quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Cinema 00'

O balanço de final do ano é uma tradição já plenamente instituída entre nós. Chegamos à última semana de Dezembro, ainda com a ressaca do Natal, e recordamos os grandes momentos que o ano nos trouxe. Mas o final de 2009 tem um atributo especial. É verdade que não podemos falar de final de década. É senso comum que, para isso, teremos ainda de esperar pelas 24h do dia 31 de Dezembro de 2010. Porém, o facto do algarismo das dezenas passar do 0 para o 1 é digno de ser celebrado com mais uma taça de champagne e com mais algumas passas. Também é um momento digno de um balanço mais alargado.
O nosso camarada K. propôs-nos, então, a elaboração de um top 10 dos filmes que marcaram os últimos dez anos. Uma tarefa árdua, sem dúvida! Porém, aceitámos o desafio.
Confesso que não pensei muito, optei por uma escolha mais institiva. Se começasse a ponderar com maior profundidade, decerto que não conseguiria eleger apenas dez. Portanto, a lista que vou apresentar em seguida é a minha escolha no dia 30 de Dezembro, às 15.40. Daqui a uma hora teria, possivelmente, uma lista completamente diferente.
Contudo, optei por alguns critérios. Primeiro, tentei aliar as minhas escolhas pessoais a um gosto mais massificante. Segundo, esforcei-me por uma diversificação dos géneros. Terceiro, recusei dar uma ordem à lista - tal seria demasiado difícil e obrigar-me-ia a comparar obras muito diversas entre si.
Sem mais conversa, aqui fica a lista:
  • High Fidelity [Alta Fidelidade], de Stephen Frears (2000)
  • The Lord of the Rings - The Fellowship of the Rings [O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel], de Peter Jackson (2001)
  • Gosford Park, de Robert Altman (2001)
  • Far from Heaven [Longe do Paraíso], de Todd Haynes (2002)
  • A Cidade de Deus, de Fernando Meirelles (2002)
  • Finding Nemo [À Procura de Nemo], de Andrew Stanton (2003)
  • Kill Bill, de Quentin Tarantino (2003-2004)
  • The New World [O Novo Mundo], de Terence Mallick (2005)
  • Persepolis, de Marjane Satrapi (2007)
  • La Graine et le Mulet [O Segredo de um Cuscuz], de Abdel Kechiche (2008)
Nos próximos dias, iremos publicar a lista final, elaborada em conjunto pelos três confusers. Por isso, aguardem com expectativa!
Sally Bowles

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal




Maria Braun

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um Natal com Audrey Hepburn

As comédias românticas têm uma rainha absoluta: chama-se Ninotchka. Depois, temos o Apartamento de Billy Wilder e de seguida este filme, talvez o meu preferido com Audrey Hepburn.

K. Douglas

"The rain in Spain stays mainly in the plain" or yes, it's loverly

Audrey Hepburn, My Fair Lady, 1964.

Proponho um exercício de regresso à infância com a consciência de esta guardar um grande filme: My Fair Lady de George Cukor (1964). Vejamos pois com os olhos de quem sabe reconhecer um grande filme e, também, ao mesmo tempo, com um olhar que se abre e vê o encanto de Audrey Hepburn, que não tinha, é certo, voz para o papel - por isso a sua voz foi dobrada - mas que a reconhece como a eterna Eliza Doolitlle. Podem-se escolher uns quantos momentos em que Hepburn é perfeita. Gene Allen, director artístico do filme, diz no comentário áudio ao filme que ninguém encarnaria melhor uma princesa que Hepburn, referindo-se à prestação desta na segunda parte do filme, onde se comporta como uma senhora. De facto, Hepburn joga em casa. Basta lembrar-nos de Férias em Roma (William Wyler, 1953), onde fez de princesa Ann e das sequências do primeiro baile de Natasha em Guerra e Paz (King Vidor, 1956). Mas se nesses casos há uma naturalidade das personagens nessas circunstâncias, o mesmo não se passa no baile da embaixada em My Fair Lady. Eliza está nervosa. Fica apreensiva quando a rainha da Transilvânia olha directamente para ela e o seu rosto transparece de alívio e de alegria quando esta lhe diz que ela é encantadora. Estes breves segundos são importantes porque conferem consistência à transformação de Eliza. Ela ainda é vendedora de flores desbocada - "Garnn!"- de Covent Garden. E nesse registo "horrivelmente sujo", "deliciosamente baixo", Hepburn não é menos perfeita. É cheia de graça, quer no encanto, quer na sua comicidade. A expressão do rosto é tudo.Veja-se quando dança em cima de uma carroça cheia de folhas de couve e as lança ao ar como se fossem flores. Aliás, nenhuma mulher é mais bonita neste mundo com uma folha de couve na mão do que Audrey Hepburn. Não é a sua voz que se ouve na sequência de Wouldn't it be loverly (apesar de a ter feito com a sua voz - o processo de dobragem foi feito aquando da edição), mas o que se vê não é uma coitadinha a sonhar com uma vida melhor, mas alguém que imagina a alegria ( e mostra-a ao espectador) de sentir a cara, as mãos e os pés quentes, sem ter que fazer nada até à Primavera. A actuação é tão boa que por um momento julgamos estar nesse quente e mesmo quando sabemos que não estamos lá, quando Eliza abre os braços no ar e a carroça a desce, como que a dizer, volta para onde estás, a sua fantasia não perde a alegria. Este descer da carroça é um daqueles momentos mágicos de Hollywood que perdura na memória. E se se ouvir esta sequência com voz de Hepburn, esta descida, por assim dizer, de Eliza é ainda mais conseguida, uma vez que ela confere à palavra cantada "loverly" esse efeito de distanciamento daquilo que ela quer e não tem. Ao mesmo tempo, deve dizer-que que Eliza dificilmente teria uma voz de soprano, não desfazendo Julie Andrews e as suas quatro oitavas, que canta o papel como ninguém.
Dito isto, voltemos a acompanhar os tormentos da pobre Eliza para aprender a falar correctamente, infligidos pelo petulante e misógeno professor Higgins (o momento em que Eliza - uma das poucas oportunidades em que se pode ouvir a voz de Hepburn - imagina a execução do professor sob as suas ordens e com o assentimento do rei é soberbo), assim como o genial percurso do seu pai, um malandro com o maior carácter de sempre: a sua vida é um esforço constante para fugir à moral medíocre da classe média mas é apanhado por ela, precisamente pelo casamento. Apreciemos cada momento, desde o instante em que Eliza se rende ao professor Higgins por chocolate, caixas e caixas de chocolate - todos os dias! -, passando pela primeira prova de fogo em Ascot (produção brilhante) - "Come on Dover! Move your bloomin' arse!" -, até ao grande momento do baile na embaixada e do que daí resulta. My Fair Lady só tem um perigo: uma certa sensação reacionária. Porque é que já não se fazem filmes assim?

