domingo, 30 de setembro de 2012

Oh, mother!



Creio que as minhas bandas-sonoras preferidas são as composições de Bernard Herrmann para os filmes de Hitchcock. A memória da primeira vez que vi Vertigo é uma boa e nítida assombração por causa de Herrmann. E não importa quantas vezes veja o filme, o raio do realizador e do compositor arrastam-me sempre. Tenho muita dificuldade em descrever música. Ainda assim, diria que a música de Herrmann não faz sentir um só sentimento. Quero dizer, a sensação de alguma coisa não é algo linear: lateja, incha - a sensação parece ter múltiplos tons. Mesmo as peças mais sinistras não nos afastam de imediato. Sabemos que há um aviso de perigo, mas continuamos. O caso mais flagrante é justamente o de Psycho. Gosto mais das bandas-sonoras de Vertigo, de North by Northwest (talvez a minha preferida) e de Marnie. Porém, decidi-me por este vídeo porque é sempre espantoso, pelo menos para mim, ver o poder de uma orquestra, mesmo quando interpreta algo que não é aprazível e que tem contornos de terror (sinta-se o final da peça - parece que o mal está consumado e não há nada a fazer). A banda-sonora de Psycho deve-se ouvir em segurança.

K. Douglas




quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OST



Há muito tempo que ando para escrever um post sobre bandas-sonoras de filmes. Há bandas-sonoras que estão de tal forma associadas aos seus filmes que é impossível pensar neles sem elas. Exemplos: James Bond, Star Wars, Indiana Jones, Jaws, Zorba. Quando estava a tentar fazer uma compilação das que mais gosto, reparei que mudava de opinião de 5 em 5 minutos. No entanto, havia uma que estava lá sempre, que não podia deixar de estar. Será que isso a torna oficialmente na minha banda-sonora preferida? Muito provavelmente não, mas está sem dúvida nos primeiros lugares da lista. Enquanto não chego a uma conclusão que me leve a escrever um post sobre este tema, aqui fica a fantástica contribuição de Elmer Bernstein para The Magnificent Seven, uma das bandas-sonoras mais icónicas da história do cinema.




Maria Braun

sábado, 15 de setembro de 2012

Ainda Sherlock




Cena de The Great Game, terceiro episódio da primeira série.


Maria Braun

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Já que estamos em período de Emmys…

