equilibrada, a esse filme seguiu-se uma crise criativa, com trabalhos menores como 8 Mulheres, 5x2 ou o fraco Swimming Pool, que agora esperamos, embora com algum cepticismo, ter sido superada, depois do promissor Le Temps qui Reste (ainda não vi Angel, por isso não comento). O que isto significa, portanto, é que aqueles filmes que deram notoriedade a Ozon, as suas obras mais interessantes, ainda que não necessariamente as mais homogéneas, continuam inéditas por cá. É uma pena, até porque tenho um fraquinho por um destes filmes, talvez o meu preferido, Gouttes d’Eau sur Pierres Brûlantes. Gouttes d’Eau… é uma adaptação de uma peça escrita por Fassbinder e decorre na Alemanha dos anos 70. Crónica de uma relação destrutiva, da mais recente vítima de um homem sedutor e predatório, que conquista e descarta amantes com a mesma facilidade insensível – Gouttes d’Eau tem um dos momentos mais deliciosos do cinema europeu dos últimos anos. Delicioso porque é completamente incongruente, inesperado, surreal e contrário ao tom do resto do filme. A dança das quatro personagens, envolvidas em complicadas teias amorosas, ao som de uma canção pop alemã da década de 70, é aquilo que na gíria da Internet se chamaria um momento WTF. Aqui fica, para ver e rever.
Maria Braun
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Discórdias em torno de Woody
Acho que estou em minoria no que diz respeito ao último filme de Woody Allen. Não é assim tão mau – estou mais próxima, neste caso, da posição dos críticos do Expresso do que do Público – e algumas críticas têm sido bastante injustas. A questão é se os críticos acham que este é um mau filme ou se acham que é um mau filme de Woody Allen. É totalmente diferente. Eu diria que não é um mau filme, mas não é uma obra-prima de Allen. Se compararmos com outros filmes dele, é menor; se compararmos com outros filmes em exibição, é decente.
Suponho que a minha querela com a crítica tem a ver com outro facto – é que eu também estou na minoria em relação a Match Point e, portanto, não sinto que O Sonho de Cassandra seja uma desilusão a seguir àquele filme. Para ser sincera, não acho Match Point nada de especial. E sei que vou irritar a maior parte dos críticos – e sublinho aqui o masculino da palavra – porque o filme, uma espécie de Crime e Castigo na Londres contemporânea, foi estragado pela interpretação de uma certa starlet com aspirações a actriz séria (ah!), cujo nome agora me escapa. Houve um momento em que me interroguei se não estaria a ver uma peça de liceu. Esta falha ainda era mais visível graças ao brilhante elenco secundário – Brian Cox, Emily Mortimer, Penelope Wilton… Actores a sério, portanto. Por algum motivo, também, Scoop é a única longa-metragem de Allen para cinema que eu nunca vi. Mas não é só isso. Conhecendo demasiado bem a cidade de Londres, o filme soa a falso (será que toda a gente trabalha no Gherkin? Apartamento com vista para o Parlamento? A classe média-baixa a morar em Marylebone?), talvez com a excepção de pedirem 220 libras por semana por um armário.
Mas não pensem que estou aqui para destilar veneno. Afinal, apenas quero falar d’ O Sonho de Cassandra. É certo que os sotaques de McGregor e Farrell não soam bem; é verdade que Londres continua a não ser realista. Mas Manhattan também nunca o é nos filmes de Woody Allen. Este é um filme com excelentes desempenhos – Farrell dá a sua melhor interpretação até agora, McGregor é luminoso como sempre, Atwell confirma as esperanças depois da sua Cat em A Linha da Beleza, todo o elenco é notável – e com uma ideia de base bastante interessante. Allen volta ao tema da ascensão social, iniciando o filme quase como um kitchen-sink britânico, transformando-o depois numa tragédia grega sobre família, destino, consciência e morte. É previsível, sem dúvida, os diálogos são repetitivos, não é visualmente brilhante e Woody não tem ouvido para o inglês de Inglaterra. No entanto, é uma pequena história bem construída. Para além disso, ao contrário do que alguma crítica portuguesa afirma, é um filme recheado de humor negro e perverso.
