Num período dominado por blockbusters estreou, de forma algo discreta, um dos mais interessantes filmes do ano. Dans la Maison foi uma das histórias de sucesso do Festival de Toronto de 2012 que chegou a Portugal este Verão. Penso que é um dos melhores filmes de Ozon. Curiosamente, o que mais se aproxima desta obra na sua filmografia anterior, em tom e enredo, é um dos que gosto menos, Swimming Pool.
Se quisermos falar de influências, elas são tão óbvias quanto diferentes entre si. A primeira que me ocorreu foi Teorema, de Pasolini. Foi, por isso, com alguma satisfação que vi Ozon referenciar directamente esse filme. “Isto é Pasolini” comenta, a determinado momento, Germain ao seu aluno, Claude. Para além dessa referência, há algo de Woody Allen na história e nas personagens. A imagem final, por seu lado, é uma alusão clara a Rear Window de Hitchcock.
As influências não são apenas cinematográficas, mas também literárias. Para além das referências directas no próprio filme (o liceu chama-se Gustave Flaubert, por exemplo), há alusões como o nome do professor, que descobrimos a certo ponto chamar-se Germain Germain, como Humbert Humbert em Lolita. O próprio Claude tem laivos de versão moderna de Rimbaud, tendo inclusivamente a mesma idade que o poeta tinha quando conheceu Verlaine.
As referências literárias fazem sentido porque Dans la Maison é um filme sobre o processo de escrita, sobre as relações escritor/editor e escritor/leitor. É sobre dois personagens que se deixam envolver de tal forma no mundo ficcional que já não distinguem a realidade da ficção. Germain ensina francês no liceu e inicia o ano lectivo pessimista e desiludido. Os alunos são uma massa medíocre e indiferente, carneiros em uniformes escolares. Quando ele lhes pede que escrevam uma redacção sobre o que fizeram no fim-de-semana, entre os textos sobre televisão, pizza e telemóveis há um que se destaca. Pertence a Claude, que se senta na última fila e que não parece sobressair especialmente. Claude conta ao professor como se introduziu na casa de um colega, com quem travou amizade de forma a ter acesso à vida típica de uma família de classe-média. Claude descreve aquela família com ironia e desprezo e termina, numa mistura de promessa e ameaça: “Continua”.
Germain desaprova mas não consegue deixar de ficar intrigado, dando um 17 a Claude. A partir daí o seu aluno vai-lhe apresentando novos capítulos, que ele partilha com a sua mulher, Jeanne. Aluno e professor começam a encontrar-se depois das aulas para lições privadas. Germain entra de tal forma dentro da narrativa que se transforma em participante e manipulador, alterando a própria história e as relações entre as personagens. Nunca é claro, na prosa de Claude, o que é realidade e o que é ficção criada para satisfazer Germain. A mulher avisa-o: “Isto não vai acabar bem” e “ele está a manipular-te”. Obviamente, ela tem razão.
No fim fica uma questão no ar. Qual é a casa a que Claude quer, de facto, ter acesso e minar por dentro? A do seu amigo Rapha, do seu pai obcecado com a China e a mãe com o seu “odor de mulher de classe-média” (por quem Claude, aliás, desenvolve uma fixação)? Ou será que a casa de Rapha, inicialmente o objectivo, acaba por se transformar num meio para atingir um fim e esse fim é a casa de Germain? Ou ambas igualmente? É propositadamente ambíguo. No entanto, algo é óbvio: Claude (que Ozon tem o cuidado de manter com a inocência suficiente de forma a não o transformar num vilão) procura uma família, amor paternal, afecto. No fundo, é este o motor de todas as suas acções.
O filme torna-se problemático, no entanto, no seu acto final. A determinado ponto, Germain diz a Claude que o segredo de um bom final é este ser inesperado e, simultaneamente, criar a reacção “só podia ser assim” no leitor. Infelizmente, Ozon não seguiu este conselho, enfraquecendo a história na sua última meia hora (a reacção de Jeanne não me pareceu nada verosímil). No entanto, apesar deste percalço, este não só é um excelente filme na carreira de um realizador que tem os seus altos e baixos, como é entretenimento puro.