Uma série de televisão sobre a qual nunca falei no blog é Sherlock. Como isso aconteceu não sei. Esta é a única série que sigo quase tão obsessivamente quanto Mad Men (quase…). Aproveito, assim, o estarmos em período de prémios para escrever um post sobre ela. Sherlock foi este ano nomeado para 13 Emmys (incluindo mini-série, actor e actor secundário para Benedict Cumberbatch e Martin Freeman respectivamente). Já conquistou vários BAFTA, incluindo série dramática e actor secundário para Freeman em 2011 e para Andrew Scott (o novo Moriarty) em 2012. Dia 23 de Setembro vou torcer por eles.
Sherlock marcou o meu Verão de 2010 em termos televisivos, foi uma lufada de ar fresco, sobretudo durante aqueles meses em que não há nada para ver. Desde então estreou a segunda série na BBC, no início de 2012. Ano e meio de espera por três episódios. Sim, porque a definição de série, neste caso, é bem interessante: três episódios de hora e meia cada, a cada quase dois anos. Mas vale a pena, ainda que não tenha gostado tanto da segunda série quanto da primeira. A Study in Pink continua a ser imbatível, do meu ponto de vista. No entanto, a segunda série trouxe aquele que é, muito possivelmente, o meu segundo episódio preferido, The Reichenbach Fall. Não quero estragar o episódio para quem não o viu, mas deixo uma pista: como o nome indica, é uma variação da famosa história The Final Problem, o grande embate final entre Holmes e Moriarty.
“Variação” é, aliás, a palavra que melhor define o espírito da série. Os criadores Steven Moffat e Mark Gatiss são grandes fãs das histórias originais de Conan Doyle e respeitam-nas ao máximo. Para quem já as leu, eles oferecem pequenos presentes, pequenas referências divertidas aos contos originais, embrulhadas no enredo dos episódios. Por vezes, um episódio refere várias histórias, condensando-as numa só. O triunfo de Sherlock é precisamente esse, o de criar histórias novas respeitando de tal forma o espírito dos originais que até os fãs mais puristas foram convertidos. As interpretações de Cumberbatch e Freeman também ajudam.
A Study in Pink era uma variação de A Study in Scarlet, a primeira aventura de Holmes, na qual o detective e John Watson se conhecem pela primeira vez, quando ambos procuram alguém com quem dividir um apartamento no centro de Londres. No episódio, tal como na história original, o doutor Watson é um médico do exército que acaba de chegar do Afeganistão, onde foi ferido (parece que as coisas pouco mudam ao longo do tempo). Esta não é uma história muitas vezes adaptada ao ecrã e talvez por isso tenha sido entusiasmante ver o primeiro encontro, a química instantânea, o forjar de uma amizade para a vida toda. A Study in Pink foi um episódio tão fresco e diferente que, mesmo se episódios futuros venham a ser melhores, aquilo que se sente ao descobrir esta história é irrepetível. Já The Reichenbach Fall é um final fabuloso, que nos deixa pendurados num “cliffhanger” até meados de 2013 (a terceira série só começará a ser filmada no início do próximo ano, com a estreia prevista lá para o Outono). Foi um final inteligente que causou imenso debate quando o episódio passou na BBC e que continuará a provocar imensa especulação, um final que, como disse antes, quem leu The Final Problem pode adivinhar como será.
Mas falar de Sherlock é impossível sem mencionar Benedict Cumberbatch, um dos grandes responsáveis pelo sucesso da série. Tal como Holmes nas histórias originais, o personagem que Cumberbatch interpreta é um homem totalmente moderno, viciado nas mais avançadas tecnologias. O seu Sherlock Holmes é carismático, difícil, maníaco, superinteligente, cortante, ao mesmo tempo assexual e estranhamente atraente. É alguém absolutamente fascinante. Se o final da segunda série tem sido tema de incessante debate, a ambiguidade da sua relação com John Watson (e a ambiguidade da própria sexualidade de Holmes) foi o maior tema de especulação entre os espectadores ao longo das duas séries. Amizade? Amor platónico entre um heterossexual e um assexual? Algo bem mais complicado do que isso? Martin Freeman, em entrevistas, já disse que lê a relação entre o seu personagem e Holmes como “a love story”.
