terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A escritora-bruxa-boa do Sul



O dia da restauração da independência está cinzento. Tomada esta nota, devo dizer que eu nunca li Dos Passos e que, como tal, me arrisco à danação eterna. Mas talvez seja compensado por ter lido recentemente Tudo o que sobe deve convergir de Flannery O' Connor (há um pormenor na biografia de O'Connor que pode interessar os fãs de House MD: a senhora morreu mesmo de lúpus). A Sally anda por Nova York, eu andei pelo Sul conflituoso, mesquinho e assombrado. A leitura fez-me soprar muitas vezes e isso fez-me virar as páginas mais depressa. Nos embates mortais entre família, entre patrões e empregados, entre brancos e negros, entre o Sul e o Norte, entre um mundo que deixa de existir e um novo que não se reconhece, há uma brutalidade que é muito serena ou, melhor, que é habilmente contida pela autora. Em alguns momentos podemos lembrar-nos de algumas coisas do realismo sul-americano (um caso particular é o conto Greenleaf), embora a brutalidade não seja "histérica", assim como as tonalidades do céu do Sul não se prestam a metáforas exuberantes mas "apenas" a uma descrição apurada da sua cor, do tom preciso do seu branco. São dois mundos diferentes, mas tocam-se naquilo que têm de assombroso e na obstinação das personagens que vivem nele. O' Connor garantia-me uma permanência no Purgatório, mas o facto de ter lido numa assentada Lunar Park de Bret Easton Ellis leva-me de novo para a barca danada. Diga-se de passagem que é muito bom.

K.Douglas