Para mim, Allen é um ritual anual desde os 12 anos. Antes disso, via as obras dele em casa, enquanto filha de fanáticos de Woody, que não perdiam um filme dele e que me quiseram incutir o gosto por um dos seus realizadores preferidos. Por isso, é muito doloroso, hoje enquanto twentysomething, quando um filme de Allen não enche as medidas, como tem acontecido nos últimos anos. Contudo, apesar de saber que este não é um grande Allen, não saí da sala de cinema completamente desiludida. Acho que este é o maior elogio que posso fazer a O Sonho de Cassandra.
Maria Braun
Suponho que a minha querela com a crítica tem a ver com outro facto – é que eu também estou na minoria em relação a Match Point e, portanto, não sinto que O Sonho de Cassandra seja uma desilusão a seguir àquele filme. Para ser sincera, não acho Match Point nada de especial. E sei que vou irritar a maior parte dos críticos – e sublinho aqui o masculino da palavra – porque o filme, uma espécie de Crime e Castigo na Londres contemporânea, foi estragado pela interpretação de uma certa starlet com aspirações a actriz séria (ah!), cujo nome agora me escapa. Houve um momento em que me interroguei se não estaria a ver uma peça de liceu. Esta falha ainda era mais visível graças ao brilhante elenco secundário – Brian Cox, Emily Mortimer, Penelope Wilton… Actores a sério, portanto. Por algum motivo, também, Scoop é a única longa-metragem de Allen para cinema que eu nunca vi. Mas não é só isso. Conhecendo demasiado bem a cidade de Londres, o filme soa a falso (será que toda a gente trabalha no Gherkin? Apartamento com vista para o Parlamento? A classe média-baixa a morar em Marylebone?), talvez com a excepção de pedirem 220 libras por semana por um armário.
Mas não pensem que estou aqui para destilar veneno. Afinal, apenas quero falar d’ O Sonho de Cassandra. É certo que os sotaques de McGregor e Farrell não soam bem; é verdade que Londres continua a não ser realista. Mas Manhattan também nunca o é nos filmes de Woody Allen. Este é um filme com excelentes desempenhos – Farrell dá a sua melhor interpretação até agora, McGregor é luminoso como sempre, Atwell confirma as esperanças depois da sua Cat em A Linha da Beleza, todo o elenco é notável – e com uma ideia de base bastante interessante. Allen volta ao tema da ascensão social, iniciando o filme quase como um kitchen-sink britânico, transformando-o depois numa tragédia grega sobre família, destino, consciência e morte. É previsível, sem dúvida, os diálogos são repetitivos, não é visualmente brilhante e Woody não tem ouvido para o inglês de Inglaterra. No entanto, é uma pequena história bem construída. Para além disso, ao contrário do que alguma crítica portuguesa afirma, é um filme recheado de humor negro e perverso.
Para mim, Allen é um ritual anual desde os 12 anos. Antes disso, via as obras dele em casa, enquanto filha de fanáticos de Woody, que não perdiam um filme dele e que me quiseram incutir o gosto por um dos seus realizadores preferidos. Por isso, é muito doloroso, hoje enquanto twentysomething, quando um filme de Allen não enche as medidas, como tem acontecido nos últimos anos. Contudo, apesar de saber que este não é um grande Allen, não saí da sala de cinema completamente desiludida. Acho que este é o maior elogio que posso fazer a O Sonho de Cassandra.
Maria Braun
domingo, 20 de janeiro de 2008
Lembram-se da primeira vez?
Pulp, Disco 2000
Quem se recorda de chegar da escola, em 95/96, e ligar a televisão, na esperança que a MTV ou a VH1 passassem um vídeo dos Pulp?
Maria Braun
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
Cinema e verdade - a revolução Vertov
O Homem da Câmara de Filmar
No domingo passado encontrei à venda, numa edição portuguesa, o clássico O Homem da Câmara de Filmar (1929) de Dziga Vertov. Não sabia que já estava disponível, até porque tenho o DVD na edição do British Film Institute. Se a qualidade desta edição for boa, este é, sem dúvida, um importante lançamento. Vertov é um dos inovadores pais do cinema, sempre experimentando e revolucionando o meio com invulgar mestria. O Homem da Câmara de Filmar é não só um marco para o cinema documental, mas também para o cinema em geral como forma de arte. Vertov acreditava que o cinema devia registar a vida real e considerava a ficção cinematográfica como género inferior, como uma degeneração do artifício teatral – como “ópio do povo”. No entanto, Vertov foi um dos grandes teóricos do cinema e, nos seus filmes, a estética, o ritmo e a composição das imagens era fundamental. A genialidade de O Homem da Câmara de Filmar está, também, nessa qualidade de teórico, que é posta em prática no filme. Este não é apenas um documentário sobre um dia na vida de uma cidade, ao estilo das experiências artísticas das “sinfonias da cidade” dos anos 20 – é, também, um filme sobre o papel do cineasta. Vemos o processo da filmagem e da montagem do filme, ao mesmo tempo que assistimos ao próprio filme. Este é, na sua essência, um ensaio sobre a importância da câmara e do cinema nos tempos modernos.
