quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Faca e alguidar ou os novos tipos de família



O clip que coloco com este texto é de um dos mais marcantes filmes britânicos dos inícios dos anos 60, A Taste of Honey, de Tony Richardson. É parte do realismo “kitchen sink” que marcou o cinema britânico dessa década, saído do British Free Cinema, a “nova vaga” desse país. Eu sou parcial porque adoro estes filmes. Porque este movimento nos deu A Kind of Loving, Saturday Night and Sunday Morning, This Sporting Life, Billy Liar, The Caretaker, The Loneliness of the Long Distance Runner, etc., etc… Deu-nos Albert Finney, Alan Bates, Tom Courtenay.
Na sua origem está a vaga documental de finais dos anos 50, preocupada em apresentar uma visão mais realista da working class, até aí praticamente ausente do cinema que se fazia no Reino Unido. Também deveu muito à geração dos “angry young men”, dramaturgos que agitaram as águas do teatro inglês nos finais dessa mesma década de 50, levando a working class para os palcos londrinos. Richardson, aliás, realizou a versão cinematográfica de Look Back in Anger de John Osborne, tendo também adaptado Alan Sillitoe (The Loneliness of the Long Distance Runner). A autora do argumento de A Taste of Honey, Shelagh Delaney, vem dessa mesma geração. Outros também fizeram a transição para o cinema – Pinter (que apesar de ter preocupações algo diferentes, partilhava com os outros “angry young men” locais e o interesse pela working class), por exemplo, é o autor do argumento de The Caretaker e é conhecido pelas colaborações com Losey nos anos 60, mais notavelmente com The Servant.
A Taste of Honey contém muitas das preocupações e temáticas que continuariam a ser exploradas nestes filmes: o estigma originado pela classe social e a quase impossibilidade de fugir a essa existência, a precariedade do emprego e a falta de meios económicos, a desestruturação familiar, a gravidez fora do casamento, a ausência de um lar estável, o alcoolismo e a ausência de parceiros permanentes, a discriminação racial, a perseguição e criminalização da homossexualidade … Em A Taste of Honey, Jo fica grávida após uma fugaz relação com um marinheiro negro que, apesar de gostar muito dela, tem de partir, sem saber em que situação a deixou. Jo não tem apoio familiar porque não tem família: não sabe quem é o seu pai e a mãe nunca se responsabilizou verdadeiramente por ela, passando o tempo nos pubs, fugindo de casas que alugava e para as quais não tinha o dinheiro da renda. É na figura do seu melhor amigo, um jovem homossexual, expulso do quarto onde vivia devido à sua orientação sexual, que Jo vai encontrar o seu apoio. Eles vão formar uma família improvisada mas bem mais unida que muitas famílias tradicionais. Uma família que, se conseguir sobreviver após o nascimento da criança, será constituída por uma jovem mãe solteira, um “pai” homossexual e uma criança mestiça. Infelizmente, nem tudo vai terminar da melhor forma, graças à mãe de Jo.
Rita Tushingham e Murray Melvin ganharam os prémios de melhor actriz e de melhor actor em Cannes, com as suas tocantes interpretações de Jo e Geoff. Alguém teve o bom gosto de colocar no YouTube um momento intensíssimo do filme, um momento em que as dúvidas assombram a nossa Jo e em que ela acaba por quebrar.
Maria Braun

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Confusepedia

B

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Bolsa: Saca pequena fechada por meio de cordões. Carteira. Subsídio. Algo que sobe, desce e, de vez em quando, cai. Habitat natural de uma espécie de hominídeo, único nos seus altos níveis de adrenalina. Trata-se do local onde estes últimos se reúnem, em largos conjuntos, para orgias financeiras de desfecho incerto: no pós-coito, as reacções variam entre o "Amo-te, BES!" e o "Nhac! Como fui capaz de comprar aquilo!".

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Bush, George W.: Bípede acéfalo.

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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Freelove on the Freelove Freeway




Este clip do Office britânico serve como argumento numa pequena diferença de opiniões entre o K e eu. Ele é grande fã da versão americana do Office, enquanto eu sou fiel à versão original e a David Brent. Mas, confesso, tenho alguns preconceitos em relação a comédias televisivas americanas, sejam elas originais ou versões de outras. Há excepções, claro, como Seinfeld ou os Simpson, entre outros.
Este é um dos momentos mais famosos da série, quando David Brent interrompe uma sessão de formação para tocar algumas músicas de sua autoria, terminando com a hilariante Freelove on the Freelove Freeway. Então K? Consegue o Office americano superar um momento como este?

