terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um Homem Sério

Há uma primeira vez para tudo. Há duas semanas vi um filme de James Bond no cinema. Algo que nunca pensei que alguma vez fosse acontecer. Contexto: quando tinha 11 ou 12 anos vi muitos 007 na televisão – inclusivamente todos os com Sean Connery – até chegar à conclusão que a história era basicamente sempre a mesma. Além do mais, à medida que entrava na adolescência, o sexismo destes filmes começou a ser cada vez mais óbvio. Roger Moore também contribuiu para a minha desistência porque tudo me parecia ligeiramente ridículo. Bond acabou por se tornar, então, sinónimo de filme que se via ao Domingo à tarde na televisão, quando não havia mais nada para fazer, não o tipo de filme que me faria deslocar ao cinema. Não sou, em suma, grande fã da série. No entanto, fui ver Skyfall quando estreou. Tantos cinéfilos e críticos a gritarem que este é um dos melhores Bond de sempre (se não o melhor). Um 81 no Metacritic. Sabem que mais? Gostei.
Não sei se é o melhor Bond – Goldfinger tem um lugar especial na minha memória – mas está no topo. A combinação de talento neste filme torná-lo-ia, se fosse outra coisa que não Bond, num projecto de prestígio: realizado por Sam Mendes, com um argumento de John Logan, com um elenco que inclui Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes e Albert Finney. Muitos produtores sonham com uma combinação destas. Além disso, é mais uma prova que Roger Deakins é um dos melhores directores de fotografia da actualidade e um dos mais roubados pela Academia de Hollywood (9 nomeações, nenhuma vitória).
Skyfall funciona por vários motivos. Em primeiro lugar, Sam Mendes, que se soube rodear das pessoas certas para os lugares certos. Em segundo, as interpretações, sobretudo do trio principal (Craig, Dench e Bardem). Judi Dench finalmente tem algo para fazer nesta série e Bardem cria um dos melhores “Bond villains”. Funciona, também, porque as motivações do vilão fazem sentido. Não é um megalómano que quer conquistar o mundo ou algo no género, é alguém com uma vendetta pessoal com alguma lógica. As engenhocas que desafiam qualquer credibilidade também estão ausentes – este é um 007 mais austero, onde Q (o sempre bem-vindo Ben Whishaw) apenas entrega ao agente uma arma e um rádio. Além disso, como já mencionado acima, a fotografia é fabulosa, com pontos altos nas sequências de Xangai e da Escócia.
Muitos críticos apontaram como ponto alto a corajosa introdução de Silva (Bardem) – corajosa porque é um filme com uma audiência essencialmente masculina – e a tensão que essa sequência estabelece entre Silva e Bond. Essa cena é sobre poder acima de tudo, é uma tentativa de intimidação, não uma expressão de atracção física. O vilão de sexualidade duvidosa é uma “trope” mais que gasta (e profundamente ofensiva), mas que não incomoda tanto neste caso, até porque o ponto de mais interesse é a própria reacção de Bond (“what makes you think this was my first time?”). Não deixa de ser interessante, como já muitos notaram, que é com o vilão que existe maior química. As “Bond girls” não são particularmente interessantes e uma delas é completamente descartável na própria história. No entanto, se não evoluímos muito neste aspecto, o sexismo casual é contrabalançado por M. De novo citando o que outros já disseram: M é a verdadeira “Bond girl” (woman?) desta história. É com ela que 007 tem uma ligação emocional mais forte, claramente com contornos edipianos; é a complicada relação entre os dois que se torna o centro do filme. M como figura materna e Bond a tentar procurar o seu lugar num mundo que o parece estar a deixar para trás é, também, transposição de uma outra relação, a dos agentes dos serviços secretos britânicos com o seu país e, sobretudo, com o alterar e ajustar do seu papel no mundo (como se vê na sequência em que M cita Lord Tennyson).
O que mais me surpreendeu foi a existência de verdadeira emoção no filme, incluindo uma viagem ao passado de Bond e à história da sua família. Ele é enriquecido enquanto personagem e humanizado, não o suficiente ainda para se tornar tão interessante quanto, por exemplo, George Smiley (falando como fangirl de Tinker Tailor), mas é um passo no caminho certo. Parece indicar que a série e os seus produtores perceberam (percepção que remonta à própria escolha de Craig para o papel) que Bond estava datado e não apelaria a uma geração habituada a Bourne ou aos Batman de Nolan; era preciso uma regeneração, gravitas, maior seriedade. O que o filme consegue, do meu ponto de vista, é balançar essa seriedade com a manutenção de alguns aspectos tradicionais da série, de forma a agradar aos fãs do “velho” Bond que procuram escapismo na sua forma pura. Toda a sequência do casino é “velho” Bond.
Skyfall não me converteu numa fã da série (nem acho que isso acontecerá), mas tornou-me optimista em relação ao futuro de 007. Este filme pode ser definido como “entretenimento de qualidade” e é uma excelente forma de ocupar umas horas. Acho que não podemos pedir mais do que isto.

