sábado, 23 de janeiro de 2010

Desculpe, foi engano.


Grace Kelly, Dial M for Murder, 1954.

Em conversa com a Sally, fiquei a saber que tínhamos visto no mesmo dia um filme com Grace Kelly, ambos de Hitchcock: Dial M for Murder e Rear Window, ambos de 1954 (há demasiados "ambos"nesta frase). Achei esta coincidência engraçada e, agora, depois de um jantar tipicamente alentejano - migas com carne, acompanhadas com café - decidi escrever qualquer coisa sobre o assunto. Começo pelas louras. Para muitos, Grace Kelly é a ultimate blonde de Hitchcock. Eu tendo a concordar, embora tenha um ""fracão"" por Ingrid Bergman em Notorious (aquele beijo) e por Tippi Hedren em Os Pássaros. Mas não esqueço Grace Kelly e a sua saia a roçar pelos móveis do quarto de James Stewart. Tal erotismo só se encontra noutros filmes de Hithcock: o aludido beijo entre Ingrid Bergman e Cary Grant, as sequências iniciais de Psycho ou as perseguições de Stewart a Kim Novak pelas ruas de S. Francisco em Vertigo, o meu filme preferido de Hitchcock (embora hoje compreenda um pouco mais a Maria, quando ela apontava Psycho como o seu preferido).

A Sally diz que ninguém sobe com tanta elegância umas escadas como Grace Kelly. É capaz.. Em Chamada para a morte - logo nos primeiros 5 minutos - já ninguém a esquece. Quando recebe o amante, Grace deixa de usar a roupa casual, ainda que elegante e sofisticada, do quotidiano com o marido e enverga um vestido vermelho. Estes pormenores são, como se sabe, importantes no cinema de Hitchcock. O caso mais conhecido foi a insistência para que Kim Novak usasse cinzento em Vertigo. A actriz não queria, o cinzento não a favorecia, mas as instruções dadas foram rigorosas: qualquer tom de cinzento, desde que seja cinzento.. A cor, aliada ao seu rosto e aos seus cabelos, criavam um efeito débil que a fariam aparecer como que saída do nevoeiro de S. Francisco. Assim, e voltando a Kelly, o vestido vermelho, revela a paixão  e o sexo inexistentes no seu casamento.

Há duas coisas que me fizeram gostar bastante deste filme. Em primeiro lugar é o filme que mais se aproxima do registo d' A Corda, precisamente pela sua teatralidade (é certo que o filme é a adaptação da peça de teatro com o mesmo nome) e pelo facto de acontecer quase exclusivamente em interiores. Mas ao contrário d' A Corda, que não tinha edição nenhuma, Chamada para a morte, oferece ao espectador belos planos, reconhecendo este, de imediato, o olho de Hitchcock. Em segundo lugar: o vilão. É talvez o meu preferido. A interpretação de Ray Milland é muito boa. Trata-se de um homem de uma posição social elevada, descontraído, amistoso - um anfitrião perfeito para fazer a melhor sala - e que planeia meticulosamente a morte da sua mulher. É precisamente aqui que está o seu interesse. Não se trata de um homem com dois lados, com uma fachada. Ao contar o seu plano ao executante, não há uma alteração do seu registo afável. O seu controlo quase que é brincalhão. Mas quando Kelly atende o telefone, ele devia ter dito: "desculpe, foi engano".

K. Douglas

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Os meus 10 filmes dos anos 00

Julianne Moore, Far from Heaven, 2002.


É verdade, o século começou às 00h do dia 1 de Janeiro de 2001. Em todo o caso, os anos 00 chegaram ao fim. Não me importava nada de ter o talento de Douglas Coupland para descrever uma época, para cristalizar os acontecimentos e adensá-los nos pormenores do quotidiano, mesclando as engenhocas tecnológicas com a aura dos sítios e com a intimidade das personagens (este é o toque de mestre de Coupland, penso). Mas não tenho. O que dizer dos anos 00? Pensei minimamente nesta pergunta e ocorreram-me algumas coisas, mas achei que a coisa acertada e justa seria recorrer àquela ideia de Chesterton (bem sei, bem sei, mas deixemos o seu insuportável reacionarismo e sublinhemos o seu humor genial - as vacas económicas não deixam de o afirmar) que diz que aquilo que nos molda e toca verdadeiramente é o que nos acontece na nossa vida - a nossa relação directa com as coisas e como isso nos afecta. Não se pense que isto é um eufemismo para expressar um estado de egoísmo, não é. Pois bem, uma das melhores coisas destes anos foram os filmes. Não apenas aqueles que vi em sala, os quais apontarei adiante, mas também os da cinemateca, as sessões quase caseiras do Museu República e Resistência e, mais que tudo, as sessões caseiras, nas quais se incluem várias ocasiões com a Maria e a Sally. Espalhados por aí, estão uns quantos filmes de que gosto muito.

A minha lista, como é óbvio, reflecte os meus filmes preferidos. Não atendi a nenhum critério específico. Há oito títulos que foram anotados quase de rajada e dois que surgiram depois. Um deles é Saraband. Vale sempre a pena uma pessoa perder-se no Alvaláxia para ver um grande filme. O prólogo do filme, com as aproximações ao rosto de Liv Ullmman, conquistou-me de imediato. Anote-se também que torço a cara a esta classificação, mas forcei-me a fazê-la.

10 - Dogville, Lars Von Trier, 2003.

9 - Donnie Darko, Richard Kelly, 2001.

8 - Brokeback Moutain, Ang Lee, 2005.

7 - In The Mood for Love, Wang Kar Way , 2000.

6 - Saraband, Ingmar Bergman, 2003.

5 - The eternal Sunshine of the Spotless Mind, Michel Gondry, 2004.

4 - Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003.

3- Mulholland Drive, David Lynch, 2001.

2- Kill Bill, Quentin Tarantino, 2003-04.

1- Far from Heaven, Todd Haynes, 2002.

Fiquei quieto a olhar para a lista, à procura de qualquer coisa objectiva para a comentar, mas só consigo pensar que são grandes filmes. Sim, há outros, sim, há um ou dois que podem ser discutíveis. Sim, direi coisas quando sair a nossa lista final.


K. Douglas