sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

No autocarro

Eu não conduzo. Costumo dizer que é uma opção ecológica, afinal, pertenço à “geração verde” (em todos os sentidos de “verde”). Não é verdade mas isso também não vem agora à baila. Fica sempre bem parecermos eco-responsáveis!
Como não conduzo, tenho um meio de transporte de eleição, o verdadeiro carro do povo, o autocarro. Não vos vou falar novamente dos autocarros da Carris. Caso contrário, pareceria que eu tenho uma obsessão estranha pelos amarelinhos (os autocarros, não os post-its, odeio post-its mas isso fica para outro post, sem it). Refiro-me ao autocarro no qual, perto de duas vezes por mês, corto o país do centro ao extremo sul. EVA-Mundialturismo, com serviço de mini-bar incluído. Olho com pena para os clientes da Rede Expressos. Seria justo fazer-se uma acção de solidariedade em prol desses miseráveis, desses abandonados da sorte, vítimas da má suspensão e de percursos alternativos.
O autocarro é um espaço que justifica qualquer tipo de comportamento. Podemos ressonar, dormir de boca escancarada, tombar para cima do desconhecido ao lado. Podemos ver filmes do Adam Sandler sem parecermos completamente parvos – Está a dar num ecrã mesmo em frente dos nossos olhos! Como podemos deixar de ver?! Furamos as órbitas?! E acreditem que ao fim dos primeiros 15 minutos, esta hipótese não parece assim tão absurda.
Ou seja, o autocarro é uma espécie de Suiça dos juízos de valor. Até podemos ler a Happy Woman, K.! É verdade, ultimamente tornou-se leitura oficial dos autocarros da EVA, deixada nos lugares à espera dos próximos viajantes. Ou melhor, das próximas viajantes. Discriminatório, sem dúvida! Os homens não andam de autocarro? Autocarro é “coisa de gaja”? E de “gaja” que lê a Happy Woman!
Eu já a desfolhei. Tem um bom grafismo. E no meio, uns sapatos da Louis Vitton que custam dois meses dos meus rendimentos. Frustada, fechei a revista e fiquei-me pela paisagem da janela.
Sally Bowles

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Óscares 2009. Opiniões


Ao contrário do que aconteceu com o K, vi a cerimónia do princípio ao fim. Sou masoquista, eu sei. Foi tão previsível que até acertei nas categorias de som. A única surpresa da noite foi o Filme Estrangeiro: tal como a Sally, apostei em A Valsa com Bashir. A vitória de Penn não foi inesperada porque a categoria de melhor actor era uma corrida de dois cavalos, se me permitem a expressão, entre Penn e Rourke. Penn ganhou o prémio da National Society of Film Critics, do círculo de críticos de Nova Iorque, dos críticos de Los Angeles e os SAG; Rourke tinha o Globo de Ouro e o BAFTA. Até os “suspeitos do costume” nesta coisa de previsão de Óscares estavam divididos nesta categoria e, portanto, só haveria uma surpresa se nenhum deles ganhasse. Ao contrário do amigo K, porém, fiquei bastante feliz com a escolha de Penn.
Quanto à cerimónia em si, eu sei que muita gente gostou, mas eu não fiquei totalmente convencida. Hugh Jackman esforçou-se imenso, mas achei o número inicial bastante difícil de aguentar e frustrante a sucessão interminável de momentos musicais. O pior de tudo foi aquela homenagem ao filme musical – segundo a Academia estamos a assistir ao regresso do género. Corrijam-me se estiver enganada, mas não era isso o que toda a gente dizia há 8 ou 9 anos atrás? A Academia está na vanguarda, como sempre. De qualquer forma, se o musical vive, aquele número encarregou-se de o matar outra vez.
Houve, contudo, momentos excelentes na cerimónia. O meu preferido foi a apresentação dos Óscares para Argumento Original e Argumento Adaptado, a cargo de Steve Martin e Tina Fey. Cito:

Tina Fey: “It has been said that to write is to live forever”.
Steve Martin: “The man who wrote that is dead”.