Infelizmente, se Vertov foi protegido por Lenine – que entendeu de imediato a importância política que o cinema pode ter –, acabou ser uma das vítimas criativas de Estaline. Com os seus filmes arrojados e filmados sem argumento, desafiava o desejo de controlo absoluto de Estaline, assim como os parâmetros do realismo socialista. Foi afastado nos anos 30 e relegado para funções secundárias. No entanto, o seu legado, não só no cinema russo mas sobretudo fora das fronteiras do seu país natal (veja-se o cinéma vérité dos anos 60, que foi buscar o seu nome ao kino-pravda de Vertov e que o menciona explicitamente como precursor), ainda hoje é sentido. Esse legado não se limita ao cinema documental mas faz-se sentir especialmente – e temos de apreciar a ironia deste facto – no cinema ficcional. Pelo seu papel histórico, este filme merece estar nas prateleiras de qualquer cinéfilo digno desse nome.
Maria Braun
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
Spin me round like a record
Diz Irwin, o jovem e cínico professor de História:
If you want to learn about Stalin, study Henry VIII.
If you want to learn about Mrs. Thatcher, study Henry VIII.
If you want to know about Hollywood, study Henry VIII.
The wrong end of the stick is the right one. A question has a front door and a back door. Go in the back, or better still, the side.
Flee the crowd. Follow Orwell. Be perverse.
And since I mention Orwell, take Stalin. Generally agreed to be a monster, and rightly. So dissent. Find something, anything, to say in his defence.
History nowadays is not a matter of conviction.
It’s a performance. It’s entertainment. And if it isn’t, make it so.
Alan Bennett, The History Boys
Maria Braun
If you want to learn about Stalin, study Henry VIII.
If you want to learn about Mrs. Thatcher, study Henry VIII.
If you want to know about Hollywood, study Henry VIII.
The wrong end of the stick is the right one. A question has a front door and a back door. Go in the back, or better still, the side.
Flee the crowd. Follow Orwell. Be perverse.
And since I mention Orwell, take Stalin. Generally agreed to be a monster, and rightly. So dissent. Find something, anything, to say in his defence.
History nowadays is not a matter of conviction.
It’s a performance. It’s entertainment. And if it isn’t, make it so.
Alan Bennett, The History Boys
Maria Braun
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Feminismos: Kenji Mizoguchi
Na entrada sobre Imitação de Vida mencionou-se a força das mulheres de Douglas Sirk. Talvez por associação de ideias, resolvi rever um dos poucos filmes de Kenji Mizoguchi que se encontram editados em Portugal, As Irmãs de Gion. Apesar de preferir os filmes mais tardios do realizador japonês, como o incontornável Ugetsu Monogatari (Contos da Lua Vaga), Os Amantes Crucificados ou Oharu (para quando uma edição em DVD destes filmes!), considero As Irmãs de Gion um dos seus melhores.
Há quem chame “feminista” a Mizoguchi. Independentemente da justiça deste adjectivo, há um facto inegável no cinema deste realizador – as suas mulheres têm personalidade (apesar do seu pendor sacrificial), os homens são fracos e traiçoeiros. Eles são capazes de vender e trair mulheres que tudo lhes deram e que por eles voluntariamente se sacrificam. Os possíveis remorsos que qualquer um destes homens possa sentir nunca poderão ser compensação suficiente para a dor que causaram. E, no entanto, as mulheres (mas não os espectadores) parecem muitas vezes perdoá-los. Feminista ou não, Mizoguchi fala-nos constantemente, e como nenhum outro, da condição feminina num Japão tradicional. Veja-se As Irmãs de Gion: independentemente da postura de cada uma delas, da forma oposta como vêem a sua posição no mundo e a sua relação com o sexo oposto, nenhuma delas poderá alguma vez ganhar. Serão sempre e constantemente vencidas, seja a submissa gueixa que acredita que deve honrar os homens, sobretudo aqueles que a “protegeram”, e que comete o erro de ser fiel ao seu “protector” agora falido; seja a sua irmã, educada na escola, que despreza os homens e os vê como instrumentos para a sua própria ascensão.