Maria Braun

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Visões de Dylan

Todd Haynes. Quem já leu outras entradas deste blog sabe como eu gosto dos seus filmes. Tenho, por isso, que assinalar o lançamento de I’m Not There em DVD. Depois de cinco anos de espera por um filme de Haynes e de outros tantos de muita expectativa em relação a I’m Not There, o desejo de ver e gostar deste filme era muito forte. Haynes produziu mais um dos seus puzzles, um dos seus filmes que, não sendo biopics, o são. Porque este filme, mesmo fugindo a todos os clichés das biografias musicais como Ray ou Walk the Line, não é, por isso, menos biografia. Escondido por detrás dos jogos de Haynes está o trajecto pessoal de um músico – as suas influências, as suas tomadas de posição artísticas, as crises de identidade, os problemas pessoais e familiares – como em qualquer outro biopic. É fácil descobrir pedaços de Dylan por detrás de cada uma daquelas facetas – no entanto, o que marca a diferença em relação a outros biopics é a necessidade de já se conhecer as histórias em redor do biografado para se conseguir compreender uma parte importante do filme.
Haynes mantém essa sua complexidade de referências que fez dele um dos nomes mais interessantes de um cinema pós-moderno americano, com a bagagem de citações pop, a construção de algo novo a partir de retalhos do passado. I’m Not There é um típico Haynes e, sobretudo o segmento sobre Jack Rollins, faz-nos recordar Velvet Goldmine, numa certa continuidade estilística. Haynes é um mestre na manipulação da imagem cinematográfica, é de uma inventividade visual única, criando imagens de grande beleza. Só que, aqui, por vezes, Haynes perde-se nessa imagem, sem conseguir que o seu filme seja aquela lufada de ar fresco que foram os seus esforços anteriores. Os segmentos estão desnivelados, nem todos são conseguidos. Jack Rollins não resulta particularmente bem (apesar do notável esforço de Bale) e cria essa sensação de déjà vu em relação à obra anterior de Haynes; Billy the Kid é um alien no meio de tudo isto – e uma incógnita para quem não conheça as Basement Tapes de Dylan nem Pat Garrett & Billy The Kid de Peckinpah – e Heath Ledger consegue destoar completamente do resto do filme. No entanto, pode-se argumentar que este segmento nos remete para um Dylan privado, que nos é desconhecido porque é o Dylan que se mantém longe dos olhos do público e que, portanto, a estranheza e o distanciamento que causa é uma consequência natural e uma prova de que o filme está a resultar. Para além do mais, é impossível não gostar de Ledger e Charlotte Gainsbourg.
Com efeito, uma das mais-valias do filme é a qualidade das interpretações. E são elas que ancoram dois dos meus segmentos preferidos: o de Jude Quinn e o de Woody Guthrie. O primeiro, visualmente, é puro cinema europeu dos anos 60 – sobretudo Fellini com pitadas de Antonioni – e é onde se nota a preferência de Haynes pelo Dylan eléctrico, considerando-o o mais inovador e musicalmente relevante de todos. Apesar de, no meu caso pessoal, ter chegado a Dylan através da sua fase folk e ainda hoje nutrir uma particular preferência pelos primeiros discos, penso que este segmento é um dos mais fortes do filme. A parte Guthrie beneficia sobretudo de uma excelente interpretação, de grande maturidade, para além de captar com grande perfeição visual e, sobretudo, cromática, aquele mundo dos blues, o sul da América, das plantações, dos conflitos raciais.
Nota positiva para este filme que, como sempre, não desaponta enquanto imagem, mas que demonstra algumas fragilidades narrativas e que nem sempre é bem sucedido na integração dos vários segmentos, eles próprios de sucesso variável. No entanto, espero que o intervalo entre este e o próximo filme de Haynes seja bem mais curto, porque acho que não conseguirei aguentar outros cinco anos sem um dos seus filmes.
Maria Braun

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O (verdadeiro) Socialismo ainda vive?


Billy Bragg, There is Power in a Union


Resolvi juntar-me ao debate que une os outros membros deste blog há já algum tempo. Esta é dedicada à Sally, ao K., a mim própria e a todos os fãs de um dos últimos socialistas britânicos (se excluirmos Ken Loach) de seu nome Billy Bragg.


Maria Braun (do seu desterro)