sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Jantar com José Rodrigues dos Santos

Certa vez apanhei um táxi. O condutor estava a ouvir a Renascença (introduzir expressões a gosto de leitor) e António Sala (introduzir novas expressões) entrevistava José Rodrigues dos Santos sobre o seu último romance, Sétimo Selo. O momento derradeiro da entrevista foi quando Sala quis provar de forma inequívoca a existência de Deus, coisa que me escuso de reproduzir, pois foi ridículo, obtuso e adjectivos que o leitor, também aqui, pode introduzir. Isto é um post interactivo. Justamente, mais ou menos ao mesmo tempo, a Bertrand comemorava o seu aniversário e oferecia um jantar com o escritor preferido dos leitores. Neste caso, José Rodrigues dos Santos. Coisa curiosa, muito curiosa. A primeira impressão é: não há mais escritores? A segunda: as funcionárias da administração pública devem andar loucas, em ebulição. Só estariam mais loucas se a Difel lhes desse um jantar com Isabel Allende. Terceira: o sacrifício de José Rodrigues dos Santos, esquecido imediatamente pelo dinheiro posto ao bolso. Sabe-se lá quem vai aparecer à frente do senhor. Bem, fiquemos com uma funcionária pública. Vai chegar à repartição com o cabelo arranjado e vai repetir que quando sair vai andar numa roda viva para escolher o que vai vestir. Agora surge uma outra pergunta: qual o restaurante? Agradável, mais ou menos selecto? É capaz. O pivot vai recebê-la com a cortesia que o protocolo exige. Vão escolher o vinho e ela vai dizer, tímida, que é um prazer estar ali e que leu todos os seus romances desde a Filha do capitão. Imediatamente a seguir, já com alguma confiança ganha: "Ai, aquele Almerindo desalmado! Estas coisas ainda acontecem em Portugal, que horror! O Miguel Sousa Tavares, também gosto muito dele, tinha toda a razão: em Portugal não se gosta de ser livre." O outro assente. Poderia problematizar a coisa, mas não lhe apetece. Pergunta por coisas que ela gosta de ler e a resposta é rápida: "Detesto o Saramago, aquele homem não usa vírgulas. Gosto de poesia  e de algum teatro... e gosto muito de si e daquela cena de sexo do Codex. Dito isto e sabendo que JRS confidenciou ao público, há alguns anos atrás, que conseguia abanar as orelhas, será que ela lhe vai pedir semelhante coisa? Será que amanhã, a Madalena, da secretária ao lado, vai ficar estarrecida quando a outra lhe disser: "Ele abanou a orelha só para mim." Mas a pergunta derradeira é: quer mesmo ir jantar com José Rodrigues dos Santos?
K. Douglas