A verdade é que Watson serve como figura “humanizadora” e que essa “humanização” de Sherlock é o arco de toda a primeira série. Quando somos apresentados a Sherlock, ele vê o homicídio como um jogo, como um puzzle com o qual entretém a sua mente, aparentemente indiferente ao sofrimento e aos sentimentos humanos – quando chegamos ao 3º episódio, a máscara de indiferença cai quando é a vida do próprio Watson que está em jogo. De repente, deixa de ser uma brincadeira. O Holmes que encontramos na 2ª série já é um homem diferente, em processo de mutação, mais sensível aos sentimentos alheios (como se vê na mudança gradual da sua relação com Molly e no desenvolvimento de uma relação mãe-filho com Mrs Hudson), um homem que já admite ter amigos – Watson no segundo episódio, Lestrade, Molly e Mrs Hudson no terceiro – e que está disposto a tudo para protegê-los. Por essa razão, a relação entre Sherlock Holmes e John Watson será sempre a relação central da série e encontrar os actores com a química certa para interpretar os dois papéis algo de fundamental para o seu sucesso. Sem Cumberbatch e Freeman, Sherlock não seria o triunfo que é hoje. Freeman consegue balançar a interpretação de Cumberbatch com uma representação mais reservada, transmitindo a imagem do everyman, o homem comum apanhado por circunstâncias extraordinárias, o ainda jovem médico afectado pela guerra, que vai ver a sua existência normal alterada para sempre pelo forjar de uma nova amizade.
A outra relação central é a de Holmes e Moriarty, na qual é difícil entrar sem “spoilers”. De notar só um aspecto: a dinâmica entre o detective e o mestre do crime foi a base de muitas relações semelhantes que surgiram na cultura popular do século XX – a relação Batman/Joker, por exemplo, é um dos casos mais famosos de reprodução daquele modelo. Por essa razão, é difícil introduzir Moriarty nas histórias de uma forma fresca, que não pareça explorada à exaustão; não porque a relação em si o tenha sido, mas porque já foi copiada tantas vezes na cultura popular que a fonte original sofre com isso. Moriarty é, nesta série, rejuvenescido e, num curioso círculo de influências, deve muito às interpretações de Joker no cinema, assim como à mais recente versão de Master na série britânica Doctor Who (outra das personagens que, por sua vez, descendem de Moriarty). Complicado? De qualquer forma, as dúvidas que a interpretação de Andrew Scott provocou na primeira série foram completamente dissipadas em The Reichenbach Fall, no qual cria um Moriarty de peso, quase roubando o episódio a Cumberbatch (quase…). A ideia de que Holmes e Moriarty são duas faces da mesma moeda continua a ser a base; dois homens idênticos, com a mesma necessidade de ocupar e exercitar a mente com puzzles, mas que vão acabar em pontos totalmente opostos. É a ideia que Holmes seria como Moriarty se não fosse pelo código moral que acaba por seguir, por muito que o tente negar. Scott consegue ter uma interpretação tão maníaca quanto Cumberbatch, mas com uma ponta de loucura que falta a este, reforçando essa mesma ideia. A ligação entre os dois é tão forte quanto a ligação entre Holmes e Watson, embora por razões (e com características) completamente opostas.
Com isto tudo, nem cheguei ainda a tocar na terceira grande relação de Holmes – a que tem com o seu irmão, Mycroft, aqui interpretado pelo co-criador da série Mark Gatiss. A competição constante entre os dois; a preocupação de Mycroft com o seu irmão mais novo, a quem tenta proteger constantemente, apesar da atitude espinhosa que Sherlock tem com ele; o poder indefinido e quase assustador que Mycroft tem, poder que o torna numa figura dúbia apesar das suas acções o apresentarem como uma pessoa com um bom fundo e boas intenções e, sobretudo, com uma consciência. Esta é uma das dinâmicas que espero que venha a ser ainda mais explorada na terceira série.
Com efeito, há muito para dizer sobre a série mas este post já vai longo. Gostaria de voltar a este tema outro dia, sobretudo para tocar nos pontos fracos da série e nas questões que têm causado mais polémica ou desacordo. Ou para falar da minha desilusão com a adaptação da obra essencial do cânone holmesiano, The Hound of the Baskervilles (aqui chamado de The Hounds of Baskerville) e de todos os meus sentimentos negativos em relação a Irene Adler. Para terminar, algo que ninguém me pediu mas que vou fazer na mesma: a minha ordem de preferências no que diz respeito aos episódios. Até pode ser que alguém aqui discorde e queira discutir comigo? É algo assim: A Study in Pink (s01e01)> The Reichenbach Fall (s02e03)> The Great Game (s01e03)> The Hounds of Baskerville (s02e02)> The Blind Banker (s01e02)> A Scandal in Belgravia (s02e01). Yes/No?
 
