quarta-feira, 6 de novembro de 2013

I'm the captain now

Ou o face a face de dois capitães. Dois homens com vidas radicalmente diferentes, ambos parte de um contexto global e peões num jogo muito maior do que eles. Captain Phillips baseia-se num acontecimento real, o rapto de um capitão da marinha mercante americana por piratas somalis. A história serve de base para o novo thriller de Paul Greengrass, fiel ao estilo do realizador que ajudou a renovar a linguagem deste género cinematográfico nos últimos anos. É um dos filmes mais tensos dos últimos tempos, ainda mais do que Gravity. Estão lá as características de Greengrass, o tremer da câmara segurada à mão e, o mais importante para o sucesso do filme, a neutralidade com que observa a história. Isto leva a uma ambiguidade que permite ao espectador ter empatia quer com Richard Phillips, o raptado, quer com Muse, o líder dos raptores. Aliás, já ouvi muita gente dizer que, no fim, a sua simpatia está com os piratas.
Como diz o capitão Phillips a determinado ponto, todos têm patrões. Esse é o ponto central. Nenhum deles está verdadeiramente em controlo. Se, em termos de enredo, este é um filme sobre um homem raptado por piratas, em termos de temática é um filme sobre globalização, sobre colonialismo e domínio económico. Phillips diz a Muse que há outras opções na vida para além de ser pescador ou pirata; talvez na América, responde-lhe este. Uma das primeiras sequências do filme contextualiza a acção de Muse e dos seus homens. A aldeia onde vivem é dominada por um "senhor da guerra" que ordena os ataques e exige um saque vultuoso. O dinheiro que é obtido não vai para os piratas mas para os bolsos destes homens, muitos deles nem sequer baseados na Somália. Um acto de pirataria é um acto de sobrevivência. A América, que se vê como vítima, é uma das responsáveis pela situação; eles próprios ajudaram a criar o clima que atinge cidadãos seus, como atingiu Richard Phillips. Muse fala dos barcos que vão para a costa da Somália e lhes roubam o peixe, deixando-os sem alimentos. Esta é apenas uma das muitas formas de exploração. É impossível saber isto e não olhar para Muse que, pelas suas acções, prova constantemente ser alguém com humanidade e compaixão que teve a infelicidade de viver naquelas circunstâncias, sem o perceber. É impossível não ficar devastado quando ele fala do seu sonho de viver em Nova Iorque e comprar um carro, quando sabemos que isso nunca será possível.
Quer Tom Hanks quer o estreante Barkhad Abdi têm grandes interpretações no filme. Hanks nunca esteve melhor e Abdi não se deixa intimidar, respondendo a Hanks de igual para igual. A cena final de Hanks é fenomenal, um momento de catarse depois de toda a contenção que mantém durante o resto do filme.
Greengrass criou, com toda esta ambivalência, um dos filmes mais tensos, mais viscerais do ano. Ele estará, quase de certeza, na minha lista dos melhores de 2013.


Maria Braun