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No cinema: Hot Fuzz




Depois da desilusão que foi o lançamento directo em DVD de Shaun of the Dead, uma das nossas distribuidoras decidiu redimir-se e exibir o novo projecto da dupla Edgar Wright – Simon Pegg nas salas de cinema.
O que dizer de Hot Fuzz? Depois do efeito- novidade que foi Shaun of the Dead, desilude um pouco. É, no entanto, uma divertida comédia, bastante acima da média dos filmes deste género que conseguem ser distribuídos por cá. E para os que cresceram com um sério vício por comédias inglesas e se lembram de Pegg em Hippies, Big Train ou, mais recentemente, Spaced, é sempre um prazer vê-lo em acção (para além de se poder jogar ao “spot the comedian” com praticamente todo o elenco secundário). Seria, mesmo, um grande filme se perdesse cerca de 30 minutos. As duas horas de duração começam a pesar com cenas que se arrastam mais do que deviam, sobretudo no quarto final, para além da óbvia necessidade de um trabalho de montagem menos indulgente. Por vezes torna-se mesmo repetitivo e fastidioso, sobretudo para um público que aprecie mais o conceito que enforma esta comédia ou mesmo a ideia de comédia em si, do que o oco cinema de acção muito americano que este Hot Fuzz parodia.
Esse é outro ponto que merece atenção. O facto deste filme ser vendido como uma comédia pode levar o espectador mais incauto a um verdadeiro choque. É explicitamente – e por vezes caricaturalmente – violento. Hot Fuzz não brinca com os filmes de acção como se estes fossem um género inferior. Há aqui, tal como na personagem Danny, um genuíno carinho por aquele género. Consegue aquele equilíbrio entre a sátira e o respeito, por vezes difícil de alcançar, por um determinado género cinematográfico. Os seus lugares-comuns estão todos lá. Há violência gratuita, longos tiroteios, perseguições, explosões, aqueles ditos-que-pretendem-ser-inspirados-mas-são-constrangedoramente-pirosos, até uma relação com claros contornos homoeróticos entre os dois “buddies” interpretados por Pegg e Nick Frost.
A diferença está no local onde tudo se passa. Esta é a piada estruturante do filme. O cenário não é uma metrópole, mas uma pequena aldeia inglesa onde, aparentemente, os grandes problemas são a fuga do cisne do castelo ou um idoso que corta sebes que não lhe pertencem. Claro que, como numa história de Agatha Christie, todos têm algo a esconder. Uma pacata aldeia, repetente no título de melhor aldeia de Inglaterra e orgulhosa desse estatuto, transforma-se numa espécie de Bronx. Aqui, até o padre ou a directora da escola estão armados até aos dentes e participam no grande tiroteio final. Ao escolher este cenário, o humor do filme alarga-se e, para além de parodiar o cinema de acção, transforma-se numa sátira à mentalidade de pequena terra, com os seus preconceitos e conservadorismo, tornando-o num produto distintamente britânico. A piada é levada ao ponto do absurdo, mas não é isso que o prejudica, muito pelo contrário. É um dos aspectos mais divertidos do filme. O que prejudica é o facto de parecer acabar várias vezes antes da verdadeira conclusão e cada um dos finais consecutivos ser mais incongruente do que o anterior. Nem sempre no bom sentido. Essa construção faz parte do humor do filme, mas não é completamente conseguida.
O veredicto? A ideia central é bastante boa, a concretização é desequilibrada. Os ingleses já há muito nos habituaram a interpretações sólidas e este filme não é excepção. Com um excelente elenco secundário que conta com Jim Broadbent, Billie Whitelaw, Paddy Considine ou Timothy Dalton, os actores não forçam a piada, deixam-na fluir. Por vezes, o humor é muito mais atmosférico do que de graça imediata e identificável e isso beneficia o filme. Um trabalho mais apurado da tesoura e estaríamos perante uma verdadeira gema.


Maria Braun

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Be a confuser

Eram três da tarde. O céu estava limpo e o vento soprava forte de quadrante este. Humidade relativa, risco de precipitação nas próximas 24 horas. Olhos da estrada e Art Sullivan no auto-rádio, ela seguia rumo ao Sul. Haviam combinado encontrar-se no quilómetro 140 da Nacional. Era a meio caminho de casa. Seguia relutante mas ansiosa. Ao longe, lá estava ele, dentro do seu fato tweed, elegante, riscas azuis finas, riscas vermelhas mais largas, ele gosta de riscas. A cartola púrpura, sempre púrpura como um cardeal.
- Vieste tarde.
- Eu sei... Encontrei um engarrafamento em Alcácer. Um acidente... Cegonhas, muitas cegonhas, raio das cegonhas!
- Prefiro patos.
- Eu sou mais periquitos. Trouxeste?
- É claro.
Ele estendeu o pacote. Os seus dedos gordos e luzidios tocavam-no como a um corpo morto. Sentia o sangue a pulsar nas veias de emoção.
- Cola-Cao!
- Como combinámos. Mas tem cuidado. Já vi muitos perderem-se por isso. A Lola foi parar ao veterinário, lembras-te?
- Era Nesquick, meu caro. Só Nesquick.
Já não tinham mais nada para dizer um ao outro, o tempo parecia estar a mudar. E as cegonhas... podiam vir as cegonhas! Ela entrou no carro e fez-se à estrada. Aconchegou o pacote no cobertor do Mickey. Os pelos de gato não lhe iriam fazer mal e assim ficava mais quente.
Faltava pouco para chegar quando viu o carro. Era a polícia.
- Merda!
Poderia fugir, poderia carregar no acelerador e fugir. Mas não. Fugir para onde, com a Marateca ali tão perto? Mandou-a encostar. Ela obedeceu, submissa.
- Boa tarde, minha senhora!
- Boa tarde!
- Faça o favor de me apresentar o seu Platão.
- O meu Platão?!
- Sim, minha senhora.
- Mas só tenho aqui o meu Parménides.
- Não aceitamos pré-socráticos desde Outubro.
- Aristóteles?
- Só a norte do Tejo, minha senhora.
- Mas senhor guarda... Deixe-me cá ver – nervosamente, ela revolvia o porta-luvas. Luvas, luvas, umas chaves, luvas, mais luvas, uma sombrinha de cocktail, luvas, a pastilha de morango que não via desde a semana passada, doce pastinha, como me lembro dela, céus! – E a Anita?
- A Anita?! Mmmm. Assim o caso muda de figura. Deixe-me cá ver – ele abriu o livro sem cerimónia – Muito bem. E foi a Helsínquia...
- Com o chiwawa.
- Eles crescem depressa, não é verdade?
- E como!
- O meu já tem cinco anos. Ora bem, a senhora pode prosseguir. Não vou registar a ocorrência.
- Obrigada, senhor guarda! Adoro a sua écharpe.
- Hoje acordei um pouco pálido, sabe? Então boa tarde!
- Até qualquer dia.
Respirou fundo de alívio. Ainda não foi hoje, o seu segredo estava bem guardado. Podia voltar a casa antes do chá.

