Há dias, desfolhei um livro com um título tão amplo quanto Cultura. Tudo o que precisa saber, ou qualquer coisa assim. É uma síntese de “o essencial a saber para não parecer parvo de todo” ou de “o conhecimento necessário para uma conversa de café minimamente inteligente”, embora temas como Física Quântica e Dialéctica Hegeliana não sejam propriamente os assuntos de eleição entre uma bica e um pastel de nata. Enfim, trata-se de uma espécie de “cultura essencial em 600 páginas”, possivelmente para figurar nas mesinhas de cabeceira de socialites que, não conhecendo nem “a Quântica” nem “a Hegeliana”, querem sempre ficar bem nos salões (gosto do termo salões, muito coquete!). Porém, o livro tem um capítulo que considero deveras interessante, se não pelo conteúdo, pelo menos como proposta de reflexão. Neste, é elencada uma série de conhecimentos desnecessários, ou melhor, que podem causar série embaraço caso manifestados. Um “tudo o que não deve saber” que se resume a algumas breves achegas lógicas sobre o que nunca deve ser conhecido e, sobretudo, comunicado como o último episódio da novela da noite ou os pormenores das relações extra-maritais da nobreza europeia.
Ora bem, tal conduziu-me a um exercício de auto-análise e o resultado foi uma breve lista do que eu sei e nunca, nunca mesmo, deveria saber . Sim, breve porque há coisas que é melhor não revelar, mesmo quando nos fazemos passar por uma artista de cabaret na Alemanha dos anos 30. Cinco coisas que, com embaraço, confesso:
Sei uma boa parte (uma boa e vergonhosa parte) da letra do Taras e Manias do Marco Paulo;
Sou capaz de dizer três ou quatro títulos desse ícone da cultura norte-americana, Danielle Steel (é o que dá ler catálogos do Círculo de Leitores. Ups!... este deveria ser o ponto 3);
Li o Alquimista do Paulo Coelho (mas fique desde já aqui escrito que não gostei!)
Trauteio com frequência temas dos ABBA, dos Bee Gees (e isto faz-me lembrar um comentário de um outro blog – vide www.realimaginado.blogspot.com), do Avô Cantigas, enfim...
Sei quem foi o vencedor do primeiro Big Brother (mas não do segundo, ah!ah!ah!)
“Cobri minhas faces que morro de vergonha!”Sally Bowles
quinta-feira, 27 de março de 2008
segunda-feira, 24 de março de 2008
terça-feira, 18 de março de 2008
Paris no cinema
Je n'aime que toi - Louis Garrel, Ludivine Sagnier e Clotilde Hesme
Em Outubro passado estreou em Portugal o último filme de Christophe Honoré. Segundo o site da Fnac, sairá em DVD no fim desta semana. Confesso não ser grande fã do realizador, mas Les Chansons d’Amour foi uma experiência bem interessante, ainda que algo inconsistente e, por vezes, mesmo irritante. Honoré devia começar a descolar-se um pouco mais da nouvelle vague… Homenagem explícita a Jacques Demy e ao seu Les Parapluies de Cherbourg, a começar pela estrutura tripartida do filme e passando pelo casting de Chiara Mastroianni (com um chapéu-de-chuva transparente como o que a mãe usava no filme de Demy), Les Chansons d’Amour é uma tragédia musical. Fala-nos de uma relação condenada, de uma ménage à trois, da inesperada perda e da redescoberta agridoce do amor. As canções não são os momentos de espectáculo puro dos musicais americanos, são cantadas num tom sussurrado; é como se as conversas mais íntimas entre as personagens assumissem, por algum motivo, o formato de canção. Fica aqui um vídeo e uma dúvida: terei escrito este post porque revi recentemente o filme (edição francesa vinda há alguns meses através da amazon…) e queria partilhar um dos seus momentos, ou estava apenas à procura de uma desculpa para colocar no blog imagens do absurdamente belo Louis Garrel?
