Segundo a imprensa britânica, esta temporada tem sido uma das mais bem sucedidas do West End. Para isso têm contribuído os musicais e as peças que apostam tudo na “estrela” que encabeça o elenco – e os reality shows que, anualmente, Andrew Lloyd Weber apresenta na BBC para promover a sua última produção. Este ano é Oliver! e as filas nas bilheteiras dão voltas ao quarteirão. É o que dá ter-se Rowan Atkinson como Fagin, Burn Gorman como Bill Sykes e a escolhida do público britânico a dar corpo à trágica Nancy. Os musicais são sempre uma aposta segura, nem que seja por captarem os turistas que não querem deixar de ir ao teatro no West End, mas que não têm o domínio necessário do inglês para ver uma peça “a sério” – ou aqueles espectadores que, pura e simplesmente, apenas querem entretenimento sem grande complexidade. Mas, para quem não gosta de teatro musical – como eu – este ano também não tem sido nada mau. Houve as três peças que formam The Norman Conquests de Ayckbourn no Old Vic, Édipo no National Theatre, houve Ivanov no Wyndham’s ou No Man’s Land, de Pinter, no Duke of York’s. E, neste momento, há Noite de Reis, que ficará para sempre na minha memória.
O Donmar West End entrou no jogo do star power como atractivo de bilheteira, sem dúvida. Já se provou que é algo que resulta – as estrelas de cinema (e televisão) atraem audiências que não vão habitualmente ao teatro (claro que o caso britânico é algo peculiar porque muitas dessas “estrelas” têm o seu background no teatro, o que explica as excelentes interpretações que se podem encontrar em muitas séries da televisão britânica). Veja-se a versão que a Royal Shakespeare Company apresentou de Hamlet no início da temporada e que esgotou em poucas horas, graças a David Tennant. Ou, na temporada passada, o sucesso de Otelo, com Chiwetel Ejiofor no papel principal e Ewan McGregor como Iago. Ambas foram muito bem recebidas pela crítica, mas não foi essa a razão do seu sucesso.
Na sua temporada no Wyndham’s, o Donmar apresenta apenas rostos nos seus cartazes publicitários, que cobrem a fachada do belíssimo teatro da Charing Cross Road. Um rosto por peça – Kenneth Branagh para Ivanov, Derek Jacobi por Noite de Reis, Judi Dench por Madame de Sade e Jude Law para Hamlet. Mas nada disso interessa quando a peça vale mesmo a pena. Ivanov e Noite de Reis foram gloriosos – e asseguraram a minha fidelidade e a minha decisão de estar presente quando estrear Madame de Sade, em Março. O rosto de Jacobi nos cartazes é mais do que justificado. O seu Malvolio é uma experiência única. Ver esta versão de Noite de Reis do Donmar é como assistir à história do teatro a fazer-se perante os nossos olhos. É saber que aquele Malvolio vai ser recordado por muitos e bons anos como um dos melhores do West End e que as fotografias de Jacobi adornarão as paredes do Wyndham’s num futuro próximo.
Jacobi afirmou, numa entrevista, recear este papel porque tantos grandes actores o interpretaram. Mas ele nada tem a temer – só aquele momento em que Malvolio tenta sorrir para agradar (pensa ele) Olívia, ensaiando uma série de grotescas máscaras, até conseguir algo que remotamente se pareça a um sorriso, vale o bilhete de entrada. O seu Malvolio é um Jeeves rígido e puritano, hilariante tanto na sua deferência para com Olívia, no início da peça, quanto nos momentos em que a corteja, depois da enganadora carta de Maria. E, no entanto, a perfeição de Jacobi não nos pode fazer esquecer que a peça tem outras belas actuações, como a de Orsino, lânguido como nunca, numa interpretação que sublinha a sua ambiguidade – e a ambiguidade da sua atracção por Viola/Cesário. Para além do mais, a Olívia de Indira Varma deve ser uma das mais belas criaturas que já adornou os palcos do West End.
Uma sublime peça para um sublime teatro – um teatro onde vale a pena subir às galerias superiores, como costumo fazer no Old Vic, só para percorrer os corredores e as escadarias cobertos de fotografias de velhos êxitos, com um jovem John Gielgud ou um não tão jovem Alec Guinness, para roçar as salas onde gerações e gerações de amantes de teatro viram peças que hoje fazem parte da história do West End. É o fascínio destes velhos teatros carregados de memórias e aplausos, teatros que merecem que o seu legado seja honrado por novas produções que possam rivalizar com as velhas glórias. Noite de Reis honra essa história e prolonga-a da melhor maneira possível.