Maria Braun

domingo, 18 de novembro de 2012

De olhos vermelhos...


Revi Donnie Darko.
Um coelho a anunciar o fim do mundo. Nunca pensei que isso me soasse familiar.
Sally Bowles

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Como lutar?

Não estive presente na manifestação de quarta-feira. Passei o dia numa busca angustiada de emprego e comecei a trabalhar num call center onde faço entrevistas telefónicas. Não tenho um vencimento base - ganho consoante o número de entrevistas validadas. Ou seja, aquelas que são feitas mas que não se enquadram nos critérios definidos não valem nada. O regime de trabalho é por prestações de serviços. No meu primeiro dia de trabalho ganhei aproximadamente 4 euros. 

A primeira coisa que gostaria de expressar é o meu asco pelas palavras do primeiro-ministro. E o meu asco é extensível à sua pessoa e ao seu governo. A segunda coisa é a capacidade destas criaturas em desviar a atenção de uma greve geral para uma situação de arremesso de pedras por parte de um grupo isolado de pessoas e que se tornou o assunto da jornada. Como é óbvio, a intervenção da polícia foi completamente desmedida. As imagens, através de várias fontes, mostram um grupo de pessoas a lançar pedras, na frente da manifestação. Retirar esses elementos não devia ser difícil, tanto mais que estavam isolados. Não. A ordem foi: aguentem para depois terem justificação para aquilo que vão fazer. E assim foi: bateram, perseguiram, indiscriminadamente.

Apesar de ser contra a violência destes manifestantes, não consigo deixar de sentir uma certa empatia por eles. Este é um assunto complexo porque puxa imediatamente várias perguntas e as respostas não são cabais. É certo, eu não sei quais são os motivos que os levam a lançar pedras. Também se pode perguntar pela possibilidade de haver agentes infiltrados no meio destas pessoas. E dado o ministro da administração interna que ocupa o lugar, tal possibilidade não se assume como absurda ( dizem que este é um psd diferente, mas não é difícil detectar continuidades entre Dias Loureiro e Macedo). No entanto, se algumas das pessoas que atiraram pedras o fizeram por sentirem que não têm para onde se virar, então eu não as condeno moralmente. Já no que diz respeito ao resultado da noite, poderia dizer que acabaram por fazer um favor a este governo (se assim merece ser nomeado).

Mas é tempo das pessoas perceberem a diferença entre aquilo que vêem e aquilo que lhes é dito por este governo e pela comunicação social. E é tempo de olharem para o caminho que o país está a fazer e para o que se pode avistar no horizonte. E não, não é um céu pouco nublado. É bastante negro. Por isso, devemos pensar em que lado estamos e como podemos lutar para poder sobreviver. Não sinto embaraço em dizer sobreviver porque, no meu caso, é disto que se trata, apesar de querer mais do que isso. Quero um emprego decente, porra! Onde entre para trabalhar e saia com a recompensa do valor do meu trabalho para poder pagar renda, contas e comida.

