Quando ando de transportes públicos tenho o exasperante (para os outros, não para mim) hábito de bisbilhotar aquilo que os meus companheiros de viagem andam a ler. É educativo. Nunca apanhei ninguém a ler Bukowski e, se apanhasse, não fugiria da pessoa em causa, muito pelo contrário (veja-se http://www.realimaginado.blogspot.com/). Já se fosse Henry Miller… Também, por aquilo que tenho visto, acho que não corro esse risco. Os leitores de curta distância parecem estar mais interessados nos malfadados jornais gratuitos. Bem vistas as coisas, não se gasta nada com eles, ajudam a passar o tempo e não exigem grande empenho intelectual, o que é óptimo para combater o tédio. No entanto, falando apenas sobre livros, os transportes públicos podem servir como um óptimo inquérito aos hábitos de leitura nacionais.
Em primeiro lugar, porque é que há tanta gente adulta a ler livros infantis? Ou será que aos 30 ou 40 anos ainda se consegue digerir literatura maniqueísta sobre magos e outros que tais? Pelo menos já não é só Rebelos Pintos e Browns de bolso. Isso já está démodé. De há uns tempos para cá parece haver uma nova obsessão – Salazar. Pelos vistos, aquela vergonha que foi os “Grandes Portugueses” ajudou a lançar a moda ditador-light. É uma boa forma de ganhar dinheiro: escrever um livro sensacionalista e pseudo-biográfico sobre uma figura que parece exercer um inexplicável fascínio sobre os portugueses. É que se fosse Hitler ou Mussolini ainda percebia. Eram figuras coloridas. Agora o triste e parco Salazar… Ainda está bem viva aquela deprimente paixão dos nossos compatriotas pelo paizinho intransigente, Salvador da Pátria, modesto e simples, que aplica a sua autoridade com mão de ferro. Veja-se quem está no palácio de Belém…
Mas é sobretudo triste chegar a uma livraria e ver banalidades sobre a vida de Salazar misturadas com livros de culinária, de auto-ajuda e os últimos best-sellers. Décadas de ditadura colocadas ao lado de receitas para o wok… Para quem quer analisar de forma séria os anos do regime autoritário em Portugal, tudo isto deve causar um absoluto desânimo. Mas enfim, Salazar sempre vai estando presente nas viagens para os subúrbios, entre o trânsito de Lisboa, entre meros curiosos e aqueles que acham que o que é necessário é outro como ele. Naqueles tempos, dizem, imagens como as da aluna do Porto não aconteceriam – e outros populismos que tais… Consequência do vácuo ideológico em que estamos mergulhados ou de uma pura e simples ignorância?
Mas é sobretudo triste chegar a uma livraria e ver banalidades sobre a vida de Salazar misturadas com livros de culinária, de auto-ajuda e os últimos best-sellers. Décadas de ditadura colocadas ao lado de receitas para o wok… Para quem quer analisar de forma séria os anos do regime autoritário em Portugal, tudo isto deve causar um absoluto desânimo. Mas enfim, Salazar sempre vai estando presente nas viagens para os subúrbios, entre o trânsito de Lisboa, entre meros curiosos e aqueles que acham que o que é necessário é outro como ele. Naqueles tempos, dizem, imagens como as da aluna do Porto não aconteceriam – e outros populismos que tais… Consequência do vácuo ideológico em que estamos mergulhados ou de uma pura e simples ignorância?
E, assim, lá vou eu, entre um ingénuo leitor do Correio da Manhã e um leitor de ocasião de um gratuito, entre sensacionalismos e saudosismos autoritários, carregando o meu DeLillo, afundada num incurável pessimismo. Porque isto não é apenas deprimente: é, no fundo, verdadeiramente perigoso.
Maria Braun