Foi refrescante ver uma apresentação genuinamente divertida nos Óscares.
Odeio confessar isto, porque não gosto nada dos filmes e do estilo de humor de Judd Apatow, mas o sketch que ele escreveu, com James Franco e Seth Rogen, teve a sua piada. A parte em que os dois se riem descontroladamente de The Reader foi mais demolidor para aquele filme do que as dezenas de críticas negativas que ele recebeu. Franco a ver-se a si próprio em Milk também foi hilariante. Por outro lado, a apresentação de Ben Stiller, gozando com Joaquin Phoenix, foi um tiro ao lado, na minha modesta opinião. Quanto à apresentação dos Óscares para as melhores interpretações, a ideia de reunir antigos vencedores e prestar homenagem aos nomeados é interessante e inovadora, mas não sei se resultou verdadeiramente e acabou por arrastar a entrega dos prémios – para além transmitir a ideia que os Óscares para os actores são, de alguma forma, mais relevantes que os outros. Nota positiva para a introdução dos nomeados nas outras categorias, com boas montagens, sobretudo para o Melhor Documentário, que incluía a participação dos vários realizadores (Werner Herzog!).
No que diz respeito aos discursos, queria destacar um emocionado Dustin Lance Black e Sean Penn, ambos a marcar posição depois da Prop. 8; a simpática referência de Penélope Cruz a Almodóvar; Philippe Petit; o pai de Kate Winslet; e, por fim, um agradável Danny Boyle.
A cerimónia em si não foi má, em geral, e o aspecto mais intimista do cenário apelativo. No entanto, custou-me manter o interesse num ano em que a selecção de filmes foi medíocre. O único que merecia estar na competição para melhor filme do ano era Milk. Devo, contudo, dizer-vos que gostei de ver Danny Boyle ganhar o prémio de melhor realizador e do seu genuíno entusiasmo ao longo da noite. Só é pena que o homem que nos deu Shallow Grave, Trainspotting ou Sunshine tenha ganho por um filme menor. Por outro lado, goste-se ou não de Slumdog Millionaire, há algo de simpático na sua vitória. Este era um filme que, há menos de um ano atrás, parecia condenado a ser editado directamente em DVD por falta de apoios. É um filme que não foi feito de encomenda a pensar nos Óscares, ao contrário da filmografia completa de Ron Howard ou de Benjamin Button. O underdog venceu, batendo o “filme de prestígio” que ganha tantas vezes. Eu queria que Milk ganhasse mas fiquei sinceramente feliz por Danny Boyle.
Maria Braun

"para tudo se acabar na quarta-feira"

Por minha parte, devo dizer que adormeci a meio da cerimónia. Justamente no ano em que foi interessante e, mais do que isso, foi um verdadeiro espectáculo. Jackman foi enorme. Quanto ao demais, como me encontro nas margens do rio da Babilónia, devo dizer que só tive um prognóstico. Foi em Dezembro quando vi o trailer de Milk no cinema (preparava-me para ver Blindness, que não é tão mau como dizem). Voltei-me para o lado e disse: já sabes quem vai ganhar o óscar para melhor actor. Não sei se este comentário é injusto ou não. Digam-me vocês, raparigas urbanas, cosmopolitas, que não compram a happy woman.
K. Douglas

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Canções de Carnaval ou Chiquinho da minha alma


Noite dos Mascarados


Quem é você?
- Adivinha se gosta de mim
Hoje os dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim:
- Quem é você, diga logo...
- ...que eu quero saber o seu jogo
- ...que eu quero morrer no seu bloco...
- ...que eu quero me arder no seu fogo
- Eu sou seresteiro, poeta e cantor
- O meu tempo inteiro, só zombo do amor
- Eu tenho um pandeiro
- Só quero um violão
- Eu nado em dinheiro
- Não tenho um tostão...
Fui porta-estandarte, não sei mais dançar
- Eu, modéstia à parte, nasci prá sambar
- Eu sou tão menina
- Meu tempo passou
- Eu sou colombina
- Eu sou pierrô
Mas é carnaval, não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal
Deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar
Que hoje eu sou da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou
Seja você quem for, seja o que Deus quiser
Seja você quem for, seja o que Deus quiser

K. Douglas

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Óscares 2009

Eu sei que os Óscares são uma chatice! Os números musicais medonhos, os discursos soporíferos, os intervalos de minuto a minuto. Mas acaba por ser um ritual – Domingo, noitada no sofá. E chega-se a esta altura e começamos com as bolsas de apostas. Talvez fosse melhor tentar os cavalos ou os galgos. Mais selecto!
Enquanto não mudo isso, aqui ficam os meus prognósticos (estes, antes do jogo):
- Melhor Filme: Slumdogg Millionaire. Preferia Milk. (Mas a academia nunca foi gay friendly!).
- Melhor Realizador: Danny Boyle. Preferia Gus Van Sant (Idem!)
- Melhor Actor Principal: Brad Pitt?! Pela make-up?! Já sabem, eu escolheria Sean Penn (Idem!)
- Melhor Actriz Principal: Kate Winslet, como é claro! A equação perfeita: Nacional-Socialismo + Nudez + Maquilhagem de envelhecimento = Óscar.
- Melhor Actor Secundário: Heath Ledger. Mas o meu coração bate pelo Philip Seymor Hoffman! (O K. disse uma vez algo parecido...)
- Melhor Actriz Secundária: A freira, a stripper ou a louca? Eu aposto na louca. Viva la España!
- Melhor Filme Estrangeiro: Valsa com Bashir.
- Melhor Filme de Animação: Wall-E, obviamente!
Quanto às categorias mais técnicas, não me pronuncio. Espero um repto da Maria e do K.
Segunda-feira faço ponte!
Sally Bowles