Maria Braun

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"Isn't life disappointing?"

Para quem ainda não viu, a lista de melhores filmes de sempre (segundo vários realizadores e críticos) da revista do BFI, Sight & Sound, saiu em Agosto. Já há cerca de um mês que esta informação circula online, embora incompleta (há pormenores que só estão disponíveis em papel). Esta lista começou a ser publicada em 1952 e é revista a cada 10 anos. A grande notícia este ano é a saída de Citizen Kane do 1º lugar após muitas décadas, para dar lugar a Vertigo. Fico contente, já que Vertigo é um dos meus filmes preferidos. Outro daqueles que, sem dúvida, estariam na minha lista, não só ficou em 3º lugar, como ficou em 1º na lista votada pelos realizadores participantes. Falo de Tokyo Story, de Yasujiro Ozu, o tema deste post.

Tokyo Story (Tokyo Monogatari, 1953) é um daqueles filmes que não nos largam por muito tempo. Lembro-me de quando o vi pela primeira vez e de como não me saiu da cabeça durante dias e dias. Foi o meu primeiro filme de Ozu e levou-me a procurar todos os que consegui encontrar do realizador. Suponho que tive uma “fase japonesa”, já que a descoberta de Ozu veio na sequência de uma overdose de filmes de outros realizadores como Kurosawa, Mizoguchi ou, num cinema mais recente, Takeshi Kitano.  

A história do filme é a de um choque entre um Japão mais antigo e tradicional e um Japão mais moderno, pós-guerra. Os valores, os estilos de vida, tudo isso está representado por uma família dividida pelas gerações, pelos filhos que não têm tempo para os pais, pelo comportamento dos netos, pelos pais que se sentem deslocados e fora de tempo na moderna Tóquio. Também as memórias e consequências da 2ª Guerra Mundial estão presentes no filme, com o filho desaparecido e a viúva dele, que vai criar uma forte ligação aos sogros e que é um dos centros emocionais da história. Não é um filme que abertamente condene as suas personagens, tem certamente um sentido de inevitabilidade, mas, mesmo assim, tem algo a dizer sobre amor filial e sobre a “morte” do velho Japão e da família tradicional; não força julgamentos simplificando ou demonizando/santificando as personagens, é um filme de objectividades, que deixa que a história e as acções falem por si. É, no seu espírito, um filme conservador, um filme com uma nostalgia pelos valores que vão desaparecendo, por uma identidade nacional que está a ser alterada pelo tempo, realizado por aquele que já foi chamado o mais japonês dos realizadores daquele país.

Tal como não força julgamentos, não força a emoção, não a explora de forma mercenária, mas, mesmo assim, provoca uma forte reacção emocional na audiência – ou, pelo menos, assim foi comigo e eu sou daquela espécie de espectador que tende a não reagir emocionalmente a filmes, muito menos quando isso é esperado e provocado. Este é um filme que deixa de fora precisamente aqueles acontecimentos que outros explorariam ao máximo, tendo o espectador acesso a eles apenas em segunda mão. A composição é tipicamente Ozu, uma experiência visual cuidadosamente construída, com a câmara sempre rente ao chão e muito pouco móvel. Filma espaços em tempo real, com o movimento sendo responsabilidade das personagens, emolduradas pela câmara do realizador, que já está no espaço quando elas entram e que lá continua, por vezes, quando saem. A emoção do filme vem também das personagens enquadradas pela câmara, não é forçada por truques de estilo e daí a sua autenticidade. Toda a composição visual do filme e o estilo característico e inconfundível de Ozu explicam porque este é um filme de realizadores e porque surge em primeiro lugar na sua lista.

O sucesso do filme fora do Japão deve-se à sua universalidade pois, apesar de se enquadrar num determinado espaço e tempo (Japão do pós-guerra) e nas tradições culturais e familiares de um determinado país, a sua temática tem um apelo que atravessa fronteiras. O progresso e as mudanças sociais que dele advêm, a morte da família alargada, as dinâmicas familiares que mudam com o crescimento dos filhos e o envelhecimento dos pais – tudo isso pode ser entendido  na Europa dos inícios do século XXI como é no Japão de meados do século XX.  Sinais positivos para a permanência do filme nesta lista por muitos anos – e, mais importante do que isso, para que continue por muito tempo a ser amado pelos espectadores de cinema e a ser visto por eles como um filme essencial para todos aqueles que vivem esta arte.
 
Maria Braun