Antes de tudo, começo este meu post com uma sugestão. Ide ver o novo filme dos Cohen, meus irmãos. A Serious Man é, como diria o K., delicioso e transborda daquele humor desconfortável, com um quê de culpa, propenso mais a esgares de lábios do que a gargalhadas sonoras, a que os dois manos já nos habituaram. Rabis, Jefferson Airplane, gato de Schrödinger, marijuana e bar mitzvah, tudo reunido no Minnesota dos anos 60. Os Cohen ter-se-ão inspirado no Livro de Job para compôr a história de um homem sério sobre o qual o mundo desaba, sendo na sua desgraça que o filme colhe a sua dose de humor.
O Livro de Job é, possivelmente, um dos meus livros bíblicos de eleição e julgo que muitos partilharão dessa minha preferência. Além do interesse literário e da beleza poética, a minha atenção recai no facto deste ser o exemplo mais marcante em toda a Bíblia do senso de humor tipicamente judaico.
Senão, recordemos: Job vivia feliz na sua terrinha, com as suas ovelhas, bois, camelos e burras, com os seus sete filhos e três filhas [sim, e era feliz apesar disso... outros tempos!]. Além do mais, Job era um tipo piedoso, que sacrificava animaizinhos a Deus e tudo. Mas, como em tudo na vida, lá em cima a história era outra. Deus e Satanás encontram-se:
Deus - Donde vens agora?
Satanás - Fui dar umas voltas pela terra.
D. - Não reparaste no meu servo Job? Não há outro como ele no mundo! É um homem bom e honesto, muito religioso e não faz nada de mal!
S. - Achas que os seus sentimentos religiosos são desinteressados? Blá... blá... blá... Experimenta levantar a mão contra aquilo que é seu e verás se ele não te amaldiçoa, mesmo na tua frente.
D. - Tudo o que lhe pertence está à tua disposição, mas nele mesmo não podes tocar.
O resto da história já se sabe. Todas as desgraças desabam sobre o pobre Job e ele limita-se a lamentar. Um belíssimo lamento, admitemos. O final é feliz, como não podia deixar de ser. Ou não fosse este o melhor dos mundos possíveis, como diria Pangloss.
Deus ri. E tem um humor muito negro.
Sally Bowles