Hoje acordei com os Velvet Underground na cabeça. Mais exactamente, Venus in Furs. Porquê? Não faço a mais pequena ideia.
Toda a minha rotina matinal foi acompanhada pela voz nasalada de Lou Reed. A cada gole de café, a cada mecha de cabelo escovada, ouvia os acordes da guitarra. Desci as escadas a assobiar (shiny, shiny, shiny boots of leather) e encontrei o rapaz do primeiro andar que me lançou um olhar de estranheza. "Bom-dia", "Bom dia".
Não corri para o metro. Se corresse, teria conseguido apanhá-lo e chegaria dez minutos mais cedo. Para quê?! Mantive o passo e a posse com as portas a fecharem-se à minha frente (Ermine furs adorn the imperious Severin).
Fiz todo o caminho hipnotizada pelo gancho dourado da senhora que estava diante de mim mas, mesmo assim, fui capaz de sair na estação correcta (A thousand dreams that would awake me).
Cheguei mecanicamente ao trabalho, sem consciência do percurso feito. Cumprimentei quem vi demasiado lânguida, demasiado afectada (kiss the boot of shiny, shiny leather).
Mais tarde, almocei sem apetite. No fim, um café. O homem do balcão deu-me o troco com o mesmo mau-humor de sempre. Mas hoje, eu gostei (Taste the wip, now plead for me).
Entre o portátil e eu, o resto da tarde foi um diálogo de suspiros, com os dedos cada vez mais pesados e um desconforto nas costas. Não há posição possível quando está sol lá fora e há a certeza que o nosso lugar não é ali (I am tired, I am weared, I could sleep for a thousand years).
Cheguei a casa frustrada e com pouca coisa escrita. Como diria Cesário, com "um desejo absurdo de sofrer". Nem as uvas cardinal, comidas na varanda, destruiram a soturnidade. (Strike, dear mistress, and cure his heart).
Sally Bowles
P.S.: Não sabia que era possível inserir tantos caracteres na caixa do título.