Por isso, estou em guerra com este governo. Quero estas criaturas na Nova Zelândia. Não quero ver vídeos que ofendem o meu gosto em ser português para que os alemães saibam como vivo e para darem o voto à chanceler para que ela continue com a mesma política. Quero um governo com capacidade de negociação, com capacidade de marcar uma posição - dizer à troika: meus senhores, isto não funciona. Não quer estar na mão de fanáticos e da sua asquerosa agenda ideológica. Por isso, a minha pergunta e um dos meus esforços doravante é: como é que eu luto, sem atirar pedras? É que eu ainda vou trabalhar para não conseguir sobreviver. Até um dia. Porque a história vai bater à porta destas pessoas.

K. Douglas




terça-feira, 13 de novembro de 2012

Confusos?




Tudo o que há para saber sobre gatos e não só em Weird Book Room

Sally Bowles

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Pouca terra

Proust (novamente ele, é verdade!) tinha uma receita curiosa para as insónias. E não era contar carneiros. Quando não conseguia dormir, entretinha-se a ler o horário dos comboios, imaginando os enredos que se escondiam por detrás dos insípidos nomes das localidades da província. Li este fait-divers no divertido livro de Alain Botton, Como Proust pode mudar a sua vida, cuja leitura aconselho vivamente.
Hoje, ao olhar para os horários da CP, lembrei-me do autor de À la recherche, eu própria à recherche de um comboio para Tomar. Fazendo a pesquisa no sítio da CP, no separador "Horários e preços", e seleccionando na caixa "Origem" a opção "Lisboa-Oriente", as hipóteses que surgem em "Destino" são numerosas e algumas até algo insondáveis. Abrantes, Abrunhosa, Ademia...
Ademia. O leitor conhece? Eu não.
O que sabe Google sobre Ademia? Primeiro, fica confuso. Julga que eu quero dizer "academia". Não podias estar mais enganado, querido Google. É mesmo Ademia.
Fico a saber que há uma Associação Desportiva e Cultural da Adémia. Creio que não é o que estou à procura. Um acento a mais. Ademia é também um nome feminino. Talvez para pais que ansiavam por um rapaz. Há uma Ademia de Cima (possivelmente também haverá uma Ademia de Baixo - qual das duas tem um terminal ferroviário?) e um Centro Social da Ademia que conta com muitos anos de experiência e uma elevada qualidade na área de IPSS. Ademia já tem, não um parque infantil, mas uma equipa de basebol e uma escola do 1º Ciclo.
Talvez Ademia seja realmente Adémia. O sítio "Memória Portuguesa" informa que Adémia é uma aldeia da freguesia de Trouxemil, no concelho de Coimbra, e que, de facto, está dividia em dois lugares, os tais de Cima e de Baixo. Tem ermida, capela, cemitério. De Adémia não há fotos. Resta-nos a imaginação.
Em Adémia talvez exista uma D. Maria. É certo que há Donas Marias em todas as aldeias portuguesas. Sozinha numa casa de pedra, a recordar-se dos filhos emigrados em Paris da França enquanto arranja umas couves. Adémia fora uma bonita rapariga e partira o coração a muitos rapazes quando nos bailes rodopiava os cabelos e a saia. Mas foi o seu coração que se partiu por um magala da cidade que casou com a Sãozinha de Alvalade. Maria bem tentou amarrar o destino do magala ao seu com a ajuda da D. Lurdes das mezinhas. Mas ele só tinha olhos para a lambisgóia...
[Bocejo] Bem, o Proust lá tinha razão. Isto dá cá um sono.

Maria (a Braun, não a D. Maria), eu sei que este post pode parecer completamente despropositado, mas partilho contigo a alegria pelos resultados das eleições norte-americanas. Obama na Casa Branca e Mitt Romney, quiçá... em Adémia. Porque não, Sr. Pastor? Gozar a velhice pacatamente numa aldeia pitoresca longe de tudo, longe do mundo.

Sally Bowles

I'm a very happy bunny today




Maria Braun

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Não há lugar para neutralidades nesta luta


Nos últimos tempos tenho regressado bastantes vezes a esta canção. Talvez tenha ouvido mais a versão (alterada) de Billy Bragg, mas a minha versão preferida continua a ser a de Pete Seeger. Fiquem com Which Side Are You On, um dos frutos das amargas batalhas de mineiros nos Estados Unidos dos inícios dos anos 30.



Maria Braun