terça-feira, 27 de novembro de 2007

Be a confuser

Eram três da tarde. O céu estava limpo e o vento soprava forte de quadrante este. Humidade relativa, risco de precipitação nas próximas 24 horas. Olhos da estrada e Art Sullivan no auto-rádio, ela seguia rumo ao Sul. Haviam combinado encontrar-se no quilómetro 140 da Nacional. Era a meio caminho de casa. Seguia relutante mas ansiosa. Ao longe, lá estava ele, dentro do seu fato tweed, elegante, riscas azuis finas, riscas vermelhas mais largas, ele gosta de riscas. A cartola púrpura, sempre púrpura como um cardeal.
- Vieste tarde.
- Eu sei... Encontrei um engarrafamento em Alcácer. Um acidente... Cegonhas, muitas cegonhas, raio das cegonhas!
- Prefiro patos.
- Eu sou mais periquitos. Trouxeste?
- É claro.
Ele estendeu o pacote. Os seus dedos gordos e luzidios tocavam-no como a um corpo morto. Sentia o sangue a pulsar nas veias de emoção.
- Cola-Cao!
- Como combinámos. Mas tem cuidado. Já vi muitos perderem-se por isso. A Lola foi parar ao veterinário, lembras-te?
- Era Nesquick, meu caro. Só Nesquick.
Já não tinham mais nada para dizer um ao outro, o tempo parecia estar a mudar. E as cegonhas... podiam vir as cegonhas! Ela entrou no carro e fez-se à estrada. Aconchegou o pacote no cobertor do Mickey. Os pelos de gato não lhe iriam fazer mal e assim ficava mais quente.
Faltava pouco para chegar quando viu o carro. Era a polícia.
- Merda!
Poderia fugir, poderia carregar no acelerador e fugir. Mas não. Fugir para onde, com a Marateca ali tão perto? Mandou-a encostar. Ela obedeceu, submissa.
- Boa tarde, minha senhora!
- Boa tarde!
- Faça o favor de me apresentar o seu Platão.
- O meu Platão?!
- Sim, minha senhora.
- Mas só tenho aqui o meu Parménides.
- Não aceitamos pré-socráticos desde Outubro.
- Aristóteles?
- Só a norte do Tejo, minha senhora.
- Mas senhor guarda... Deixe-me cá ver – nervosamente, ela revolvia o porta-luvas. Luvas, luvas, umas chaves, luvas, mais luvas, uma sombrinha de cocktail, luvas, a pastilha de morango que não via desde a semana passada, doce pastinha, como me lembro dela, céus! – E a Anita?
- A Anita?! Mmmm. Assim o caso muda de figura. Deixe-me cá ver – ele abriu o livro sem cerimónia – Muito bem. E foi a Helsínquia...
- Com o chiwawa.
- Eles crescem depressa, não é verdade?
- E como!
- O meu já tem cinco anos. Ora bem, a senhora pode prosseguir. Não vou registar a ocorrência.
- Obrigada, senhor guarda! Adoro a sua écharpe.
- Hoje acordei um pouco pálido, sabe? Então boa tarde!
- Até qualquer dia.
Respirou fundo de alívio. Ainda não foi hoje, o seu segredo estava bem guardado. Podia voltar a casa antes do chá.

To be continued

Sally Bowles