K. Douglas

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Umberto Eco, Superstar

Definitivamente, sou uma umbertista (ecoísta, soa mal, não acham?). Seguiria Umberto Eco pelo Mar Vermelho adentro. Algures na Estrada de Damasco da minha adolescência, o Pêndulo de Foucault abateu-se sobre a minha cabeça e ali, meus amigos, eu vi a luz. Desde então, tenho pregado o Umbergelho pelos quatro cantos da minha vã existência, por vezes sem sucesso, confesso. Mas, mesmo assim, consegui fazer alguns neófitos. O K. pode confirmar.
Porque gosto tanto de Umberto Eco? Atentem apenas neste excerto da entrevista que ele deu há um ano para a Paris Review.
"Entrevistador: Leu o Código Da Vinci?
Eco: Sim, também sou culpado por isso. [Antes, ele tinha confessado a sua obsessão por séries televisivas, em particular pelas policiais]
Entrevistador: Esse romance parece uma variação bizarra do Pêndulo de Foucault.
Eco: O autor, Dan Brown, é uma personagem do Pêndulo de Foucault! Eu inventei-o. Ele partilha as mesmas fascinações das personagens: o mundo das conspirações rosa-crucianas, maçónicas e jesuítas. O papel dos Cavaleiros do Templo. O segredo hermético. O princípio de que tudo está ligado. Eu suspeito que Dan Brown nunca deve ter existido."
Oh! Umberto Eco Superstar!
Sally Bowles

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A escritora-bruxa-boa do Sul



O dia da restauração da independência está cinzento. Tomada esta nota, devo dizer que eu nunca li Dos Passos e que, como tal, me arrisco à danação eterna. Mas talvez seja compensado por ter lido recentemente Tudo o que sobe deve convergir de Flannery O' Connor (há um pormenor na biografia de O'Connor que pode interessar os fãs de House MD: a senhora morreu mesmo de lúpus). A Sally anda por Nova York, eu andei pelo Sul conflituoso, mesquinho e assombrado. A leitura fez-me soprar muitas vezes e isso fez-me virar as páginas mais depressa. Nos embates mortais entre família, entre patrões e empregados, entre brancos e negros, entre o Sul e o Norte, entre um mundo que deixa de existir e um novo que não se reconhece, há uma brutalidade que é muito serena ou, melhor, que é habilmente contida pela autora. Em alguns momentos podemos lembrar-nos de algumas coisas do realismo sul-americano (um caso particular é o conto Greenleaf), embora a brutalidade não seja "histérica", assim como as tonalidades do céu do Sul não se prestam a metáforas exuberantes mas "apenas" a uma descrição apurada da sua cor, do tom preciso do seu branco. São dois mundos diferentes, mas tocam-se naquilo que têm de assombroso e na obstinação das personagens que vivem nele. O' Connor garantia-me uma permanência no Purgatório, mas o facto de ter lido numa assentada Lunar Park de Bret Easton Ellis leva-me de novo para a barca danada. Diga-se de passagem que é muito bom.

K.Douglas