Uma
série de televisão sobre a qual nunca falei no blog é Sherlock. Como isso aconteceu não sei. Esta é a única série que
sigo quase tão obsessivamente quanto Mad Men (quase…). Aproveito, assim, o
estarmos em período de prémios para escrever um post sobre ela. Sherlock foi este ano nomeado para 13
Emmys (incluindo mini-série, actor e actor secundário para Benedict Cumberbatch
e Martin Freeman respectivamente). Já conquistou vários BAFTA, incluindo série
dramática e actor secundário para Freeman em 2011 e para Andrew Scott (o novo
Moriarty) em 2012. Dia 23 de Setembro vou torcer por eles.
Sherlock marcou o meu Verão de 2010 em
termos televisivos, foi uma lufada de ar fresco, sobretudo durante aqueles
meses em que não há nada para ver. Desde então estreou a segunda série na BBC,
no início de 2012. Ano e meio de espera por três episódios. Sim, porque a
definição de série, neste caso, é bem interessante: três episódios de hora e
meia cada, a cada quase dois anos. Mas vale a pena, ainda que não tenha gostado
tanto da segunda série quanto da primeira. A
Study in Pink continua a ser imbatível, do meu ponto de vista. No entanto,
a segunda série trouxe aquele que é, muito possivelmente, o meu segundo
episódio preferido, The Reichenbach Fall.
Não quero estragar o episódio para quem não o viu, mas deixo uma pista: como o
nome indica, é uma variação da famosa história The Final Problem, o grande embate final entre Holmes e Moriarty.
“Variação”
é, aliás, a palavra que melhor define o espírito da série. Os criadores Steven
Moffat e Mark Gatiss são grandes fãs das histórias originais de Conan Doyle e
respeitam-nas ao máximo. Para quem já as leu, eles oferecem pequenos presentes,
pequenas referências divertidas aos contos originais, embrulhadas no enredo dos
episódios. Por vezes, um episódio refere várias histórias, condensando-as numa
só. O triunfo de Sherlock é precisamente esse, o de criar histórias novas
respeitando de tal forma o espírito dos originais que até os fãs mais puristas
foram convertidos. As interpretações de Cumberbatch e Freeman também ajudam.
A Study in Pink era uma variação de A Study in Scarlet, a primeira aventura
de Holmes, na qual o detective e John Watson se conhecem pela primeira vez,
quando ambos procuram alguém com quem dividir um apartamento no centro de
Londres. No episódio, tal como na história original, o doutor Watson é um
médico do exército que acaba de chegar do Afeganistão, onde foi ferido (parece
que as coisas pouco mudam ao longo do tempo). Esta não é uma história muitas vezes
adaptada ao ecrã e talvez por isso tenha sido entusiasmante ver o primeiro
encontro, a química instantânea, o forjar de uma amizade para a vida toda. A Study in Pink foi um episódio tão fresco
e diferente que, mesmo se episódios futuros venham a ser melhores, aquilo que
se sente ao descobrir esta história é irrepetível. Já The Reichenbach Fall é um final fabuloso, que nos deixa pendurados
num “cliffhanger” até meados de 2013 (a terceira série só começará a ser
filmada no início do próximo ano, com a estreia prevista lá para o Outono). Foi
um final inteligente que causou imenso debate quando o episódio passou na BBC e
que continuará a provocar imensa especulação, um final que, como disse antes,
quem leu The Final Problem pode
adivinhar como será.
Mas
falar de Sherlock é impossível sem mencionar Benedict Cumberbatch, um dos
grandes responsáveis pelo sucesso da série. Tal como Holmes nas histórias
originais, o personagem que Cumberbatch interpreta é um homem totalmente
moderno, viciado nas mais avançadas tecnologias. O seu Sherlock Holmes é
carismático, difícil, maníaco, superinteligente, cortante, ao mesmo tempo
assexual e estranhamente atraente. É alguém absolutamente fascinante. Se o
final da segunda série tem sido tema de incessante debate, a ambiguidade da sua
relação com John Watson (e a ambiguidade da própria sexualidade de Holmes) foi
o maior tema de especulação entre os espectadores ao longo das duas séries. Amizade?
Amor platónico entre um heterossexual e um assexual? Algo bem mais complicado
do que isso? Martin
Freeman, em entrevistas, já disse que lê a relação entre o seu personagem e
Holmes como “a love story”.