Se quisermos falar de influências, elas são tão óbvias quanto diferentes entre si. A primeira que me ocorreu foi Teorema, de Pasolini. Foi, por isso, com alguma satisfação que vi Ozon referenciar directamente esse filme. “Isto é Pasolini” comenta, a determinado momento, Germain ao seu aluno, Claude. Para além dessa referência, há algo de Woody Allen na história e nas personagens. A imagem final, por seu lado, é uma alusão clara a Rear Window de Hitchcock.
As influências não são apenas cinematográficas, mas também literárias. Para além das referências directas no próprio filme (o liceu chama-se Gustave Flaubert, por exemplo), há alusões como o nome do professor, que descobrimos a certo ponto chamar-se Germain Germain, como Humbert Humbert em Lolita. O próprio Claude tem laivos de versão moderna de Rimbaud, tendo inclusivamente a mesma idade que o poeta tinha quando conheceu Verlaine.
As referências literárias fazem sentido porque Dans la Maison é um filme sobre o processo de escrita, sobre as relações escritor/editor e escritor/leitor. É sobre dois personagens que se deixam envolver de tal forma no mundo ficcional que já não distinguem a realidade da ficção. Germain ensina francês no liceu e inicia o ano lectivo pessimista e desiludido. Os alunos são uma massa medíocre e indiferente, carneiros em uniformes escolares. Quando ele lhes pede que escrevam uma redacção sobre o que fizeram no fim-de-semana, entre os textos sobre televisão, pizza e telemóveis há um que se destaca. Pertence a Claude, que se senta na última fila e que não parece sobressair especialmente. Claude conta ao professor como se introduziu na casa de um colega, com quem travou amizade de forma a ter acesso à vida típica de uma família de classe-média. Claude descreve aquela família com ironia e desprezo e termina, numa mistura de promessa e ameaça: “Continua”.
Germain desaprova mas não consegue deixar de ficar intrigado, dando um 17 a Claude. A partir daí o seu aluno vai-lhe apresentando novos capítulos, que ele partilha com a sua mulher, Jeanne. Aluno e professor começam a encontrar-se depois das aulas para lições privadas. Germain entra de tal forma dentro da narrativa que se transforma em participante e manipulador, alterando a própria história e as relações entre as personagens. Nunca é claro, na prosa de Claude, o que é realidade e o que é ficção criada para satisfazer Germain. A mulher avisa-o: “Isto não vai acabar bem” e “ele está a manipular-te”. Obviamente, ela tem razão.
No fim fica uma questão no ar. Qual é a casa a que Claude quer, de facto, ter acesso e minar por dentro? A do seu amigo Rapha, do seu pai obcecado com a China e a mãe com o seu “odor de mulher de classe-média” (por quem Claude, aliás, desenvolve uma fixação)? Ou será que a casa de Rapha, inicialmente o objectivo, acaba por se transformar num meio para atingir um fim e esse fim é a casa de Germain? Ou ambas igualmente? É propositadamente ambíguo. No entanto, algo é óbvio: Claude (que Ozon tem o cuidado de manter com a inocência suficiente de forma a não o transformar num vilão) procura uma família, amor paternal, afecto. No fundo, é este o motor de todas as suas acções.
O filme torna-se problemático, no entanto, no seu acto final. A determinado ponto, Germain diz a Claude que o segredo de um bom final é este ser inesperado e, simultaneamente, criar a reacção “só podia ser assim” no leitor. Infelizmente, Ozon não seguiu este conselho, enfraquecendo a história na sua última meia hora (a reacção de Jeanne não me pareceu nada verosímil). No entanto, apesar deste percalço, este não só é um excelente filme na carreira de um realizador que tem os seus altos e baixos, como é entretenimento puro.
Maria Braun