Maria Braun
sexta-feira, 14 de março de 2008
quinta-feira, 6 de março de 2008
Duelos em noites de Óscares: 2006 e 2008
Parece ser desnecessário, passada mais de uma semana, voltar ao tema dos Óscares. Mas, agora que já vi tanto Haverá Sangue como Este País Não É Para Velhos (“country” neste caso significa “região” e não “país” – é uma referência ao Texas) e que sei o que penso de cada um deles, é possível reflectir melhor sobre o que se passou na noite de 24 de Fevereiro. Em primeiro lugar, gostei muito de ambos os filmes e julgo que tanto um quanto o outro mereciam vencer. Não se pode comparar esta escolha com o que sucedeu há dois anos, quando Crash bateu Brokeback Mountain na corrida. Qualquer disputa sobre qual dos filmes devia levar a estatueta é uma questão de gosto pessoal e não, na minha opinião, de qual é verdadeiramente melhor. Pessoalmente, gostei um bocadinho mais de Haverá Sangue. Mas esse “bocadinho” é mesmo muito pequeno…
Quem anda pelos sites e blogs de cinema sabe que a vitória de Crash ainda não foi digerida pelos “cinéfilos”, apesar de já se terem passado dois anos. A razão? Penso que foi pelas altas expectativas que a escolha dos filmes, nesse ano, gerou. Os nomeados para os Óscares nunca são “os melhores” – ninguém com o mínimo de bom-senso acredita nisso. Alguns são razoáveis, outros bastante maus. Há filmes bons, mas normalmente, com algumas excepções, ficam-se pela nomeação. Os Óscares estão cheios de vitórias injustas – Rocky venceu no ano em que Taxi Driver foi nomeado, Kramer Contra Kramer bateu Apocalypse Now, Gente Vulgar ganhou contra O Touro Enraivecido, Forrest Gump bateu Pulp Fiction, Titanic venceu L.A. Confidential – e a lista continua. A Academia escolhe quase sempre o filme mais conservador, consensual, confortável. De vez em quando gostam de mostrar que são capazes de escolhas relativamente inspiradas, mas é apenas fogo de vista. Nos últimos anos, a selecção do “melhor filme” parecia ter batido no fundo, com vencedores como Chicago, Uma Mente Brilhante, O Regresso do Rei, Gladiador… Por isso, julgo que foi uma surpresa para todos quando, em 2006, a selecção foi verdadeiramente boa. Os outros nomeados eram Munique, Capote e Boa Noite, e Boa Sorte. Nada mal. Havia, no entanto, um filme claramente inferior neste grupo – um filme com a subtileza e delicadeza de um elefante numa loja de porcelanas, um filme que se via bem mas que era uma espécie de “racismo explicado a crianças de dois anos” – e esse filme era Crash. Penso que a razão pela qual ninguém ainda esqueceu esta escolha da Academia foi por ter sido aquele o vencedor – se o excelente Munique ou o sólido Capote tivessem ganho, haveria alguns protestos, mas pouco depois seriam feitas as pazes com a Academia. Brokeback Mountain teria perdido para um bom filme. Assim, a Academia apenas renovou a sua tradição de premiar filmes medíocres.
Este ano nada disso aconteceu. De novo, tal como há dois anos, houve uma selecção bastante boa. Sim, eu prefiro Haverá Sangue, mas não posso disputar a escolha da Academia. Sou grande fã dos Coen e penso que é óptimo voltar a ver bons filmes com a sua assinatura, algo que não acontecia desde The Big Lebowski. Este País vinha com excelente buzz de Cannes, foi aplaudido pela crítica internacional e é uma adaptação de um livro de Cormac McCarthy. Tudo boas razões para esperar a estreia com imensa expectativa. McCarthy parecia uma excelente escolha – para além de ser, com Roth e Pynchon, um dos grandes escritores americanos contemporâneos, este seu livro assenta que nem uma luva ao cinema dos Coen. Este filme não destoa do que fizeram até agora: uma acção criminosa que corre mal e uma mala cheia de dinheiro como detonadores da acção – temas recorrentes – a personagem enigmática que incarna o mal absoluto, como a que encontrávamos, por exemplo, em Arizona Júnior… É um filme tenso e que não nos larga, nem durante o visionamento, nem muito tempo depois. Acho, no entanto, que a vitória era previsível. É que Este País é, de alguma forma, o mais tradicional dos dois filmes, o mais confortável – porque mais facilmente categorizável – para a Academia. Não concordo com aqueles que dizem que é o melhor Coen – antes há Barton Fink ou Fargo – e acho mesmo que muito do humor subversivo dos irmãos, apesar de não estar ausente, já não é tão sublinhado. Para além do mais, quando comparado com Haverá Sangue, vê-se como a sua estrutura é relativamente conservadora; talvez tenha menos falhas, mas também arrisca menos.