Quem conhece a biografia de Mizoguchi sabe o que se encontra por trás destes filmes – os homens são como o seu pai, homem falido que entregou a própria filha a uma casa de gueixas; nas mulheres vê-se a sombra da sorte da sua irmã. Este acontecimento da sua juventude é constantemente revisitado, filme após filme, e marca o tomar de consciência de Mizoguchi para a condição das mulheres.
Mizoguchi é um cineasta notável. As suas histórias aparentemente simples escondem um mundo. Quem viu os seus filmes nunca esquecerá, por muito tempo que passe, a beleza das imagens, a fantasmagórica dança de Machiko Kyô em Ugetsu, o caminhar de Kwei-Fei para a morte, a paz e felicidade no rosto dos amantes crucificados. Agora espera-se que estas gemas, que começam a aparecer pouco a pouco em DVD no nosso país, continuem a ser redescobertas e editadas, sobretudo os filmes dos anos 50. Vamos a isso?
Maria Braun
Há quem chame “feminista” a Mizoguchi. Independentemente da justiça deste adjectivo, há um facto inegável no cinema deste realizador – as suas mulheres têm personalidade (apesar do seu pendor sacrificial), os homens são fracos e traiçoeiros. Eles são capazes de vender e trair mulheres que tudo lhes deram e que por eles voluntariamente se sacrificam. Os possíveis remorsos que qualquer um destes homens possa sentir nunca poderão ser compensação suficiente para a dor que causaram. E, no entanto, as mulheres (mas não os espectadores) parecem muitas vezes perdoá-los. Feminista ou não, Mizoguchi fala-nos constantemente, e como nenhum outro, da condição feminina num Japão tradicional. Veja-se As Irmãs de Gion: independentemente da postura de cada uma delas, da forma oposta como vêem a sua posição no mundo e a sua relação com o sexo oposto, nenhuma delas poderá alguma vez ganhar. Serão sempre e constantemente vencidas, seja a submissa gueixa que acredita que deve honrar os homens, sobretudo aqueles que a “protegeram”, e que comete o erro de ser fiel ao seu “protector” agora falido; seja a sua irmã, educada na escola, que despreza os homens e os vê como instrumentos para a sua própria ascensão.
Quem conhece a biografia de Mizoguchi sabe o que se encontra por trás destes filmes – os homens são como o seu pai, homem falido que entregou a própria filha a uma casa de gueixas; nas mulheres vê-se a sombra da sorte da sua irmã. Este acontecimento da sua juventude é constantemente revisitado, filme após filme, e marca o tomar de consciência de Mizoguchi para a condição das mulheres.
Mizoguchi é um cineasta notável. As suas histórias aparentemente simples escondem um mundo. Quem viu os seus filmes nunca esquecerá, por muito tempo que passe, a beleza das imagens, a fantasmagórica dança de Machiko Kyô em Ugetsu, o caminhar de Kwei-Fei para a morte, a paz e felicidade no rosto dos amantes crucificados. Agora espera-se que estas gemas, que começam a aparecer pouco a pouco em DVD no nosso país, continuem a ser redescobertas e editadas, sobretudo os filmes dos anos 50. Vamos a isso?
Maria Braun
domingo, 6 de janeiro de 2008
Un crime, vite, ou certos estados de alma
Je me crois en enfer, donc j’y suis. C’est l’éxecution, du catéchisme. Je suis esclave de mon baptême. Parents, vous avez fait mon malheur et vous avez fait le vôtre. Pauvre innocent ! – L’enfer ne peut attaquer les païens. – C’est la vie encore ! Plus tard, les délices de la damnation seront plus profondes. Un crime, vite, que je tombe au néant, de par la loi humaine.
Arthur Rimbaud, "Nuit de l'Enfer", Une Saison en Enfer
Maria Braun
Arthur Rimbaud, "Nuit de l'Enfer", Une Saison en Enfer
Maria Braun
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