To be continued

Sally Bowles

domingo, 25 de novembro de 2007

Petiscou?

Este blog não é uma espécie de nada. Sim, temos que os referir porque eles são bons, ainda que um pouco, um poucachinho, tontos. Ora aí está! São bons porque sabem como os portuguesinhos valentes são. Desde o chico-esperto ao doutor, passando pelos servis, como por exemplo a maluca de capachinho que serve cafés na pastelaria pseudo-finória aqui do bairro: "Oh, D. Constança quer que aqueça o seu leitinho, quer? E o maridozinho, o doutor, tem passado bem?" Até pode ser que a Constança, um dia, vinda de Paris, esteja no café a dar conta das suas deambulações e o nosso amigo exclame: "Aiii, Parriiis! Também já lá estive. Um sonho! Um sonho!". Mas deixando isto, o que os gatos mostram é que para além das circunstâncias em que queremos catrapiscar (tanto pode ser a Maria, como uma atençãozinha ou emprego jeitoso) também somos ridículos naquelas em que reclamamos. O célebre "Falam, falam e não fazem nada" é a prova contundente. O português quando reclama dá-se ares, tem uma certa pose de quem está com a verdadinha do seu lado e por isso repete o "tás a compreender" em cada frase simples ou o "pronto". Pronto, gostamos muito da terrinha, já dizia o Joaquim de Carvalho que de História ou de Antropologia não percebia nada - além de apreciar o Júlio Dantas (pum!) - mas lia Heidegger e aplicou o método fenomenológico à saudade, em dois textos que não valem um calé furado. Saudadinhas da casinha, da terrinha, do pãozinho duro, do cavaquinho riquinho da alma de muita gente, enfim deste portugal que é um cantinho do Céu. Sorte é termos um gilinho que é um grande pensador e que é capaz de fazer disto uma cidade "inteligeennnte", com choques de opiniões, de fluxos e sabemos lá que mais. Senão, senhores leitores isto era tudo muito mau, muito mau. Petisque, se ainda não o fez.
K. Douglas

sábado, 24 de novembro de 2007

Kitty Kat

Monty Python, Confuse-a-Cat

Apresentando o purgatório como vida quotidiana

Acabou de aceder ao nosso blog, não é? Olhe, é melhor não! Esqueça, vá fazer algo de realmente produtivo. O Sócrates ficaria orgulhoso de si... Contribua para o PIB e deixe-se dessas coisas. No entanto, se quiser mesmo continuar a ler, prometemos tornar a sua vida num purgatório. Não tão tortuoso como um romance da Agustina. Somos bem mais perigosos do que ela; tratamos a existência por tu e não precisamos de citar constantemente Byron. Está confuso? OK, qual foi a parte do nome do nosso blog que não percebeu?
Até um próximo post.


Maria Braun
Sally Bowles
K. Douglas