A
verdade é que Watson serve como figura “humanizadora” e que essa “humanização”
de Sherlock é o arco de toda a primeira série. Quando somos apresentados a
Sherlock, ele vê o homicídio como um jogo, como um puzzle com o qual entretém a
sua mente, aparentemente indiferente ao sofrimento e aos sentimentos humanos –
quando chegamos ao 3º episódio, a máscara de indiferença cai quando é a vida do
próprio Watson que está em jogo. De repente, deixa de ser uma brincadeira. O
Holmes que encontramos na 2ª série já é um homem diferente, em processo de
mutação, mais sensível aos sentimentos alheios (como se vê na mudança gradual
da sua relação com Molly e no desenvolvimento de uma relação mãe-filho com Mrs
Hudson), um homem que já admite ter amigos – Watson no segundo episódio,
Lestrade, Molly e Mrs Hudson no terceiro – e que está disposto a tudo para
protegê-los. Por essa razão, a relação entre Sherlock Holmes e John Watson será
sempre a relação central da série e encontrar os actores com a química certa
para interpretar os dois papéis algo de fundamental para o seu sucesso. Sem
Cumberbatch e Freeman, Sherlock não seria o triunfo que é hoje. Freeman
consegue balançar a interpretação de Cumberbatch com uma representação mais
reservada, transmitindo a imagem do everyman,
o homem comum apanhado por circunstâncias extraordinárias, o ainda jovem médico
afectado pela guerra, que vai ver a sua existência normal alterada para sempre
pelo forjar de uma nova amizade.
A
outra relação central é a de Holmes e Moriarty, na qual é difícil entrar sem
“spoilers”. De notar só um aspecto: a dinâmica entre o detective e o mestre do
crime foi a base de muitas relações semelhantes que surgiram na cultura popular
do século XX – a relação Batman/Joker, por exemplo, é um dos casos mais famosos
de reprodução daquele modelo. Por essa razão, é difícil introduzir Moriarty nas
histórias de uma forma fresca, que não pareça explorada à exaustão; não porque
a relação em si o tenha sido, mas porque já foi copiada tantas vezes na cultura
popular que a fonte original sofre com isso. Moriarty é, nesta série,
rejuvenescido e, num curioso círculo de influências, deve muito às
interpretações de Joker no cinema, assim como à mais recente versão de Master
na série britânica Doctor Who (outra
das personagens que, por sua vez, descendem de Moriarty). Complicado? De
qualquer forma, as dúvidas que a interpretação de Andrew Scott provocou na
primeira série foram completamente dissipadas em The Reichenbach Fall, no qual cria um Moriarty de peso, quase
roubando o episódio a Cumberbatch (quase…). A ideia de que Holmes e Moriarty
são duas faces da mesma moeda continua a ser a base; dois homens idênticos, com
a mesma necessidade de ocupar e exercitar a mente com puzzles, mas que vão
acabar em pontos totalmente opostos. É a ideia que Holmes seria como Moriarty
se não fosse pelo código moral que acaba por seguir, por muito que o tente
negar. Scott consegue ter uma interpretação tão maníaca quanto Cumberbatch, mas
com uma ponta de loucura que falta a este, reforçando essa mesma ideia. A
ligação entre os dois é tão forte quanto a ligação entre Holmes e Watson,
embora por razões (e com características) completamente opostas.
Com
isto tudo, nem cheguei ainda a tocar na terceira grande relação de Holmes – a
que tem com o seu irmão, Mycroft, aqui interpretado pelo co-criador da série
Mark Gatiss. A competição constante entre os dois; a preocupação de Mycroft com
o seu irmão mais novo, a quem tenta proteger constantemente, apesar da atitude
espinhosa que Sherlock tem com ele; o poder indefinido e quase assustador que
Mycroft tem, poder que o torna numa figura dúbia apesar das suas acções o
apresentarem como uma pessoa com um bom fundo e boas intenções e, sobretudo,
com uma consciência. Esta é uma das dinâmicas que espero que venha a ser ainda
mais explorada na terceira série.
Com
efeito, há muito para dizer sobre a série mas este post já vai longo. Gostaria
de voltar a este tema outro dia, sobretudo para tocar nos pontos fracos da
série e nas questões que têm causado mais polémica ou desacordo. Ou para falar
da minha desilusão com a adaptação da obra essencial do cânone holmesiano, The Hound of the Baskervilles (aqui
chamado de The Hounds of Baskerville)
e de todos os meus sentimentos negativos em relação a Irene Adler. Para
terminar, algo que ninguém me pediu mas que vou fazer na mesma: a minha ordem
de preferências no que diz respeito aos episódios. Até pode ser que alguém aqui
discorde e queira discutir comigo? É algo assim: A Study in Pink (s01e01)> The Reichenbach Fall (s02e03)> The Great Game (s01e03)> The Hounds of Baskerville (s02e02)> The Blind Banker (s01e02)> A Scandal in Belgravia (s02e01). Yes/No?
Maria Braun