Haverá Sangue é um filme de proporções épicas. É ambicioso e excêntrico. É Griffith, é Stroheim, é de Mille. Mas, ao mesmo tempo, é um filme que, mais do que Este País, desafia géneros e convenções cinematográficas, com mudanças bruscas de estilo. E fá-lo com uma grande segurança. Por outro lado, consegue ser simultaneamente contemporâneo e intemporal. É intemporal enquanto épico, filiando-se nessa imagética do cinema mudo, assim como na delineação de um confronto, muito tradicional no cinema americano (e que nos remete para o western), entre o anti-herói e a sua némesis, entre Plainview e Eli Sunday (fantástico Paul Dano!) – apesar de, aqui, tudo ser ligeiramente distorcido. Conta a história da construção da fortuna de um magnata do petróleo, apelando à memória que temos, por exemplo, de Citizen Kane. Mas, se se pode situar este filme num cruzar de diversas correntes tradicionais do cinema americano, este é um filme do momento. A construção de uma América capitalista (porque é um filme sobre capitalismo), as fortunas feitas através das explorações petrolíferas e a manipulação que elas exercem sobre as populações, o poder persuasivo de evangélicos fraudulentos e sem escrúpulos, tudo isso pode ser visto como uma metáfora da América contemporânea, da América de Bush, Cheney e da guerra do Iraque.
Enquanto simples espectadora de cinema, gostei da selecção feita pela Academia este ano, gostei de ver os Coen reconhecidos e acho que Este País será lembrado como um dos melhores vencedores do Óscar de melhor filme. Mas acho injusto que Paul Thomas Anderson tenha saído de mãos vazias e que o seu filme tenha apenas ganho dois prémios. O tempo dirá qual deles resistirá melhor e se serão vistos ou não como clássicos daqui a umas décadas. Pessoalmente, acho que Haverá Sangue, tão atípico tanto na carreira de P.T. Anderson como enquanto objecto cinematográfico – e pelo simples facto de Este País ser um filme que os Coen já fizeram antes e provavelmente melhor – será, no futuro, umas das referências do cinema americano do início do nosso século. Veremos.
Quem anda pelos sites e blogs de cinema sabe que a vitória de Crash ainda não foi digerida pelos “cinéfilos”, apesar de já se terem passado dois anos. A razão? Penso que foi pelas altas expectativas que a escolha dos filmes, nesse ano, gerou. Os nomeados para os Óscares nunca são “os melhores” – ninguém com o mínimo de bom-senso acredita nisso. Alguns são razoáveis, outros bastante maus. Há filmes bons, mas normalmente, com algumas excepções, ficam-se pela nomeação. Os Óscares estão cheios de vitórias injustas – Rocky venceu no ano em que Taxi Driver foi nomeado, Kramer Contra Kramer bateu Apocalypse Now, Gente Vulgar ganhou contra O Touro Enraivecido, Forrest Gump bateu Pulp Fiction, Titanic venceu L.A. Confidential – e a lista continua. A Academia escolhe quase sempre o filme mais conservador, consensual, confortável. De vez em quando gostam de mostrar que são capazes de escolhas relativamente inspiradas, mas é apenas fogo de vista. Nos últimos anos, a selecção do “melhor filme” parecia ter batido no fundo, com vencedores como Chicago, Uma Mente Brilhante, O Regresso do Rei, Gladiador… Por isso, julgo que foi uma surpresa para todos quando, em 2006, a selecção foi verdadeiramente boa. Os outros nomeados eram Munique, Capote e Boa Noite, e Boa Sorte. Nada mal. Havia, no entanto, um filme claramente inferior neste grupo – um filme com a subtileza e delicadeza de um elefante numa loja de porcelanas, um filme que se via bem mas que era uma espécie de “racismo explicado a crianças de dois anos” – e esse filme era Crash. Penso que a razão pela qual ninguém ainda esqueceu esta escolha da Academia foi por ter sido aquele o vencedor – se o excelente Munique ou o sólido Capote tivessem ganho, haveria alguns protestos, mas pouco depois seriam feitas as pazes com a Academia. Brokeback Mountain teria perdido para um bom filme. Assim, a Academia apenas renovou a sua tradição de premiar filmes medíocres.