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Publicidade justificada ou o Malvolio de Jacobi

Derek Jacobi nos ensaios de Noite de Reis

Segundo a imprensa britânica, esta temporada tem sido uma das mais bem sucedidas do West End. Para isso têm contribuído os musicais e as peças que apostam tudo na “estrela” que encabeça o elenco – e os reality shows que, anualmente, Andrew Lloyd Weber apresenta na BBC para promover a sua última produção. Este ano é Oliver! e as filas nas bilheteiras dão voltas ao quarteirão. É o que dá ter-se Rowan Atkinson como Fagin, Burn Gorman como Bill Sykes e a escolhida do público britânico a dar corpo à trágica Nancy. Os musicais são sempre uma aposta segura, nem que seja por captarem os turistas que não querem deixar de ir ao teatro no West End, mas que não têm o domínio necessário do inglês para ver uma peça “a sério” – ou aqueles espectadores que, pura e simplesmente, apenas querem entretenimento sem grande complexidade. Mas, para quem não gosta de teatro musical – como eu – este ano também não tem sido nada mau. Houve as três peças que formam The Norman Conquests de Ayckbourn no Old Vic, Édipo no National Theatre, houve Ivanov no Wyndham’s ou No Man’s Land, de Pinter, no Duke of York’s. E, neste momento, há Noite de Reis, que ficará para sempre na minha memória.
O Donmar West End entrou no jogo do star power como atractivo de bilheteira, sem dúvida. Já se provou que é algo que resulta – as estrelas de cinema (e televisão) atraem audiências que não vão habitualmente ao teatro (claro que o caso britânico é algo peculiar porque muitas dessas “estrelas” têm o seu background no teatro, o que explica as excelentes interpretações que se podem encontrar em muitas séries da televisão britânica). Veja-se a versão que a Royal Shakespeare Company apresentou de Hamlet no início da temporada e que esgotou em poucas horas, graças a David Tennant. Ou, na temporada passada, o sucesso de Otelo, com Chiwetel Ejiofor no papel principal e Ewan McGregor como Iago. Ambas foram muito bem recebidas pela crítica, mas não foi essa a razão do seu sucesso.
Na sua temporada no Wyndham’s, o Donmar apresenta apenas rostos nos seus cartazes publicitários, que cobrem a fachada do belíssimo teatro da Charing Cross Road. Um rosto por peça – Kenneth Branagh para Ivanov, Derek Jacobi por Noite de Reis, Judi Dench por Madame de Sade e Jude Law para Hamlet. Mas nada disso interessa quando a peça vale mesmo a pena. Ivanov e Noite de Reis foram gloriosos – e asseguraram a minha fidelidade e a minha decisão de estar presente quando estrear Madame de Sade, em Março. O rosto de Jacobi nos cartazes é mais do que justificado. O seu Malvolio é uma experiência única. Ver esta versão de Noite de Reis do Donmar é como assistir à história do teatro a fazer-se perante os nossos olhos. É saber que aquele Malvolio vai ser recordado por muitos e bons anos como um dos melhores do West End e que as fotografias de Jacobi adornarão as paredes do Wyndham’s num futuro próximo.
Jacobi afirmou, numa entrevista, recear este papel porque tantos grandes actores o interpretaram. Mas ele nada tem a temer – só aquele momento em que Malvolio tenta sorrir para agradar (pensa ele) Olívia, ensaiando uma série de grotescas máscaras, até conseguir algo que remotamente se pareça a um sorriso, vale o bilhete de entrada. O seu Malvolio é um Jeeves rígido e puritano, hilariante tanto na sua deferência para com Olívia, no início da peça, quanto nos momentos em que a corteja, depois da enganadora carta de Maria. E, no entanto, a perfeição de Jacobi não nos pode fazer esquecer que a peça tem outras belas actuações, como a de Orsino, lânguido como nunca, numa interpretação que sublinha a sua ambiguidade – e a ambiguidade da sua atracção por Viola/Cesário. Para além do mais, a Olívia de Indira Varma deve ser uma das mais belas criaturas que já adornou os palcos do West End.
Uma sublime peça para um sublime teatro – um teatro onde vale a pena subir às galerias superiores, como costumo fazer no Old Vic, só para percorrer os corredores e as escadarias cobertos de fotografias de velhos êxitos, com um jovem John Gielgud ou um não tão jovem Alec Guinness, para roçar as salas onde gerações e gerações de amantes de teatro viram peças que hoje fazem parte da história do West End. É o fascínio destes velhos teatros carregados de memórias e aplausos, teatros que merecem que o seu legado seja honrado por novas produções que possam rivalizar com as velhas glórias. Noite de Reis honra essa história e prolonga-a da melhor maneira possível.

Maria Braun