terça-feira, 27 de abril de 2010

I know you're there


Audrey Hepburn, Wait until Dark, 1967.

Wait until Dark (Terence Young, 1967) é o último filme que Audrey Hepburn protagonizou antes de uma retirada que durou até ao ano de 1976. O filme é a adaptação cinematográfica da peça de Frederick Knott, autor do célebre Dial M for Murder, realizado por Hitchcock em 1954. Há afinidades que são fáceis de detectar entre os dois textos: em ambos a acção é concentrada num espaço fechado (Wait until Dark desenrola-se numa cave, o que potencia ainda mais o efeito de prisão) e as protagonistas são mulheres que têm que lutar pela sobrevivência. Grace Kelly está enleada pela teia urdida pelo marido, Audrey Hepburn, cega, terá que fazer frente a um sociopata na escuridão. O registo dos vilões é diferente. Ray Milland, o marido traído, é um homem muito agradável, afável, quase brincalhão. O modo como monta o seu plano é de uma grande mestria, assim como a sua interpretação. Alan Arkin, Mr. Roat, também é dono de uma boa interpretação.. É frio, sujo, amoral e, em certos momentos – por exemplo, aquele em que rasteja no chão, dando força ao corpo com o punhal que segura nas mãos – aproxima-se de um registo animal.

A trama de Wait until Dark cresce em torno de uma boneca (o que não deixa de ter significado) que acaba por ir parar a casa do casal Hendrix e que tem que ser recuperada. A tarefa parece ser fácil, tanto mais que a mulher – Susy – cegou recentemente. Mas como pode adivinhar, não é. Diz-se que a interpretação de Hepburn é diferente das raparigas ingénuas que antes representara em algumas das comédias que interpretou. Sim e não. Em minha opinião, a sua interpretação está fora do habitual na medida em que o que está em causa é uma mulher que é aterrorizada e não tem por onde escapar. Susy é levemente ingénua, é sensível, emotiva, mas ao mesmo tempo é uma mulher forte e no jogo do gato e do rato não é fácil apanhá-la. É neste jogo que pulsa a força do filme. A partir do momento em que Susy percebe que está metida numa ratoeira, que as pessoas em quem acreditou querem, afinal, fazer-lhe mal, o filme é electrizante. Num rasgão de claridade, Suzy parte todas as lâmpadas da sua casa – é uma boa sequência – e apronta-se a receber de novo os visitantes, mas desta vez no seu território. A luta na escuridão e a inversão dos papéis de gato e de rato, é um grande momento. Hepburn modula com firmeza a sua personagem. Assim, face à estupefacção de que o agressor está a espalhar gasolina pela casa, Susy consegue o domínio da situação, apanhando o pequeno garrafão do combustível, o qual lança ao agressor e, apoderando-se de uma caixa de fósforos, ilumina a escuridão, ameaçando… bem, pegar fogo a alguém. Porém, Susy esqueceu-se de uma lâmpada.

O filme conta com um culto apreciável. O clímax do confronto consta como um dos momentos clássicos na história dos filmes do género e fez pular muito gente, embora seja provável que isso já não aconteça. Feitas as contas, Wait until Dark não é uma obra-prima, mas é um bom filme. É inteligente, é bem realizado (uma nota para os planos panorâmicos que abarcam quase a totalidade do espaço da acção, mostrando o aperto e, também, para o uso dramático das sombras), e é  bem interpretado.

K.Douglas