Este ano nada disso aconteceu. De novo, tal como há dois anos, houve uma selecção bastante boa. Sim, eu prefiro Haverá Sangue, mas não posso disputar a escolha da Academia. Sou grande fã dos Coen e penso que é óptimo voltar a ver bons filmes com a sua assinatura, algo que não acontecia desde The Big Lebowski. Este País vinha com excelente buzz de Cannes, foi aplaudido pela crítica internacional e é uma adaptação de um livro de Cormac McCarthy. Tudo boas razões para esperar a estreia com imensa expectativa. McCarthy parecia uma excelente escolha – para além de ser, com Roth e Pynchon, um dos grandes escritores americanos contemporâneos, este seu livro assenta que nem uma luva ao cinema dos Coen. Este filme não destoa do que fizeram até agora: uma acção criminosa que corre mal e uma mala cheia de dinheiro como detonadores da acção – temas recorrentes – a personagem enigmática que incarna o mal absoluto, como a que encontrávamos, por exemplo, em Arizona Júnior… É um filme tenso e que não nos larga, nem durante o visionamento, nem muito tempo depois. Acho, no entanto, que a vitória era previsível. É que Este País é, de alguma forma, o mais tradicional dos dois filmes, o mais confortável – porque mais facilmente categorizável – para a Academia. Não concordo com aqueles que dizem que é o melhor Coen – antes há Barton Fink ou Fargo – e acho mesmo que muito do humor subversivo dos irmãos, apesar de não estar ausente, já não é tão sublinhado. Para além do mais, quando comparado com Haverá Sangue, vê-se como a sua estrutura é relativamente conservadora; talvez tenha menos falhas, mas também arrisca menos.
Haverá Sangue é um filme de proporções épicas. É ambicioso e excêntrico. É Griffith, é Stroheim, é de Mille. Mas, ao mesmo tempo, é um filme que, mais do que Este País, desafia géneros e convenções cinematográficas, com mudanças bruscas de estilo. E fá-lo com uma grande segurança. Por outro lado, consegue ser simultaneamente contemporâneo e intemporal. É intemporal enquanto épico, filiando-se nessa imagética do cinema mudo, assim como na delineação de um confronto, muito tradicional no cinema americano (e que nos remete para o western), entre o anti-herói e a sua némesis, entre Plainview e Eli Sunday (fantástico Paul Dano!) – apesar de, aqui, tudo ser ligeiramente distorcido. Conta a história da construção da fortuna de um magnata do petróleo, apelando à memória que temos, por exemplo, de Citizen Kane. Mas, se se pode situar este filme num cruzar de diversas correntes tradicionais do cinema americano, este é um filme do momento. A construção de uma América capitalista (porque é um filme sobre capitalismo), as fortunas feitas através das explorações petrolíferas e a manipulação que elas exercem sobre as populações, o poder persuasivo de evangélicos fraudulentos e sem escrúpulos, tudo isso pode ser visto como uma metáfora da América contemporânea, da América de Bush, Cheney e da guerra do Iraque.
Enquanto simples espectadora de cinema, gostei da selecção feita pela Academia este ano, gostei de ver os Coen reconhecidos e acho que Este País será lembrado como um dos melhores vencedores do Óscar de melhor filme. Mas acho injusto que Paul Thomas Anderson tenha saído de mãos vazias e que o seu filme tenha apenas ganho dois prémios. O tempo dirá qual deles resistirá melhor e se serão vistos ou não como clássicos daqui a umas décadas. Pessoalmente, acho que Haverá Sangue, tão atípico tanto na carreira de P.T. Anderson como enquanto objecto cinematográfico – e pelo simples facto de Este País ser um filme que os Coen já fizeram antes e provavelmente melhor – será, no futuro, umas das referências do cinema americano do início do nosso século. Veremos.
Maria Braun
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