Há
uma primeira vez para tudo. Há duas semanas vi um filme de James Bond no
cinema. Algo que nunca pensei que alguma vez fosse acontecer. Contexto: quando
tinha 11 ou 12 anos vi muitos 007 na televisão – inclusivamente todos os com
Sean Connery – até chegar à conclusão que a história era basicamente sempre a
mesma. Além do mais, à medida que entrava na adolescência, o sexismo destes
filmes começou a ser cada vez mais óbvio. Roger Moore também contribuiu para a
minha desistência porque tudo me parecia ligeiramente ridículo. Bond acabou por
se tornar, então, sinónimo de filme que se via ao Domingo à tarde na televisão,
quando não havia mais nada para fazer, não o tipo de filme que me faria
deslocar ao cinema. Não sou, em suma, grande fã da série. No entanto, fui ver Skyfall quando estreou. Tantos cinéfilos
e críticos a gritarem que este é um dos melhores Bond de sempre (se não o
melhor). Um 81 no Metacritic. Sabem que mais? Gostei.
Não
sei se é o melhor Bond – Goldfinger
tem um lugar especial na minha memória – mas está no topo. A combinação de
talento neste filme torná-lo-ia, se fosse outra coisa que não Bond, num
projecto de prestígio: realizado por Sam Mendes, com um argumento de John
Logan, com um elenco que inclui Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph
Fiennes e Albert Finney. Muitos produtores sonham com uma combinação destas. Além
disso, é mais uma prova que Roger Deakins é um dos melhores directores de
fotografia da actualidade e um dos mais roubados pela Academia de Hollywood (9
nomeações, nenhuma vitória).
Skyfall funciona por vários motivos. Em
primeiro lugar, Sam Mendes, que se soube rodear das pessoas certas para os
lugares certos. Em segundo, as interpretações, sobretudo do trio principal
(Craig, Dench e Bardem). Judi Dench finalmente tem algo para fazer nesta série
e Bardem cria um dos melhores “Bond villains”. Funciona, também, porque as
motivações do vilão fazem sentido. Não é um megalómano que quer conquistar o
mundo ou algo no género, é alguém com uma vendetta pessoal com alguma lógica.
As engenhocas que desafiam qualquer credibilidade também estão ausentes – este
é um 007 mais austero, onde Q (o sempre bem-vindo Ben Whishaw) apenas entrega
ao agente uma arma e um rádio. Além disso, como já mencionado acima, a
fotografia é fabulosa, com pontos altos nas sequências de Xangai e da Escócia.
Muitos
críticos apontaram como ponto alto a corajosa introdução de Silva (Bardem) –
corajosa porque é um filme com uma audiência essencialmente masculina – e a
tensão que essa sequência estabelece entre Silva e Bond. Essa cena é sobre
poder acima de tudo, é uma tentativa de intimidação, não uma expressão de
atracção física. O vilão de sexualidade duvidosa é uma “trope” mais que gasta
(e profundamente ofensiva), mas que não incomoda tanto neste caso, até porque o
ponto de mais interesse é a própria reacção de Bond (“what makes you think this was my first time?”). Não deixa de ser
interessante, como já muitos notaram, que é com o vilão que existe maior
química. As “Bond girls” não são particularmente interessantes e uma delas é
completamente descartável na própria história. No entanto, se não evoluímos
muito neste aspecto, o sexismo casual é contrabalançado por M. De novo citando
o que outros já disseram: M é a verdadeira “Bond girl” (woman?) desta história.
É com ela que 007 tem uma ligação emocional mais forte, claramente com
contornos edipianos; é a complicada relação entre os dois que se torna o centro
do filme. M como figura materna e Bond a tentar procurar o seu lugar num mundo
que o parece estar a deixar para trás é, também, transposição de uma outra
relação, a dos agentes dos serviços secretos britânicos com o seu país e,
sobretudo, com o alterar e ajustar do seu papel no mundo (como se vê na sequência
em que M cita Lord Tennyson).
O
que mais me surpreendeu foi a existência de verdadeira emoção no filme, incluindo
uma viagem ao passado de Bond e à história da sua família. Ele é enriquecido
enquanto personagem e humanizado, não o suficiente ainda para se tornar tão
interessante quanto, por exemplo, George Smiley (falando como fangirl de Tinker Tailor), mas é um passo no caminho certo. Parece indicar que
a série e os seus produtores perceberam (percepção que remonta à própria
escolha de Craig para o papel) que Bond estava datado e não apelaria a uma
geração habituada a Bourne ou aos Batman de Nolan; era preciso uma regeneração,
gravitas, maior seriedade. O que o filme consegue, do meu ponto de vista, é
balançar essa seriedade com a manutenção de alguns aspectos tradicionais da
série, de forma a agradar aos fãs do “velho” Bond que procuram escapismo na sua
forma pura. Toda a sequência do casino é “velho” Bond.
Skyfall não me converteu numa fã da
série (nem acho que isso acontecerá), mas tornou-me optimista em relação ao
futuro de 007. Este filme pode ser definido como “entretenimento de qualidade”
e é uma excelente forma de ocupar umas horas. Acho que não podemos pedir mais
do que isto.
Maria Braun